Crónica do Québec (Canadá) – A crise de Outubro de 1970 e a FLQ

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Há muitos anos num dos jogos de miúdos de que eu mais gostava, e cujo tema era a descoberta de nomes de países começados pelas diversas letras do alfabeto, quando chegava a altura da letra Q, eu escrevia normalmente a palavra, Québec. Não sabia que estava bem perto da verdade, e os meus adversários daqueles jogos de infância não possuiam argumentos para me contradizer. Certamente que já passava os olhos pelos jornais da época, mas não percebia bem o que lá, por entre a censura salazarista, vinha escrito. Alguns anos mais tarde, estando ainda longe de imaginar que toda a minha vida de trabalho seria passada nestas paragens, vivia o Québec o seu período mais negro na época contemporânea, como membro da confederação canadiana.

A 5 de Outubro de 1970 (apenas coincidência com o 5 de Outubro de 1910), a Frente de Libertação do Québec (FLQ) rapta o Delegado Comercial de Inglaterra no Québec, Sr. James Cross, e alguns dias depois a mesma FLQ consegue que o seu manifesto seja lido por um dos seus membros nas ondas da televisão de Rádio Canadá, empresa pública de televisão federal.
Todo este movimento de insatisfação teve a sua origem nas dificeis condições de vida por que passavam os habitantes francófonos da província,  no final dos anos sessenta do século passado. A recessão durava desde 1966. A taxa de desemprego aliada a uma elevada inflacção atingia níveis até aí desconhecidos. O sentimento de insatisfação foi-se alargando à população em geral, e daí o aparecimento da FLQ que pugnava, no interior dum sistema democrático, pelo uso das armas para a obtenção da independência. Beneficiou na altura do facto de se ter descoberto que a polícia federal, a chamada Polícia Montada dos nossos livrinhos da banda desenhada,  tinha infiltrado os locais do Partido Quebecois, que já na altura, e ainda um pouco hoje, visava a independência mas por via democrática.
O movimento de libertação alegando que perdera a confiança nas instituições democráticas entende a partir daí que a violência através da luta armada é a única forma de luta possível. Nos últimos anos da década de sessenta cometem inúmeros crimes violentos, incluindo assaltos a bancos (aqui como aí) , e são responsáveis por várias mortes.
Para fazer face à insurreição, o governo canadiano, sob a égide do primeiro ministro Pierre Trudeau, ordena aos militares federais (as províncias obviamente não têm forças armadas)  que ocupem locais estratégicos na cidade de Montreal. Normalmente nestas situações os chamados de  movimentos de libertação do tipo da FLQ aproveitam a conjuntura, e sentindo algum apoio popular, através duma acção espectacular decidem raptar o ministro provincial do trabalho, Pierre Laporte.  Infelizmente para este, ao tentar escapar, foi abatido pelos seus raptores, tendo o corpo sido encontrado alguns dias mais tarde numa viatura abandonada numa cidade a sul de Montreal.
Para muitos, este foi o golpe final nas aspirações do Québec à independência, pois  o povo entendeu que aqueles que se apresentavam como defensores do bem estar da população e da liberdade, não hesitaram em assassinar um dos membros mais populares do governo da província, e que além de ministro e político era igualmente pai de duas crianças. Os diversos membros da FLQ foram entretanto julgados pelas actividades terroristas e enviados em exílio para diversos países. Como o primeiro ministro federal, Pierre Trudeau (os Americanos apelidavam-no de comunista) tinha boas relações com Fidel Castro, (este esteve presente no funeral de Trudeau há alguns anos)  enviou alguns para a grande ilha cubana que vivia ainda a aurora da revolução castrista. Outros revolucionários partiram para Argel, onde na altura vivia o actual candidato à presidência da república, Manuel Alegre.
Estão ainda vivos vário membros da FLQ  e um deles, Jacques Lanctôt, afirmava  há dias nas ondas da televisão canadiana, que 40 anos depois faria exactamente a mesma coisa, e que, se fosse necessário passar aos actos, isto é, matar, fá-lo-ia de novo. À réplica do entrevistador de que o Québec passara entretanto por dois referendos democráticos, e que a população tinha dito de forma inequívoca que não desejava separar-se da grande nação canadiana, disse que respeitava os resultados dos referendos, mas que a via que ele preconizava não era essa. Como, por vezes sob a máscara de um romantismo aparente, muitos revolucionários são verdadeiros assassinos em potência.

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J.L. Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca

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