A surpresa

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Quarta-feira, 9 de março de 2022, 22h00, França

Depois de 5 mil kms e com o nosso principal objetivo concluído, começámos a querer ser vencidos pelo cansaço. Há quatro dias a estrada era a nossa casa, o sítio onde dormíamos, comíamos, fazíamos a nossa higiene e acima de tudo conversávamos. Falávamos de tudo, às vezes até de coisas sem sentido, mas precisávamos de nos distrair da tarefa única que até então tínhamos de desempenhar, conduzir! A partir de ontem, sentimos que a nossa casa tinha visitas, pessoas que ainda não conhecíamos mas que mereciam todo o nosso respeito. O ambiente agora era outro, deixamos de estar “à vontade”. Existiam duas barreiras que ainda não tínhamos conseguido ultrapassar: a primeira da língua, o Ucraniano não é de todo o nosso forte, e a outra, a emocional.

Embora os mais pequeninos se tenham ambientado mais rapidamente à nossa presença, as mães ainda carregavam no rosto alguma desconfiança e intranquilidade. Contudo, sentimos que ao longo das horas, dos momentos de partilha e das sucessivas paragens o “modus operandi” estava a alterar-se. Durante a viagem, partilhávamos a necessidade de uma cama e de um banho quente, estávamos de rastos. Com o cair da noite, um silêncio ensurdecedor. Todos já dormiam com exceção da equipa portuguesa que se ia mantendo acordada com muita dificuldade. Decidimos que ninguém dormia. Precisávamos todos de estar acordados. Os telefonemas entre as carrinhas eram recorrentes para garantir que tudo estava bem.

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No cair da manhã, fomos contactados pela Carina, uma gaeirense que agora mora e trabalha em Paris, e que ao conhecer a nossa missão, logo diligenciou junto das entidades e a Associação de Portugueses em França um plano de acolhimento. Com tal nível de cansaço a proposta era de facto irrecusável. E foi aí que estabelecemos que a meta da noite era a chegada a Pontault-combault – França. Faltavam cerca de 6 horas. Mas la continuámos. Contudo, os olhos começaram a fechar-se. A paciência começou a esgotar-se e já estávamos verdadeiramente com dificuldade em nos aturarmos uns aos outros. Tivemos então de colocar um “travão” na nossa viagem e parar numa área de serviço para dormir um bocadinho. Eram 02h40 e definimos que às 04h tínhamos de sair. E saímos! Com a sensação de que não dormimos nada… mas deu para repor baterias para os próximos 400 kms. Às 09h estávamos na morada que nos tinha sido enviada. Aguardava-nos uma cama, roupa lavada e oportunidade do tal duche quente. Organizamos os quartos por forma a que cada família ficasse num, Tivesse a sua privacidade e se preparasse para os últimos 2 mil Kms. Dormimos entre as 10h30 e as 15h00 e depois um reconfortante almoço teria sido preparado com muito carinho por alguns cidadãos portugueses. Uma sopa quente, frango assado, pastéis de bacalhau, rissois e muitas outras coisas. No final, despedimo-nos e sentimos que em tão pouco tempo, a comunidade ucraniana está surpreendida com o povo português. Com a sua amizade, generosidade e entrega. Hoje fizeram-nos uma surpresa. Um “grito de agradecimento” onde em coro, o com a bandeira nacional nas mãos, gritavam “Obrigado Portugal”.

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