A Educação tem futuro, sendo que o futuro é já hoje

0
505

Nicolau Borges
professor

Em 2019, a UNESCO lançou a iniciativa “Os Futuros da Educação”, com o objetivo de refletir sobre como o conhecimento e a aprendizagem podem moldar o futuro da humanidade e do planeta. Para isso, a UNESCO criou uma Comissão Internacional sobre os “Futuros da Educação”, constituída por 26 especialistas de diferentes países, de diversas áreas de ação política e conhecimento científico, comissão essa presidida pela líder etíope Sahle-Work Zewde.
Dois anos depois, em 2021, essa Comissão publicou o relatório “Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação”, que apresenta uma visão abrangente e inspiradora sobre os desafios e as oportunidades para a educação no contexto atual de mudanças sociais, ambientais e tecnológicas. O relatório propõe quatro princípios orientadores para um novo contrato social para a educação:
Solidariedade: reconhecer que somos parte de uma comunidade global interdependente e que devemos agir coletivamente para enfrentar os problemas comuns da humanidade, como as desigualdades, as injustiças, as violências e as ameaças ao meio ambiente.
Diversidade: valorizar e respeitar as diferenças culturais, linguísticas, religiosas, étnicas, de gênero, de orientação sexual e de capacidades entre as pessoas, e promover o diálogo intercultural e o pluralismo epistemológico como fontes de enriquecimento mútuo.
Bem-estar: garantir que todas as pessoas tenham acesso aos direitos humanos fundamentais, como a saúde, a alimentação, a moradia, a segurança, a educação e a cultura, e que possam desenvolver plenamente suas potencialidades físicas, mentais, emocionais e espirituais.
Liberdade: assegurar que todas as pessoas possam exercer sua autonomia, sua criatividade, sua crítica e sua participação na vida pública, sem medo de opressão, censura ou violação de sua dignidade.
O relatório também sugere algumas recomendações práticas para implementar esses princípios na educação, tais como:
Ampliar o conceito de educação para além da escola formal e reconhecer as diversas formas de aprendizagem ao longo da vida, em diferentes contextos e com diferentes agentes educativos;
Fortalecer o papel dos professores como profissionais reflexivos, colaborativos e comprometidos com os valores éticos e democráticos da educação;
Desenvolver currículos flexíveis, interdisciplinares e transversais, que integrem os saberes locais e globais, as competências sócio emocionais e digitais, e os temas emergentes como a sustentabilidade, os direitos humanos, a cidadania global e a diversidade cultural;
Promover metodologias ativas, participativas e dialógicas de ensino e aprendizagem, que estimulem o protagonismo dos estudantes, a cooperação entre pares, o pensamento crítico e criativo, e a resolução de problemas reais;
Utilizar as tecnologias digitais como recursos pedagógicos que ampliem as possibilidades de acesso, comunicação, colaboração e criação de conhecimento na educação;
Estabelecer parcerias entre os diferentes setores da sociedade (governos, organizações internacionais, sociedade civil, academia, media etc.) para apoiar financeira e politicamente a educação como um bem público comum.
A escola do futuro, segundo a UNESCO, é uma escola que se adapta às mudanças do mundo e que contribui para transformá-lo em um lugar mais justo, pacífico e sustentável. É uma escola que reconhece a diversidade dos sujeitos educativos e dos contextos educacionais. É uma escola que valoriza o conhecimento como um processo coletivo e dialógico, que envolve diferentes saberes e culturas. É uma escola que promove a aprendizagem como um projeto de vida, que visa o desenvolvimento integral das pessoas e da sociedade. É uma escola que se abre para o mundo e que se conecta com as outras escolas, com as famílias, com as comunidades e com os demais atores sociais. É uma escola que assume seu papel de agente de mudança social e de construção de um novo contrato social para a educação.
O sistema educativo português, nos últimos 30 anos, configura-se como um sistema em crise crônica, com ações reformistas caracterizadas por políticas educativas miméticas, improvisos precipitados e remedeios inconsequentes, contribuindo, desse modo, para a configuração de instabilidades, ora socioprofissionais, ora de caráter organizacional, curricular, e outras.
Ao contrário do que “alguns” anunciam, a Educação tem futuro, sendo que o futuro é já hoje, desmentindo-se categoricamente que esse futuro passa pelo digital, pela inteligência artificial, ou por outras soluções que menorizam a ação dos professores e das comunidades e territórios educativos. A Educação(Pública) tem um futuro cada vez mais desafiante e estimulante que passa pela construção de novos ambientes educativos, pela autonomia das escolas potenciadora de trabalho, criatividade e inclusão.
Na realidade, a tecnologia não tem o monopólio do futuro, constatando-se que, ao invés, as tecnologias criam mais problemas do que aqueles que resolvem, requerendo-se a intervenção e participação mais ativa, mais autónoma, das comunidades educativas, menos reativa e mais apoiada pelas políticas educativas.
Na verdade, como refere António Nóvoa, a Escola não é um serviço, a Escola é uma Instituição. Talvez a única onde ainda é possível tentar uma sociedade convivial, uma humanidade comum, a qual jamais dispensará os professores. ■

- publicidade -