O meu estimado amigo Rui Gonçalves (e apreciado vizinho de coluna nestas páginas, ao tempo em que ambos assinávamos uma crónica quinzenal) publicou, na edição da Gazeta de 12 de Abril, um artigo sobre o Céu de Vidro e o hotel pressentido para os Pavilhões.
Acontece que, tendo já nós convergido sobre tantas coisas, desta vez divergimos e muito. Explico porquê:
Começo por discordar da associação do Céu de Vidro a um hotel nos Pavilhões. E, apesar do Céu de Vidro ter sido construído no século XIX como prolongamento do Passeio da Copa, surgido em 1799 para ajudar a convalescença dos doentes, a questão principal não reside no ter sido ou não (e neste momento é) a entrada principal para o Parque, mas sim no facto dos dois edifícios nunca terem tido qualquer ligação orgânica, funcionando sempre separados e independentemente. Citando aqui o texto do Rui Gonçalves: na perspectiva de uma eventual ligação, «não existe portanto nenhuma razão histórica nem funcional que suporte o argumento. Factos são factos».
Estamos, pois, perante uma apropriação indevida de espaço público para uso exclusivo de privados sem quaisquer contrapartidas.
O programa Revive é supostamente um instrumento para a recuperação e valorização do património edificado cultural e histórico, prevendo, de forma algo rígida, a instalação de unidades hoteleiras privadas em propriedades do Estado, algumas delas que integravam a rede pública de estalagens Enatur ou em locais completamente desadequados como foi o caso do forte de Peniche, decisão em boa hora revertida.
O Estado não só prescindiu, em benefício de interesses privados, da primazia de que dispunha na captação de fundos comunitários como, em paralelo, criou uma linha de crédito de 150 milhões, da qual é avalista. Ou seja, se os promotores não honrarem os seus compromissos bancários, o Estado pagará. E estas opções de claro favorecimento, culminam um longo processo de desorçamentação, de cortes nos financiamentos, de abandono premeditado, visando posteriores privatizações do património termal, cuja unicidade foi violada.
Recordo a vinda, num 15 de Maio, do então secretário de Estado Leal da Costa e a sua esclarecedora tirada de que o Hospital Termal não fazia parte do «core-business» do ministério da Saúde. Acontece, porém que nem a saúde é um negócio (é um direito!), nem o hotel que se quer instalar nos Pavilhões, será um hotel termal – servir-se-á das termas, não as servindo.
A justificação do programa Revive é a reabilitação dos edifícios. Contudo, o que se vai conhecendo do pré-projecto, ainda não submetido à apreciação da Direcção-Geral do Património, cujo parecer é obrigatório, faz temer o pior. Devido a contestação que entretanto se estabeleceu, alguns aspectos mais gravosos foram sendo substituídos, caso do estacionamento automóvel com três pisos subterrâneos (o que punha em risco os aquíferos termais) ou a volumetria excessiva de alguns elementos. Subsiste no entanto o cerne do problema, dado que os Pavilhões serão completamente esventrados, sobrando apenas a casca e assim sendo, isto, em termos de património não é uma recuperação mas sim uma severa adulteração da tipologia arquitéctónica, descaracterizando o edifício e fazendo-o perder irremediavelmente a sua identidade. Aliás, foi esta preocupação que suscitou uma pergunta escrita do deputado comunista no Parlamento Europeu, Pimenta Lopes.
Acresce que o Projecto de Consolidação e Conservação Local (que a Visabeira ignorou), sobre os Pavilhões, encomendado pela autarquia ao Arq. Vítor Mestre e ao Eng. Pedro Ribeiro, dois prestigiados especialiatas neste domínio, e apresentado em Abril de 2017 era muito claro nas recomendações que produzia: a preservação dos Pavilhões não deveria ser prejudicada por nenhuma construção de raiz (e estão previstas duas, uma delas barrando por completo a entrada para o parque a partir do largo) e a vantagem de se proceder a uma discussão pública, que, pelo visto, tudo leva a crer que não se realizará. Os cidadãos têm o direito de ser informados, esclarecidos e de se pronunciarem sobre aspectos importantes da vida do seu burgo, mais a mais quando decisões agora tomadas podem ter efeitos durante quase meio século. Acredito que talvez possa ser conveniente para os promotores e para a autarquia, a opacidade que agora se constata. Para a vida democrática não será, seguramente…
Os caldenses dizem e com razão: é preciso fazer qualquer coisa! Mas isso não significa (digo eu) que se faça uma coisa qualquer.
José Carlos Faria
































