Li atentamente a entrevista com o Dr. José Benoliel, presidente da CP, por vós publicada em 3 de Setembro p.p.. É realmente uma entrevista extremamente informativa e sintomática do desprezo a que a CP vota o tráfego regional no eixo Malveira – Torres Vedras – Bombarral – Caldas da Rainha – Marinha Grande – Leiria – Figueira da Foz. É muito certo e estou plenamente de acordo que a linha, na forma como existe e com o traçado actual, não é minimamente atractiva para os serviços rápidos entre o Oeste e Lisboa.
Mas já o mesmo não assumo como verdadeiro para a mobilidade interior da linha, os serviços regionais ligando os diversos povoados atravessados com os pólos atractores e geradores de passageiros, ou seja, Malveira, Torres Vedras, Bombarral, Caldas da Rainha, São Martinho do Porto e Leiria. Este mesmo desprezo foi notório durante o Verão que agora termina e que, aliás, à injuria do desprezo juntou o insulto duma campanha de marketing apelando aos banhistas para que usassem o comboio nas suas deslocações à praia de São Martinho do Porto… sendo os serviços promocionados deploráveis dados os tempos de viagem a que obrigam e conforme teve a Gazeta oportunidade de analisar.
A desculpa do irregular espaçamento entre estações como justificação para a impossibilidade de aumento de comboios também muito dificilmente poderá ser acolhida. Mormente quando assistimos ao encerramento de estações que uniformizavam precisamente esse espaçamento como sejam os casos de São Mamede, Óbidos e Guia.
Atentando aos casos de São Mamede e Óbidos, tomemos as distâncias entre estações desde Torres Vedras a Caldas da Raínha: Torres Vedras (7,1km) Ramalhal (6,9km) Outeiro (9,1km) Bombarral (7,1km) São Mamede (5,2km) Óbidos (5,4km) Caldas da Rainha. Ou seja, com o encerramento e passagem das estações de São Mamede e Óbidos a apeadeiros eliminou-se uma razoavel regularidade entre as estações desde Torres Vedras às Caldas da Rainha criando-se um cantão totalmente desnecessário com 17,7km entre Bombarral e Caldas. Criou-se desta forma um limitador para a capacidade da linha do Oeste a sul das Caldas da Rainha.
Estou com isto a advogar o permanente guarnecimento de todas estas estações? Não. Estou, outrossim, a advogar que deveriam ter sido mantidas como estações o que permitiria manter a flexibilidade de as guarnecer sempre e quando necessário. Em não sendo necessário, pois manter-se-iam sem interferência na circulação pelo período que fosse necessário. A manutenção de quatro agulhas manuais (duas em Óbidos e duas em São Mamede) e quatro sinais mecânicos não iria certamente ser fardo incomportável para a Refer. Quanto à limitação a 80km/h requerida regulamentarmente à passagem por elas (e que, de resto, apenas afecta os serviços sem paragem, não os regionais que nelas tenham que parar), esteja a estação em serviço ou não, resolve-se imobilizando e eclipsando as agulhas quando fosse previsível o seu não guarnecimento por períodos de vários meses. É, aliás, esta possibilidade de previsão a 12 meses um dos benefícios da actual organização do sector ferroviário que obriga os operadores a apresentar os seus pedidos de capacidade num horizonte anual.
Por outro lado, alguma vez a CP se deu ao trabalho de estudar devidamente a mobilidade na linha do Oeste? De onde, para onde, em que horas, que pessoas? Estou em crer que sim por notícias vindas a lume na imprensa, há uns anos, sobre um estudo de mobilidade na área de influência da linha do Oeste. Mas das conclusões desse estudo nunca nada se soube e, parece-me, seria importante saber. E, claro, que a CP agisse em conformidade.
Ao mesmo tempo que expresso todo o acima exposto, mantenho-me perfeitamente ciente de que o serviço regional é fonte de imensos prejuízos para a CP dada a sua baixíssima taxa de cobertura operacional. Mas não deixa de ser identicamente verdade, mormente em eixos com elevada mobilidade como é o caso da região Oeste, que a transferência modal para a ferrovia permite ganhos indirectos de monta em termos ambientais, de tempo poupado em deslocações, sinistralidade rodoviária, dispensabilidade de aumento e alargamento de infraestruturas rodoviárias em geral, etc. Sabemos todos que – e ao contrário do que é regra em todo o resto da Europa – a operadora ferroviária não recebe contrapartidas pela prestação do serviço regional pese embora os benefícios indirectos que a sua existência permite. Daqui que fico com duas questões relativas à entrevista publicada. Primeiro, o que fez o Conselho de Administração presidido pelo Dr. Benoliel para pressionar o actual governo a contractualizar o serviço público com a CP permitindo-lhe receber uma parte dos fundos correspondentes aos beneficios indirectos gerados pela ferrovia? E a segunda questão, dada esta não compensação da CP e sendo certo que a não aposta no serviço regional é culpa da CP e também do Governo ao asfixiar a empresa, qual a percentagem de culpa de cada um destes intervenientes na cadeia de transportes no não uso dum meio de transporte mais ecológico, económico e, em geral, benéfico, como é o caminho de ferro?
































