Depois de «Pessoas só» (2004) e de «Quando uma palavra não basta» (2007), Isabel Moreira (n. 1976) assina «Ansiedade», uma ficção organizada a partir do blogue «consolação». Apesar de algumas citações poéticas (Sophia, Daniel Filipe, Fernando Pessoa, Ezra Pound, Anna Akhmátova) e dos Evangelhos («o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça»), a referência maior deste livro é «Sedução» de José Marmelo e Silva.
A partir de um universo cinzento, onde a vida é precária e a morte inevitável, só o amor pode resgatar esse misto de ansiedade, amargura e pânico. Ou dito de outra maneira – «Talvez a ternura nos salve». Tal como nesse livro de 1937, num espaço de marasmo e de pouca esperança, há uma ave de rapina: a morte. Não por acaso o livro surge dedicado à memória de alguém que morreu: «tão nova, tão bonita. Minha querida, porquê?»
O ponto inicial é um aviso vermelho («Um ataque é uma loucura instalada a prazo nesse corpo»); o caminho é um espaço de medo («entre a casa e a secretária onde trabalha, há uma fila de carros») e um tempo corroído pelos dias: «Os dias perderam-se numa torneira ferrugenta». O ponto de chegada é a ligação da vida à escrita: «pensar na vida e escrever a vida com a voz dos mortos é muito deprimente».
Num espaço amargo («O mundo tem o tamanho da angústia») o olhar da narradora não se fecha no seu eu («é no fígado que me dói a criança que morre dentro de um saco de plástico») e coloca-se junto ao outro. Seja Angola («marido morto tão novinho, uma vida de viúva sozinha»); seja a Sérvia – «De que falas, Dragan?». No esplendor da solidão («a doença que faz doer as doenças todas»)é inevitável o medo («medo de morrer de medo a qualquer instante») e por fim o grande delta do silêncio: «tudo o que acontece é um parêntesis na saudade».
Numa placa de medo e morte, nasce uma esperança: «Está a chover, de repente, um castigo, uma chicotada contínua na última memória do teu olhar». História feita de textos sincopados, intensos e sintéticos, faz um retrato humano na urgência do tempo que passa: «A sua vida foi a construção do edifício da ansiedade. Dar-se inteira a quem mente e era mentira; dar-se inteira a quem mente e tinha desistido; dar-se inteira a quem não aguentou e morreu; dar-se inteira a quem sorriu no quotidiano de um escritório e nunca mais telefonou».
(Editora: Arcádia, Capa: Henrique Cayatte, Revisão: Helena Romão)
José do Carmo Francisco
































