A viragem para um novo ano traz consigo, habitualmente, um olhar sobre o que fizemos, o que conseguimos e o que queremos fazer. É neste contexto que surge este artigo, com a finalidade de apresentar um conjunto de questões, porventura problemáticas, sobre as Caldas da Rainha.
Comunicações
Passados 124 anos vamos ficar com menos um canal de comunicação e de transporte. Lamentavelmente também por isso ficaremos mais pobres, como se não bastasse a conjuntura económica que vivemos. Existimos como localidade e temos vários exemplos de desenvolvimento urbano e rural, embora aparentemente desarticulados. Temos também bastantes representações individuais ou em grupo na política, na ciência, no desporto, na educação, nas artes, na saúde ou em outras áreas, mas Caldas vai perdendo alguma da identidade que outras gerações souberam e conseguiram criar e manter. Essa identidade é hoje limitada sobretudo pelo estado geral em que se encontra a nossa cidade e também é conferida pelos indicadores que nos situam, por aquilo que diz onde estamos, pelas marcas que fazemos. Refiro-me a uma certa desorganização do tecido urbano, a uma aparente falta de planeamento das obras, a um descuido da rua, das casas e sobretudo a uma falta de respeito pelo espaço público que custa ver na cidade de Caldas, sobretudo para quem aqui nasceu, vive ou tem raízes.
Esta perda de identidade é o resultado de desenvolvimento urbano, para aqueles que o promoveram direta ou indiretamente; é uma consequência da educação de hoje, dizem aqueles que já pouco podem fazer; é um indicador de sucesso, para aqueles que apenas valorizam o (betão) que se vê; é uma fase de transição, dizem aqueles que não se querem preocupar e acreditam não valer a pena fazê-lo; é algo que está mal e precisa ser mudado, dizem aqueles a quem chamam do contra. Pois seja tudo isso.
O nosso lugar
A nossa identidade também é conferida pelos indicadores que nos situam, por aquilo que diz onde estamos ou pelas marcas que fazemos. Não deixa de ser curioso, apesar de simbólico, que quem viaje na A8, de Leiria para sul, ou de Lisboa para norte, não tem indicações de Caldas da Rainha e apenas uma placa de sinalização menciona a distância a que se encontra a nossa cidade, para quem viaja de Lisboa. Sendo verdade que a rede de estradas será a única via que nos vai servir, quem visitar a região e vier pela autoestrada necessitará de um GPS para ver a distância da saída para Caldas, caso contrário vindo de norte apenas tem indicações para Óbidos, Peniche, Torres Vedras, ou vindo de sul, para a Nazaré, Alcobaça, Porto de Mós, Marinha Grande, etc.
Ao perdermos a ligação a norte perde-se-á também uma marca, uma estação de Caldas da Rainha. São de assinalar os esforços realizados por algumas entidades e sobretudo pela autarquia no sentido de reagir a esta medida da REFER e gostaríamos que os dados do estudo encomendado pela Câmara, apesar das dificuldades na recolha de dados, permitam sustentar a manutenção do troço, revelando a existência de clientes para a ligação a Coimbra (Público, 21/12/2011). Será contudo escusado discutir hoje como deixámos perder a linha, perante uma estratégia global orientada para o consumo, para o uso do automóvel em detrimento do transporte público e sobretudo para o desenvolvimento de negócios associados à indústria petrolífera, às grandes construtoras de estradas e às transportadoras. A ação da Câmara nesta situação mostra, todavia, que a localidade e o modo como a vemos e defendemos pode contribuir para a redefinição de uma estratégia nacional que é errada. Por isso é importante que marquemos também a nossa posição em relação ao local em que habitamos e são vários os contributos que têm vindo a ser feitos neste jornal e aos quais me associo com esta reflexão.
Marca
A questão da criação de marcas locais ou de uma marca local parece ser uma ideia com importância. Percebemo-lo em alguns artigos de imprensa escrita, em referência ao que outros concelhos vizinhos vão fazendo, ouvimo-lo em determinados espaços de influência e de decisão. Parece-me muito interessante a ideia, sobretudo se constituir uma forma de promover a localidade, o concelho, e favorecer a vida das pessoas que nele habitam. Desconheço todavia se esta medida, por si e isoladamente, constituirá de facto um factor de desenvolvimento. Parece-me necessário ver a ideia com alguma contextualização, pese embora a sua bondade.
O que é uma marca? Segundo o dicionário, uma marca é um nome feminino, que significa um sinal que serve para distinguir de outros ou servir de referência; um traço distintivo de algo; um limite, uma fronteira. É um resultado alcançado, um ponto, no contexto de certas competições. Uma marca registada associa os produtos ao seu fabricante e reserva-lhe a exclusividade.
