«Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial» de Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi (org.)

0
664

notícias das CaldasEntre memória e resgate – poderia ser o subtítulo deste livro de 646 páginas. Memória como em Carlos Garcia de Castro («Todos se lembram mas poucos recordam») e resgate como em Belmira Besuga – «Escrevo para ligar de novo o que a morte separou». Natércia Freire inscreve a morte na perspectiva da mãe: «São meus filhos. Gerei-os no meu ventre. / Nove meses de esperança, lua a lua. / Grandes barcos os levam, lentamente». Manuel Alegre recorda Fernando Assis Pacheco, camarada de guerra e poesia: «Não me venham dizer que foi enfarte / ou acidente cardiovascular. Eu sei / que foi mina / armadilhada no coração». Fernando Assis Pacheco que tinha avisado: «Há um veneno em mim que me envenena / um rio que não corre, um arrepio, / há um silêncio aflito quando os ombros / se cobrem de suor pesado e frio.»

Para Liberto Cruz os poemas são colectivos mesmo se escritos por cada um: «Pertenço a uma geração que o País perdeu». Em José Correia Tavares é outro o calendário das paredes: «Natal transparente e puro e frágil como os olhos de minha mãe, como as lágrimas de minha mãe, como a recordação de minha mãe». José Bação Leal morreu na guerra depois de gritar: «Ah vazio! Eterno vazio! / Vais-me matando aos poucos / estou farto de não viver / não tarda estarei louco / ou morto sem morrer». Álamo Oliveira, por sua vez, inscreveu o vazio noutro poema: «O soldado não tem memória. Os seus olhos esquecem-se na floresta / e picam-se na inconstância e no aborrecimento. / O soldado nem gosta de pensar na mãe». Em Eduardo Guerra Carneiro a guerra faz-se longe da guerra: «Lá te foste embora, António. De ideias ao ombro, todo vestido de bombazina. De que cor são os lagos da Suíça?» Já os «lusíadas» de Manuel Simões («carregados de anos de silêncio / e cólera mil vezes reprimida / eis-nos enfim saciados do mar») poderiam perguntar como o poema de Fernando Grade: « – E os crimes, meu general? / – Ah, isso foi há muito tempo…Já ninguém se lembra!»
(Editora: Afrontamento, Fotos: Manuel Botelho, Notas biográficas: Luciana Silva e Mónica Silva)

- publicidade -

- publicidade -