«A mulher do legionário» de Carlos Vale Ferraz

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Editora: Casa das Letras, Capa: Neusa Dias, Revisão: Ayala Monteiro

Depois da estreia com «Nó cego» (1982) Carlos Vale Ferraz (n.1946) vê publicado o seu nono livro de ficção, este «A mulher do legionário». A pedra angular da narrativa é Fernanda, filha de Eduardo Lobo, um homem sobre cujo suicídio os amigos desconfiam: «não se ia embora sem nos dar conta das razões, sem se despedir da filha, dos amigos». O casamento de Fernanda com Augusto Torres levou a criada Rosa a advertir: «O seu casamento, menina, começou com uma falsidade dele!» mas toda a narrativa surge na voz da irmã Maria de São José, dando razão a quem no romance reclama a força das mulheres: «As mulheres não querem esta guerra e não há primeiro-ministro que consiga convencê-las».
Neste livro, escrito a partir das grandes interrogações sociais («o que é a vida, o que é a morte, o que é o tempo») os sucessivos retratos dos actores são, de facto, da sociedade a que pertencem. É nela que percebem as expectativas («Ninguém nasceu para preencher as expectativas dos outros») mas também a injustiça («só temos uma vida e não a podemos viver como julgamos ter direito») ou ainda a verdade: «A verdade não é obrigatoriamente uma coisa boa. Pelo menos pode não trazer notícias agradáveis».
Aqui os portugueses («nunca se regeram pela razão mas pela lógica») continuam a ser os mesmos: «vamos em peregrinação aos santuários pedir a uma divindade que faça por nós o que devíamos ser nós a fazer». Mesmo os artistas e as suas vanguardas são diferentes: «para Eduardo, António Ferro pertencia àquela geração de jovens, pederastas mais ou menos assumidos, com maior ambição do que talento, qua faziam acrobacias artísticas para fugir ao trabalho, ao estudo e ao cumprimento das regras impostas aos cidadãos comuns».
Para além do fresco enorme do País que somos (1908, 1926, 1939-45, 1974), um pouco como num romance policial, fica a memória de uma mulher que viveu a morte do pai, da mãe, do filho e do neto mas sempre a lembrar o marido, o legionário: «Conheci o Augusto num sábado de seca e de gafanhotos! Vinha do colégio, estava a chegar a casa e encontrei um homem dez anos mais velho do que eu, um sedutor experiente. Ele pertencia ao grupo dos impostores, dos que representam papéis que não são os deles!»

José do Carmo Francisco

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