Zé Povinho ficou espantado com o desenrolar da política nacional nas últimas quatro ou cinco semanas, depois das eleições de 4 de Outubro, que veio surpreender o observador mais atento.
Nunca nos últimos 40 anos da democracia portuguesa se verificou uma conjugação tão alinhada entre os partidos da esquerda, parecendo apagar em pouco tempo, aquilo que se consolidou em tantos anos de luta política em Portugal.
O Dr. António Costa, com uma carreira política já longa, demonstrou um sangue frio e uma persistência que lhe valeram inúmeros epítetos da coligação de direita, a que se junta a sua controversa estratégia de conquista da liderança depois da pequenina vitória de António José Seguro nas eleições europeias. Contudo, quase contra tudo e todos, levou a sua por diante e soube aproveitar a surpreendente inflexão estratégica do PCP e depois do BE.
Zé Povinho também aprecia aquilo que alguns chamaram da perestroika realizada por Jerónimo de Sousa, que num piscar de olhos inverteu as posições cristalizadas do seu partido nos últimos 40 anos. Foi interessante ver as suas combativas tropas alterarem num ápice a sua estratégia discursiva, face à ameaça da manutenção do governo que nos últimos quatro anos tão firmemente combateu as suas bandeiras.
Finalmente também o BE, representado com mérito por Catarina Martins, saído de uma crise profunda de derrota em derrota, correu para a conquista de uma votação muito considerável, que ultrapassou bastante a da CDU, concretizando com este acordo aquilo que os seus dissidentes e críticos acusavam de fuga às responsabilidades governativas.
Só a conjugação favorável dos astros que deu o resultado eleitoral de 4 de Outubro, permitiu conjugar interesses tão diversos e contraditórios. Zé Povinho teme, para mal dos portugueses, que qualquer dos partidos da esquerda seja atacado pelo síndroma do escorpião que ferrou o sapo que o transportava de uma margem para a outra (porque essa era a sua natureza) e assim acabando por morrer ambos. O tempo será o grande juiz desta conjugação improvável, que por isso pode criar novos futuros na Europa.
Os doutores Pass
os Coelho e Paulo Portas foram os líderes que mostraram mais sofrimento pelo que lhes aconteceu depois das eleições de 4 de Outubro. O frio e calculista do hoje ex-primeiro-ministro, que no m
andato anterior tinha demonstrado uma frieza inaudita, especialmente com o “irrevogável” Dr. Portas, nunca antecipou esta conjugação à esquerda e não esconde o seu desânimo.
Se calhar estava tão convencido que os socialistas nunca ultrapassariam a linha vermelha desenhada por Mário Soares, que depois das eleições não soube articular a estratégia mais convincente.
A experiência ditava maior cuidado com a nova formulação do Parlamento e, antes de tudo, obrigava a uma diplomacia mais cuidada. Se acusou tantas vezes os socialistas de não reconhecerem os erros de governação no mandato de Sócrates, também deveria ter tido o cuidado de inverter o discurso reconhecendo exageros e uma grande auto-suficiência no seu mandato.
Afinal vê voltarem-se contra si algumas das desagradáveis tiradas com que o seu governo brindou os portugueses. Tal como disse dos jovens universitários que tinham que sair da sua zona de conforto, ou dos desempregados que deveriam encontrar nessa situação uma oportunidade, agora é a sua vez de também sair da sua zona de conforto e aproveitar a oportunidade de passar algum tempo nas bancadas da oposição.
Agora os Drs. Passos e Portas vão tentar criar tantos problemas ao governo socialista, que certamente vão produzir o antídoto inverso de consolidação daqueles que sabem que, a falhar esta oportunidade, o futuro pouco lhes reserva.
A presente experiência do governo de esquerda – que ambos involuntariamente ofereceram ao país fruto das políticas ultraliberais que usaram nos últimos quatro anos -. tanto pode ser uma vacina para evitar a sua repetição enquanto houver memória, como uma experiência que frutificará e demonstrará que é possível essa aliança. Em qualquer dos casos, ambos são os perdedores neste Novembro quente de despedida de 2015.


































