João dos Santos
diretor da ESAD.CR do Politécnico de Leiria
O tempo de co-habitar e de poder fazer escolhas.
“O átrio formiga de gente; vêm e vão, multidão insubstancial, e por toda a parte vagueiam milhares de rumores, falsidades à mistura com verdades, e fazem rebolar conversas confusas. Estes atafulham os ouvidos ociosos com mexericos, aqueles levam aos outros o que ouviram contar, e a invenção cresce de tamanho; cada um junta algo novo ao que ouviu.” Este excerto da descrição do palácio da Fama, ou do Rumor, nas Metamorfoses de Ovídio, ilustra o ambiente informacional atual, onde plataformas ‘sem finalidade’ convivem com os meios de comunicação social livres. Mas, enquanto o palácio de Rumor se situava no cimo da cidadela, as esferas com muitos centros em que a desinformação circula na atualidade situam-se no abismo digital, do espaço povoado por constelações de satélites de comunicações, até ao fundo dos mares, atravessado por cabos transatlânticos à prova de tudo. Este lugar é caraterizado como subterrâneo no conto distópico de E. M. Forster, A Máquina Pára, escrito em 1909, onde a humanidade, habitando isoladamente em células debaixo da terra, serve a Máquina que se esqueceu de ter criado.
A imprensa é livre enquanto tiver poder – em tensão com as Máquinas do tempo e com as paredes de cobre ressoante do palácio da Fama, atualmente com a forma de esferas abissais com centro em cada ‘utilizador’.
“E com o passar do tempo (…) virá uma geração que terá ultrapassado os factos, que terá ultrapassado as impressões, uma geração absolutamente transparente (…), e que verá a Revolução Francesa não como ela aconteceu, nem como eles gostariam que tivesse acontecido, mas como teria acontecido caso tivesse tido lugar nos tempos da Máquina.”
Temos o poder, por sermos livres, de elevar a imprensa ao seu lugar na cidadela. A imprensa, para continuar a ser livre, pode empreender e elevar-se, e, por sua vez, trazer-nos nessa caminhada – utilizadores de plataformas confusas, que tanto promovem o abismo da desinformação como a cultura da liberdade. Para continuarmos a viver à superfície da terra.
Ainda não sigo youtubers, nem influencers e, talvez por isso, não estou bem a par com o mundo. É uma escolha.
A transição digital tem um poder transformador incerto de que a imprensa tem sido um sismógrafo atento. Esperemos que se transforme para ocupar o centro dessa esfera. ■

































