
Miguel Silvestre
gestor
Nas últimas décadas vivemos num país politicamente entretido em colar cromos à direita e à esquerda, em votar em candidatos a primeiro-ministro quando, de facto, estamos a escolher representantes de círculos eleitorais, surgem academias de quadros para militantes quando a maioria dos eleitores deseja que a política seja um modelo pouco diferente do voluntariado. Deseja-se independência dos políticos e manteve-se um regime bipartidário de poder. O país entreteve-se a dar nomes a coisas que ninguém sabe o que são como a “máquina do Estado” ou o “aparelho do Estado”. São entidades etéreas, mas que servem para tudo. Serão tão importantes que, se calhar, era para elas que deveríamos votar.
Os partidos tradicionais estão pressionados por partidos sem história, ainda soltos da memória e compromissos anteriores, que os pressionam pelos resultados não atingidos e pelo esgotamento de um modelo que não nos arrancou da segunda metade da tabela da União Europeia.
A (legítima) jogada política da geringonça salvou um partido socialista de um penoso caminho, que o poderia conduzir ao destino de tantos países socialistas europeus e hostilizou ainda mais os campos num país dividido. Permitiu também que o terceiro episódio de bancarrota do país não tivesse consequências políticas, a não ser o apontar o dedo a um ex-primeiro-ministro já a problemas com a justiça. Do outro lado, um PSD que assumiu e já não consegue largar o papel de médico intensivista da nação. À esquerda do centro sucedem-se as terapias alternativas, como se o país fosse um laboratório, quando precisa é de terapias testadas.
Numa das novas páginas da caderneta temos o cromo que se vende como raro, mas que é repetido e estafado. Multiplicam-se os colecionadores que o amam como a seguir o odeiam. Exala um bafio histórico, mas agarra-se ao momento para um projeto de poder.
Na caderneta nacional há ainda lugar para uma originalidade. A coerência jurássica de um partido fora de tempo e fora do mundo em que Portugal se insere. Portugal é, de facto, um país especial. Não sei se bem se mal! A existência de um partido liberal é algo invulgar numa democracia do sul da europa. Num país onde nem a revolução liberal conseguiu acabar com o antigo regime, deposita-se a esperança de podermos ser como os primos europeus do norte. Esta ambivalência nacional de querermos ser como os ricos, mesmo que nos sintamos realmente bem junto dos mais pobres é uma caricatura deste país vetusto, onde a resignação batalha com o romantismo dos que querem diferente.
O que me parece evidente é o inútil de falar de voto útil num país onde mais de metade da população não vota. Inútil é não votar. E essa deveria ser a mensagem que todos os partidos deveriam ter, porque é a única que é consensual e que lhes toca a todos. Na caderneta da democracia não deveríamos ter cromos em branco.
































