No número 2660 da Gazeta das Caldas, de 28 de fevereiro de 1973, é apresentada uma fotografia de César Moreira Baptista, secretário de Estado da Informação e Turismo, falando na entrega dos Prémios Literários e Artísticos.
E, no suplemento “Análise”, são apresentados os resultados de um inquérito a uma amostra
de jovens caldenses sobre as suas preferências musicais. Ora, dois dias antes, Moreira Baptista tinha assistido, na primeira fila do Teatro Maria Matos, à vitória de “Tourada” no Grande Prémio TV da Canção, depois de ter permitido a passagem da canção de acordo com a seleção interna na RTP. E, naquele inquérito, o pop estava no topo das preferências musicais dos jovens caldenses (33%) e o nacional-cançonetismo perdia força (5%). “Tourada” era qualquer coisa que não cabia num género musical específico. Era uma outra coisa!
A letra de Ary satiriza a realidade que quer denunciar, a música satiriza a letra, e Tordo
satirizou ambas. E, porque os tempos assim pediam, cantando o possível, ganharia um passaporte para a Eurovisão, mas a arena desta “Tourada” ficou em Portugal, dado que serviu o movimento de combate que se gerava, não contra as touradas, mas o que anunciava a agonia do Estado Novo.
A “praça da Primavera” chegaria antes do tempo, mas incomodou os espíritos estabelecidos
pelo mesmo tempo que ainda traçava os “caminhos para o futuro” que o presidente do
Conselho, Marcello Caetano, prometera, dias antes, em “Conversas em Família” (15 de janeiro de 1973). Nestas, o problema da política ultramarina e suas incidências nacionais e internacionais foram o tema da comunicação, rejeitando o Governo o desarmamento e o abandono da guerra. Havia portugueses que, pelo contrário, se insurgiam perante a intransigência governamental.
A intervenção pelas palavras musicadas era uma via, pela sátira e crítica bem-disposta
que marcaria o Festival português desse ano – “Em terra de Tordo quem tem Ary é rei”, intitulava a revista Rádio & Televisão (3 de março de 1973). Os autores vencedores formavam uma dupla explosiva… de intervenção.
Na hora de uma porfiada vitória, Fernando Tordo exclamou que a “Tourada” fazia falta:
“Não cantei a pensar no júri. Cantei a pensar em todos vós, em todos nós. É para vocês que eu canto. E no Luxemburgo voltará a ser para os portugueses que eu canto”, abria o Diário Popular a sua primeira página após o festival (27 de fevereiro).
A edição do Festival eurovisivo realizou-se no sábado de 7 de abril, e, no domingo, assisti
com o meu pai ao jogo da Taça da Amizade entre o Caldas e o Peniche (2-0). Curiosamente, ficou-me na memória que o locutor de serviço no Campo da Mata se referiu ao 10.º lugar de “Tourada” no Nouveau Théatre da cidade do Luxemburgo. Eu tinha 7 anos de idade, a memória ficou-me, sabe-se lá porquê. E talvez eu já folheasse as notícias locais. Porém, para este artigo, foi preciso recorrer ao arquivo digital da Gazeta das Caldas.
Em fevereiro e em abril, o periódico caldense em nada se referiu a este “petardo” cantado por Fernando Tordo. Porém, a sua conduta editorial era aberta à informação local e nacional, à crítica construtiva, à cultura através de um interessantíssimo suplemento e – pasme-se – a esta cacha: “As nossas colunas estão abertas a todos os que quiserem escrever-nos, manifestando o seu apoio ou discordando com os nossos artigos.” (28 de fevereiro de 1973, “Análise”, n.º 2, p. 9).
50 anos de “Tourada”
- publicidade -
