Criar uma marca registada passa portanto por criar as condições necessárias à definição dessa referência. A cidade pode ser uma marca e não é preciso deslocarmo-nos muito para o perceber. Caldas precisa todavia de ir mais longe como cidade, mas eis algumas das nossas características atuais, a nossa marca.
Passear
Na cidade de Caldas existem atualmente alguns espaços urbanos bastante agradáveis, com destaque para o Parque D. Carlos I, a Mata, a zona dos Museus junto ao Avenal, o Centro Cultural de Congressos e os novos recintos desportivos. O resto está cheio de automóveis. Excluindo as noites soalheiras do Verão e algumas da Primavera, as ruas à noite estão desertas, com muito pouca iluminação e sem espaços que convidem à saída, parecendo pouco seguras. E tristes.
A cidade, e o concelho globalmente, apresentam hoje um crescimento aparente, sobretudo em termos de quantidade. De acordo com os Censos, em 2001 a população residente no concelho era de 48846 pessoas, organizadas em 18285 famílias (média de 2,7 pessoas por família) e existiam 25886 alojamentos, distribuídos por 16561 edifícios. Ainda segundo os Censos, dados ainda provisórios, em 2011 aumentámos para 51729 pessoas no concelho (+ 2883), distribuídas por 20600 famílias (+ 2315 famílias, média diminui para 2,5 pessoas por família) e existem hoje 31062 alojamentos (+ 5176), distribuídos por 19202 edifícios (+ 2641). A interpretação destes números carece de um estudo mais detalhado, que deixo para outras leituras, até porque se referem a todo o concelho. Destaco apenas aqui a diferença de evolução do número de famílias (+ 2315) e do número de alojamentos (+ 5176, superior ao dobro do número de famílias) nestes dez anos, cujo resultado se pode associar ao problema da construção desmesurada e não estrategicamente planeada, problema comum a outros municípios como refere a imprensa, e que no caso da cidade de Caldas tem consequências visíveis para quem passeie por toda a cidade e observe as construções, o pavimento, as obras e os espaços de circulação.
Excluindo a zona mais cuidada, a cidade de Caldas está hoje desfigurada.
Há novos prédios concluídos, prédios novos em construção e prédios por concluir. Há também prédios aparentemente abandonados, sem qualquer manutenção, que vão tornando as ruas cada vez menos atraentes, sobretudo à noite, em conjunto com urbanizações iniciadas ou mesmo concluídas que, não obstante o uso de nomes apelativos, se vão tornando no todo ou em parte autênticos baldios.
Basta afastarmo-nos um pouco da Rua Heróis da Grande Guerra, da Praça da República ou das Avenidas 1º de Maio ou da Independência Nacional, para encontrarmos vários exemplos de prédios e espaços totalmente degradados. Apesar de alguns esforços de reconstrução notáveis, é lamentável o estado de muitos dos imóveis da Rua General Queiróz ou da Rua dos Artistas, por exemplo. Sabemos quantos são estes prédios? O que lhes é possível fazer?
A Rua Heróis da Grande Guerra foi fechada ao trânsito, para criar uma zona pedonal no centro da Cidade. Esta foi uma obra positiva, dando sequência à criação do estacionamento na Praça 5 de Outubro, agora com outro planeamento, mas não foi acautelada a utilização desta rua pelos mais velhos, que são porventura aqueles que mais circulam nesta rua ao longo dos dias. Refiro-me a uma escolha de paralelos em granito irregular, não polido, para a via central da rua; a uma colocação de candeeiros finos num nos dois corredores de laje lisa existentes, que são os espaços mais procurados por quem tem já a vista cansada e os pés menos flexíveis. Estes corredores podem servir para manter as pessoas afastadas da via central, de passagem do Toma, mas então não se compreende porque não serão mais largos e porque ali foram colocados os candeeiros. Pergunto de quem terá sido a ideia… é provável que deixe marcas.
Cuidar
As ruas de circulação automóvel da cidade estão na sua maioria degradadas e não se compreende que uma autarquia as deixe chegar a este ponto. Há obras permanentemente, de há cerca de 12 anos a esta parte, seguindo as diferentes agendas das empresas de telecomunicações, do gás, da eletricidade, etc. Os buracos que são feitos nem sempre são tapados de imediato e quando isso acontece são por regra mal executados, deixando marcas na rua, no passeio. Na estrada, onde antes o asfalto era plano e liso, passa a estar uma lomba ou um buraco mais pequeno. E a calçada, antes plana, batida e consolidada no pó de pedra, transforma-se numa superfície ondulada, unida muitas vezes com areia, cujas pedras ao fim de algumas passagens se vão soltando. Parece-me inaceitável que estas reparações, sejam elas realizadas pela autarquia ou por outras entidades tenham este resultado, revelando uma inaptidão de execução técnica de quem a faz e de fiscalização por parte de autarquia. Esta falta de rigor e de fiscalização custa caro aos contribuintes, direta e indiretamente, seja pelos acréscimo de encargos de uma nova reparação, seja pela imagem que fornece da cidade a quem a frui diariamente ou a quer visitar. Aqui, remeto para alguns exemplos: o estado do pavimento da Rua Prof. José Lalanda Ribeiro na urbanização junto à fábrica dos Hortas, da Rua Sangreman Henriques, da Rua 31 de Janeiro e da Rua Leonel Sotto Mayor (a parte da antiga entrada para a Escola Comercial, acesso principal de muitas ambulâncias ao Hospital), a Rua Almirante Gago Coutinho, rua esta que após as obras na Escola Bordalo Pinheiro está num estado inqualificável, a Rua da Praça de Touros onde se contabilizam 12 cortes no asfalto com as correspondentes lombas ou buracos. E os passeios têm muitas armadilhas por não serem nivelados.
