A nossa memória colectiva

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Gazeta das Caldas - Paulo Caiado
Paulo Caiado

O maior acervo fotográfico e de memórias escritas dos últimos cem anos da vida das Caldas não está depositado em qualquer edifício público nem faz parte de uma colecção privada. Nem tão pouco está documentado em livros.
Está contido num ficheiro efémero e tão precário que em qualquer segundo podem desaparecer no éter os milhares de pequenos testemunhos escritos e fotográficos, registos de memórias, conjugação de vivências, estórias vividas ou transmitidas por via oral de geração em geração.
Todos os anos perdemos algumas dessas testemunhas vivas que assistiram e podem reportar os factos, que nos podem transmitir a sua visão e versão dos acontecimentos, a sua narração de pitorescos episódios, a descrição de pessoas da cidade, a descrição dos locais. No espaço de uma geração iremos perder todos os que nos poderiam contar um pouco da história vivida da nossa cidade e com eles iremos perder a memória das coisas, dos lugares, das pessoas. Não saberemos quem dá o nome a uma rua, a razão do nome daquele local, o que eram os ardinas e que havia uma família deles na nossa cidade, que o Henrique Ardina para poder troçar com a PIDE anunciava os jornais com o seu pregão “Olhó Lisboa, Capital, República, Popular.” Não conheceremos a fachada e a volumetria dos prédios que ficavam na Praça da República antes do atentado que foi a autorização de construção dos dois mamarrachos que descaracterizaram a nossa sala de visitas. Não conheceremos os belos chalets que existiam na Cerca Ferrari que ia da Rua Sebastião de Lima até ao Matadouro, um dos quais de tão belo e nobre, foi local de hospedagem de El-Rei D.Carlos e onde eu ia jogar ping-pong quando criança.
Não os conhecemos porque foram deitados abaixo para construírem o Bairro Azul anos antes da lei de preservação do património histórico. Porque em Portugal é preciso serem escritas leis para as pessoas ganharem sensibilidade às artes, à cultura, ao ambiente, à preservação da memória histórica. O que seriam dos autarcas sem as leis!
Toda essa memória disposta em fotos e escritos estão num local público, de acesso a todos e a cada dia que passa está a perder-se. A cada dia que passa os registos mais antigos, aqueles que foram colocados há anos passaram a ficar inacessíveis e é tempo de fazermos algo para que determos essa marcha e podermos recuperar tudo o que possa ser recuperado.
O maior acervo de memórias escritas e fotográficas de Caldas da Rainha e dos caldenses está colocado numa página/Grupo do Facebook intitulada “Alegria na Rua”, e é fruto da iniciativa de Carlos Colaço, um caldense a quem a cidade já muito deve pelo facto de ter feito o que mais ninguém, entidade pública ou privada, fez. A ele se deve a criação dessa sede de reposição de memórias, da sua promoção, da sua dinamização enquanto não encontrou a adesão devida pelos caldenses ou nos períodos em que estes pareciam estar menos sensibilizados.
Mas há uma razão para esta crónica para além de exaltar o serviço público que graciosamente tem prestado Carlos Colaço à nossa comunidade, é que realmente os testemunhos, os posts mais antigos estão a ficar inacessíveis à consulta e não sei mesmo se a empresa Facebook não acabará por os deletar nas limpezas periódicas dos seus servidores.
E daqui faço um apelo à autarquia, porque só esta tem autoridade para efectuar tal pedido à multinacional norteamericana, para que os ficheiros completos da página “Alegria na Rua”, sejam transferidos para a nossa cidade onde uma equipa de estudo poderia filtrar a informação e conjugá-la por forma a dar ordem e relevância a toda aquela informação que foi sendo prestada pelos nossos concidadãos. Amanhã já poderá ser tarde.

Paulo Caiado
prcaiado@gmail.com

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