Quero sublinhar que a resolução final tomada pela Assembleia Municipal Extraordinária realizada no passado dia 8 de Agosto, evidenciou, a meu ver, um enorme senso.
As circunstâncias aconselhavam, de facto, o uso de prudência na deliberação sobre um assunto que, de tão momentoso, exige um tempo necessário para a reflexão mais aprofundada e mais serena. A verdade é que, no decorrer do mês que passou, não foi conhecida qualquer ocorrência que justifique uma decisão precipitada.
Circunstâncias adversas, por vezes muito perversas, têm obstado ao despertar para uma nova época, que permita restaurar o prestígio justamente firmado pelo Hospital Termal Rainha D. Leonor (HT), ao longo da sua existência multissecular, durante a qual o Estado nunca lhe negou o apoio que é devido ao exercício da sua própria actividade.
No dealbar do século XXI surgem fortes indícios de que estes elos podem estar para ser quebrados por intenção não apenas tutelar, facto lamentável que reflecte uma insuficiente identificação com a ímpar relevância que, no domínio assistencial, o HT tem desempenhado no nosso País, desde a sua fundação até à actualidade.
A insinuação de que o HT estará limitado à função própria de uma Estância Termal e a afirmação de que o HT já não está integrado no SNS, quando proferidas por quem exerce funções da mais elevada responsabilidade, provocam a maior incredulidade.
No livro “O Hospital Português” publicado pelo Ministério da Saúde/ Direcção Geral dos Hospitais, no ano de 1998, pode ler-se na página 14, a propósito da criação dos primeiros Hospitais Centrais, o seguinte: “ O Hospital Termal das Caldas da Rainha insere-se neste Grupo de Hospitais, tendo a sua construção sido iniciada em 22 de Janeiro de 1485 (Hospital de Nossa Senhora do Pópulo), sendo o primeiro Hospital Termal do mundo e dispondo de 100 camas. De facto, só em 1601 se iniciará a construção do Hospital de Aix-les-Bains. O Hospital mandado construir pela Rainha D. Leonor, embora inserido na política de D. João II, possuía médico privativo, consultas diárias, prévias ao internamento e farmácia. O “Compromisso”, mandado lavrar pela Rainha em 1512 é um instrumento de grande relevância, nele se descriminando um quadro de funcionários e um conjunto de normas administrativas e de protocolos clínicos, enquadrando a vida hospitalar”.
Esta breve síntese histórica retirada de um livro editado pelo próprio Ministério da Saúde, deveria merecer uma consideração consentânea por parte de quem detém, actualmente, a incumbência de decidir sobre o futuro do HT.
A intenção de desactivar o HT, é infeliz, por demais acintosa, não só para a Comunidade Caldense mas ainda para a História e Evolução dos Hospitais Portugueses. O desamor que se configura é por demais ofensivo.
Com data de 23 de Maio de 2011 foi dado por terminado o Estudo encomendado pelo Estado e pela Câmara Municipal das Caldas da Rainha, à equipa do ISCTE – IUL, com o objectivo de elaborar o “Estudo de Avaliação Gestionária, Económica e Financeira sobre o Hospital Termal, Visando um Modelo de Gestão Autónoma”. O Relatório Final foi objecto de debate público, tanto em ambiente político como por iniciativa da sociedade civil, tendo tido como resultado a publicação de um conjunto de apreciações críticas, nas quais também intervim com a contraposição de alternativas, nas quais expressei as concordâncias bem como as minhas fundadas discordâncias. No entanto, não houve divisão de opiniões na consideração de que o HT deve permanecer como Instituição Pública. É relevante que, no próprio Estudo do ISCTE – IUL, tenha sido rejeitada “a hipótese de, por opção política e/ou ideológica diferente da actual, a exploração do Hospital Termal poder vir a ser cedida a entidade privada, com ou sem ligação institucional ao CHON”. Este ditame permanece intocável, conforme a opinião que subscrevo, segundo a qual, tem sido revelada a inadequação da integração do Hospital Termal Rainha D. Leonor, no CHON e, agora, no CHO.
Respeitando a sua dependência hierárquica, o HT deverá, de facto, retomar a sua autonomia administrativa, financeira e patrimonial, sob a direcção de um Órgão restrito, competente, com um mandato preciso e a reconhecida acuidade para cumprir objectivos que conduzam à credibilização da actividade do HT, inclusive no respeitante à inequívoca capacidade de que dispõe para responder às exigências do termalismo de natureza turística.
Desde logo, a acção terapêutica da Água Mineral Natural das Caldas da Rainha, representa, obviamente, o valor intransmissível, que dá fundamento a todas as diligências que permitam recriar a capacidade atractiva das nossas Termas, conforme a tradição demonstra de forma inquestionável.
O HT necessita de um novo Compromisso que regulamente a sua missão assistencial, tendo em consideração tanto a sua condição de Instituição Pública integrada no SNS, como a especificidade da actividade que lhe é própria. Esta medida deve ser tida como prioritária.
Na perspectiva de aumento substancial da procura Termal e perante a exigência de uma gestão pública e autónoma do HT, a sustentabilidade do seu funcionamento ficará melhor assegurada se forem estabelecidas condições de relacionamento privilegiado, de complementaridade, no domínio do apoio clínico e terapêutico, entre o HT e um Hotel Termal, de modo a assegurar a todos os Utentes, as adequadas condições de acolhimento, que permitam oferecer em todas as estações do ano e de forma coincidente, o tempo dedicado à “cura Termal” e os tempos de Saúde/Lazer que a frequência das Termas proporciona.