Depois há a invasão de propriedade alheia a que algumas pessoas teimam em chamar arte e que vem dar às Caldas um ar aparentemente mais urbano, mas sobretudo mais sujo. A arte como manifestação deveria ser algo mais que uma assinatura e não existe justificação para que a mera expressão criativa tenha que traduzir-se em prejuízo material e muitas vezes estético para quem vive num prédio, é seu proprietário ou circula numa cidade. A pintura das caras dos prédios pode até ser criativa, e servir para tapar muitas vezes uma degradação para a qual não há dinheiro, e não vai haver, para consertar. Seria uma boa forma de canalizar determinadas energias, mas para isso é preciso haver consentimento dos proprietários, sendo necessária outra arte e conhecer o que se faz pelo mundo fora nesta interessante área. Num encontro casual com empresários do Cartaxo, questionaram-me, admirados, sobre o motivo de muitos prédios das Caldas estarem neste estado, todos marcados, se não havia policiamento das ruas. Não lhes dei uma resposta porque não a tenho. Alguém tem?
A nossa marca atual inclui ainda outros tesouros. Temos sanitários para cães. Alguns são utilizados, mas aparentemente não chegam, pois há alguns caldenses que têm cães e fazem das ruas pedonais e das outras um sanitário global, para onde transportam os seus animais de estimação diariamente, para fazer as necessidades e alguns, porque não apanham, ali deixam a marca de estima que têm pelo que é público, pelo que é de todos e serve de cartão de visita para os de fora. As ruas de Caldas são também um cinzeiro imenso, agora que apenas se fuma na rua. Dois casos a merecer uma (nova) solução, redobrando os esforços já realizados pelas Juntas de Freguesia da sede do município.
Deixo aqui o exemplo da Ericeira, onde estive recentemente. As casas desta terra estão impecáveis, mantendo a traça, na sua grande maioria. Curiosamente, as ruas estão limpas e existem cinzeiros que são mesmo utilizados (com um agradecimento inscrito em nome da Junta de Freguesia, note-se). Não existem no centro casas com graffitis (não sei como mas afinal é possível e comum) e também não existem dejectos de cão pela calçada (há uns dispensadores de sacos que não foram vandalizados, têm sacos e aparentam ter algum tempo), calçada que é lisa além de limpa, permitindo a quem visita a Ericeira apreciar o que a localidade tem para oferecer sem distrações resultantes de uma falta de cidadania atroz. Bom, é verdade que visitei a Ericeira em Outubro e será admissível pensar que em pleno verão possa ser diferente. Sim, mas é em todo o ano em que temos de pensar e estas condições chamam as pessoas e fazem-nas sentir bem e querer voltar. Este é sem dúvida um bom exemplo. Vamos perguntar como fazem?
Promover e divulgar
Recentemente uma notícia do Público (Fugas, 8 de Outubro) divulga a existência de um roteiro turístico para os utentes da Linha Verde do Toma (a nossa rede de transportes do centro urbano). O produto, da responsabilidade da firma caldense Makewise, terá sido desenvolvido a partir de um roteiro definido por alunos de Turismo da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro e será posteriormente alargado às outras linhas. Esta é uma iniciativa bastante interessante para quem use o Toma, convidando a visitar a cidade. A medida é também importante por mostrar que é possível ligar a escola à cidade e por esse motivo dar mais significado ao trabalho dos alunos, mesmo que fora do contexto de um projeto educativo concelhio cuja existência, aliás, se desconhece. Não chega e é ineficaz se desenquadrada de uma iniciativa mais alargada que, diga-se, se faz tarde, e já foi alvo de várias promessas eleitorais: a de definir e publicitar roteiros de visita da cidade; roteiros que podem ser inclusivamente temáticos e que não podem ser dissociados de uma correspondente sinalética nas ruas e, mais importante, da elaboração de um mapa da cidade que não é atualizado há cerca de vinte anos. De pouco servirá informar o que se pode visitar sem se poder conhecer o percurso e identificar o itinerário que se vai percorrendo. A menos que também para visitar a cidade a pé seja necessário o GPS.
