
A sua Autobiografia abre de forma exemplar: «Dos quarenta aos cinquenta limpa-se a casa. Põem-se telhas onde falta, instala-se um novo sistema sentimental e, no jardim das delícias, no passeio depois do jantar, nas madrugadas sem Deus, ouvimos uma voz que nos buzina que dali para a frente a contagem é outra». Entalado entre a esquerda e a direita, entre o neo-realismo e o surrealismo, deu tudo por Portugal sem o deixar de considerar um país estranho: «Sempre implacável para com os seus cidadãos e sempre pronto a aporrinhá-los, era no entanto muito condescendente para com os cretinos». O seu afastamento do leitorado de Português em Londres, decidido por Salazar a partir da leitura das suas «Páginas II», é trágico: «As porcarias, as obscenidades, os palavrões juncam o livro. Explora-se o reles, o ordinário, o palavreado porco não só da língua literária mas do falar corrente» – despachou o ditador.
Ruben A. escreveu um dia: «Estamos longe da Europa, pior longe do Médio Oriente, mais atrasados do que a inércia dos árabes. O problema aqui não tem nada a ver com política, é um problema de inúteis, de incapazes, de sugadores do bem nacional. A coisa atingiu o abuso máximo, ninguém trabalha, ninguém é responsável, pratica-se a inércia como trabalho e passatempo. Está tudo com ferrugem, obsoleto e quando se diz qualquer coisa espetam com um discurso ou com um decreto que ninguém percebe. Estamos subdesenvolvidos de espírito, de acção cívica e humana».
(Editora: Estampa, Colecção: Memória das Letras)
José do Carmo Francisco
































