A escola: uma realidade distópica

0
505

Celeste Afonso
diretora cultural executiva

Ser professor, hoje, é um desafio. Ser professor, hoje, na área das humanidades é uma causa.
Nos últimos tempos, as humanidades têm sido desvalorizadas e os projectos educativos centraram-se na economia em detrimento dos cidadãos.
No Ano Internacional do Entendimento Global (2016) fiz parte da Comissão Nacional e, desde então, tenho o privilégio de acompanhar o trabalho do Professor Luís Oosterbeek, Presidente do Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas, e a promoção da colaboração entre as ciências e as humanidades. Foi nesse âmbito que conheci o pensamento de Martha C. Nussbaum e o seu livro “Sem Fins Lucrativos – Porque precisa a democracia das humanidades?”. Nestes últimos dias, tenho pensado muito nas suas palavras.
Quando os jovens recusam ler Fernando Pessoa, José Saramago ou Pe. António Vieira, ouvir um concerto barroco ou apreciar a obra de Picasso porque estão em áreas científicas ou profissionais, percebemos a falência do sistema educativo que se pauta pela racionalidade técnica para atender à lógica de mercado. A “formação integral do aluno”, que surge em todos os normativos, tornou-se um chavão e alunos, encarregados de educação e até professores questionam o aspecto utilitário dos conteúdos que figuram nos programas. O que ressalta deste panorama (distópico) é a consequente erosão das qualidades essenciais para a democracia. Como Nussbaum advertia, se a tendência se mantiver, a curto prazo estaremos a produzir gerações de máquinas úteis em vez de cidadãos completos capazes de pensar por si próprios e de perceber o significado do sofrimento e conquistas dos outros.
Perante a realidade (distópica) das nossas escolas urge inverter práticas e mudar mentalidades. A inércia conduzirá ao colapso das democracias, o que já é evidente nos números da abstenção aquando dos actos eleitorais, no crescimento de partidos e movimentos extremistas e na ausência de referências. Continuar a desvalorizar as humanidades é comprometer a cidadania empenhada e crítica. Na verdade, dispor de uma série de factos e não ser capaz de os compreender e avaliar, é pouco mais do que ignorância – condição para o florescimento dos totalitarismos.
Tal como defendemos em 2016, não está em causa a desvalorização da ciência ou da economia a favor das humanidades. O que defendo ainda hoje (e cada vez mais) é que as ciências sejam insufladas pelo espírito das humanidades através do pensamento crítico, da imaginação desafiadora, da empatia e compreensão da complexidade do mundo.■

- publicidade -