Afigura-se assim ser possível prover a rentabilidade do investimento a realizar, tanto na adaptação dos Pavilhões do Parque a estabelecimento hoteleiro termal e sua exploração, incluindo os espaços envolventes que lhes estão atribuídos, com Spa/Balneário moderno e Day/Spa, como na adaptação do Clube de Recreio a um centro de animação cultural e social e sua exploração. No respectivo processo de concessão, a procura de um promotor privado deverá ser efectuada mediante concurso nacional e internacional, que, obviamente, contenha todos os elementos que permitam definir a natureza e o objecto do concurso e todas as demais normas que caracterizam um processo desta natureza.
Será com certeza dispensável referir que as acções a promover só poderão ter sucesso, se os principais decisores reatarem relações formais com as Instituições e as Entidades que têm por missão tutelar e/ou participar na orientação de projectos de índole Ambiental, Cultural, Geológica, Patrimonial, Social, Termal e Turística. De facto, neste domínio, o rol é extenso.
Tem plena actualidade a referência feita no mencionado Estudo, segundo a qual é exigível, no plano interno, organizacional, uma plena identificação com os objectivos que se pretende alcançar, sem descurar a prevalência da perseverança, da boa-fé e da confiança mútua, a prosseguir em todas as etapas de execução do Projecto, insistindo para que “as partes interessadas, entenderem que nada de verdadeiramente bom se fará para valorizar o Património do Hospital Termal, se não criarmos esta Parceria”.
É, de facto, indispensável que, a nível local, os decisores principais cumpram o verdadeiro contrato de parceria, que lutem pela concretização de objectivos de interesse comum, os que representam, tão-somente, um benefício essencial para as populações que se obrigaram a servir.
No entanto, nunca os protocolos a celebrar entre o Estado e o Município, devem conter no seu articulado, qualquer item que possa indiciar a outorga a favor da Autarquia, de uma qualquer parcela do Património do Estado, seja natural ou edificado.
A ser assim estaria assegurada uma forma perene de firmar mais um compromisso, o de se cumprir o prosseguimento das acções que, numa linha de coerência, permitam a revalorização dos mútuos interesses que envolvem a Urbe e o seu Hospital Termal.
Neste aspecto, não é demais realçar, que o mesmo Estudo contém os argumentos e os incentivos que responsabilizam sobremaneira aqueles que representam os principais interessados. Esta circunstância, só por si, confere-lhe merecimento.
Considerando os antecedentes, o desígnio deve ser o de pugnar para que o prognóstico, sendo à partida reservado, tenda a evoluir, finalmente, para a fase de resolução de tão momentoso assunto. Para tanto é indispensável o “ímpeto dinamizador”, sugerido no mesmo Estudo.
Nesta expressão, neste conceito, não cabe com certeza a insensatez que representaria a aceitação por parte da Câmara Municipal, do contrato de concessão para a exploração da água mineral natural das Caldas da Rainha, a que corresponde o n.º de cadastro HM-14.
A mesma expressão compreende, isso sim, que a Autarquia prossiga o louvável apoio que, na actualidade, tem vindo a prestar, a fim de que seja possível estabelecer um diagnóstico definitivo dos males que têm afligido o Hospital Termal, de entre eles, naturalmente, aqueles que respeitam aos achados bacteriológicos que repetidamente inviabilizam o seu normal funcionamento. Neste aspecto, é impensável que o conhecimento científico e tecnológico não possa dar o valioso contributo para debelar tão perniciosa situação.
Clarificadas as conjunturas, recuperada a Saúde da Instituição Hospitalar, a Assembleia Municipal e a Câmara Municipal das Caldas da Rainha sairão prestigiadas e o Hospital Termal Rainha D. Leonor readquirirá a sua dignidade enquanto Hospital Central Especializado, integrado no SNS, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com uma regulamentação própria consentânea com a especificidade da sua missão assistencial e, naturalmente, com o contrato de concessão de exploração da Água Mineral Natural atribuído institucionalmente, em 7 de Fevereiro de 1995.
É provável que o que fica escrito, não venha a suscitar qualquer reflexão. Os Autores do Estudo, também sublinharam dúvidas quando fazem referência aos insucessos que têm inviabilizado a concretização das propostas surgidas com o objectivo de dinamizar o Termalismo nas Caldas da Rainha: “alguma tradição nacional sobre Estudos, confirmam a possibilidade do presente Estudo do ISCTE – IUL não ser implementado e ser arquivado”.
Na Sessão Solene que, em 22 de Janeiro de 1985, marcou o início das Comemorações do V Centenário da Fundação do Hospital Termal e das Caldas da Rainha, coube ao Director do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, por dever protocolar, proferir o discurso de abertura, que intitulei, Honrar o passado, perspectivando o futuro. Ao terminar a intervenção, foram feitos apelos, tais como: Projectos parcelares, projecto global, serão só compromissos que não se cumprem?
O proveito destes índices para o progresso da comunidade não é ilusório. Sendo o benefício comum, muitos terão que se comprometer, trabalhando.
Pensar o futuro num País em crise poderá ser frustrante, mas só para quem não acreditar que os objectivos válidos são alcançáveis, com perseverança.
Quem transforma o desejo em realidade? Quando?
Queremos que sejamos todos e a partir de hoje!
No momento actual, poderão existir, obviamente, outras formas de perspectivar o futuro, oxalá que honrando o passado.
No presente contexto, as decisões mais válidas são sobretudo as Vossas, legítimos representantes do Povo das Caldas da Rainha.
Mário Gonçalves
Ex- Director do CHCR
