São vários os grupos de estrangeiros que nos visitam e que encontramos a vaguear pela cidade, à procura de indicações que não existem.
Unir esforços e educar
Temos muitos recursos hoje: uma Escola de Hotelaria e Turismo do Oeste, desde 2007, a Escola Superior de Artes e Design, desde 1990, a Escola Técnica Empresarial do Oeste, que surgiu em 1990 em resultado do esforço da autarquia e de outras entidades locais; a Universidade Sénior Rainha D. Leonor, o Centro de Formação de Escolas Drª Deolinda Ribeiro, a Escola de Sargentos do Exército, a Infancoop, o Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor, uma rede estabelecimentos de ensino, composto por de escolas do ensino pré-escolar, do básico e do ensino secundário, publicos e privados. Podemos mobilizar todos estes recursos e outros em conjunto mas não chegará se todos os caldenses não aderirem a uma outra visão do espaço público da cidade.
Falta abrir uma ligação direta na página da Câmara Municipal para toda a informação dedicada à educação, o que não existe (ao contrário do que se verifica nas páginas de Alenquer, Mafra, Lourinhã, Arruda dos Vinhos, Peniche, Óbidos, Nazaré, Sobral de Monte Agraço, Cadaval, Bombarral). A disponibilização online da carta educativa do concelho é uma medida necessária para que seja possível pensar em desenvolver iniciativas conjuntas em torno de um pilar de desenvolvimento como a educação. De outro modo, este pilar continuará a ser edificado independentemente sem se perceber como e para quê. Agora mais que nunca há oportunidades a aproveitar por todos estes recursos e isto não tem que traduzir-se em gasto de dinheiro, mas numa atribuição de um significado comum ao trabalho destas instituições, desde que interessadas e disponíveis. Note-se que o Turismo também é uma área que não tem destaque na página da Internet da Câmara Municipal de Caldas. Se compreendermos a importância que hoje tem este canal de comunicação, percebemos que aqui também a nossa marca fica a perder.
Penso ser útil desenhar um projeto que envolva as atividades das escolas, o comércio, a indústria e as várias instituições, orientado para a promoção da cidadania e do desenvolvimento do Concelho, tendo em vista a preservação de espaços, o crescimento global e o progresso global da cidade e sobretudo a nível turístico. Para isso é necessária uma concertação que torne possível, e não impeditivas, diversas iniciativas, entre as quais: a definição roteiros turísticos (já iniciados); a criação de uma sinalética original e adequada a esses roteiros, com a correspondente divulgação nos media e na internet; a elaboração de um novo e atualizado mapa da Cidade e do Concelho; uma evolução para eventos gastronómicos de natureza diferente, para além dos que são já realizados; o desenvolvimento, pelas várias escolas e pelos gabinetes de formação, porque não, de uma carta de princípios para a preservação da cidade, envolvendo a comunidade na conscientização da sua responsabilidade e do seu papel individual e coletivo nesse processo; o enquadramento das funções do Centro de Emprego e da sua bolsa em iniciativas associadas a esta preservação; uma intervenção assertiva de quem de direito para devolver às Termas a dignidade e o relevo merecidos; uma disponibilidade de todos os caldenses para intervir.
Parece-me que uma marca Caldas apenas resultará se paralelamente reunirmos esforços num projeto comum para o Concelho e para a Cidade, mobilizados por ideias e propósitos partilhados e discutidos, acima das influências políticas que colocam as pessoas de costas voltadas e com olhares “obrigados” a divergir sobre algo pelo qual todos temos responsabilidade, sejamos empregados, desempregados, reformados, empregadores ou empresários por conta própria, empregadores de maior ou menor dimensão. Falo de uma cidadania responsável, de vozes transparentes, ativas e assíduas na intervenção. Os tempos que vivemos agora vão inexoravelmente virar a atenção para a qualidade e será por esse traço distintivo que poderemos marcar a diferença. Precisamos fazer mais com muito menos. Chamar a esta nossa cidade “capital do comércio” será em breve um rótulo desgastado e porventura falso se não tornarmos as Caldas num lugar realmente convidativo à visita, ao passeio, a uma fruição de espaços organizada, acessível, inclusiva e criativa.
Criar um cartão de cidade para Caldas, uma marca, pode bem emergir do desenvolvimento das ações necessárias para que lhe possamos chamar uma Cidade Arranjada, Limpa, Desejável, Aprazível e Segura.
Paulo Nobre
02 de janeiro de 2012
































