Novas regras na facturação criam dificuldades na Praça da Fruta

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As novas regras de emissão e comunicação obrigatória de facturas está a gerar grande ansiedade e até algum receio entre quem vende nas Caldas da Rainha.
Desde o dia 1 de Janeiro que quem tem factura acima de 100 mil euros é obrigado a possuir software certificado. Quem não atinge tal valor, em contrapartida, pode emitir facturas simplificadas, passadas manualmente.
A lei, que saiu em Agosto passado, tem sido alvo de constantes alterações e está a deixar vendedores, contabilistas e programadores de software à beira de um ataque de nervos.
Há já quem diga que vai abandonar a actividade pois as multas são elevadas e Gazeta das Caldas encontrou na Praça vários vendedores que afirmam que vão largar este negócio.
“Vou passar uma factura por um ramo de salsa? Sai mais caro o papel do que o que estou a vender!”, queixava-se uma vendedora.

“Vou deixar de vender na praça”

Maria Amália Simão, vem de Trás do Outeiro (Óbidos) e está quase a completar 83 anos. Vende na praça o que produz há 50 anos e não passa facturas. Não possui “escrita organizada” e pergunta como é que vão fazer os vendedores que não sabem ler nem escrever. “É uma sorte vender um quilito ou outro de alguma coisa que trago das minhas fazendas e a verdade que só aqui venho de vez em quando”, rematou.
Ema Lopes vem de Salir de Matos e “só vendo o que é meu: trago uma caixa de laranjas, outra de limões”. Conta que vai deixar de vir à praça pois não quer passar facturas “por vender um molho de grelos, uma alface e depois outra por um ramo de salsa”. Diz que “mais vale deixarmos as fazendas “de relva” (não tratadas) e deixar isto da mão” (referindo-se à praça).
Diz que tem dias que pouco ou nada vende e por isso não lhe compensa ter a “escrita organizada”.
Manuel e Maria de Lurdes Soares 73 e 66 anos vieram dos Infantes (Salir de Matos) e recentemente deixaram de vender na praça. “Agora estamos a gozar a nossa reforma”, contam, explicando que as despesas começavam a ser muitas e os ganhos cada vez menores.
Alzira e Manuel Rosa vêm de Santa Catarina dois dias por semana para vender na praça e contam que cada vez vendem menos e que as despesas são mais que muitas; por isso, ponderam deixar de vender. Manuel Rosa é avesso aos computadores e a sua esposa, conta que as constipações que apanha já a levaram ao hospital.
Todos se queixaram da falta de condições da praça e afirmam que sem sessões de esclarecimento os mais velhos terão tendência a abandonar a praça. “Deixamos isto para as contratadeiras (quem compra mercadoris para vender)”, disseram este produtores-vendedores que têm muitas dúvidas sobre como irão implementar o novo sistema que as Finanças agora obriga.

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“A lei deve ser igual para todos, mas muitos vão desistir”

“Sim, estou informada sobre a nova lei e optei por agora passar as facturas à mão.  Desde o dia 1 de Janeiro ainda ninguém me pediu nenhuma factura. Se pedirem, terei que a passar”. Palavras de Adélia Santos, de 54 anos, que vende na praça há 25 anos.
A vendedeira conta que há gente que tem sistema implantado nas balanças e, por agora, vai aguardar para decidir que equipamento adquirir. Sabe que estes sistemas custam entre os 1300 e os 1400 euros e custa-lhe pois há dias em que “só fazemos 20, 30 e 40 euros e estamos aqui sem mais nada, só com um chapéu de sol por cima”. Referia-se à falta de condições, existente na praça, onde há anos “nos prometem melhorias e obras e até agora nada”.
Adélia Santos não sabe como vai ser o futuro de vários vendedores que “não têm escrita organizada e também não estão interessados em ter”. Dizem que vêm vender umas coisitas da suas fazendas só que “a lei deve ser igual para todos e se assim for, muitos vão desistir”.
Acha que seriam úteis mais sessões de esclarecimento de modo “a saber tudo o que é preciso pois o pouco que sabemos é pelos meios de comunicação social”, disse a vendedeira.
Luís Miguel vende na Praça há 20 anos e tal como o pai dedica-se à venda de frutas. Tem 44 anos e acha que a praça não oferece as mínimas condições de bem estar aos vendedores.
Nesta questão da obrigação de factura, o vendedor considera que  devia haver, por parte da autarquia, “um esclarecimento e uma ajuda pois, para fazer tudo como manda a lei, precisamos de pontos de abastecimento de energia eléctrica pois só com as baterias, não dá para trabalharmos”.
A balança, equipada com o sistema de gestão, custou-lhe  1500 euros e foi adquirida no ano passado. “Não seria justo se agora ainda precisasse de mais alterações”, comentou o vendedor. Luís Miguel acha que até seria aconselhável um período de adaptação.
Desde o início do ano “ainda ninguém me pediu factura com o número de contribuinte”, referiu. Luis Miguel acha que os novos não estão interessados na venda da praça e os mais velhos vão deixando de vir. Ao todo serão mais de uma centena de pessoas que vendem na praça, mas a maioria não vem todos os dias.
Sandra Carvalho, ajuda o marido Paulo Farinha numa das bancas das azeitonas e frutos secos. Aguardam o novo equipamento que entretanto esgotou nos fornecedores. Até chegar, vai passar facturas manuais. “Na praça não há condições para trabalhar”, disse a vendedora, cujos pais também já vendiam na praça.
“Há  anos que prometem obras, energia eléctrica, casas de banho e água e nós até nem nos importamos de pagar mais um pouco ao fim do mês em troca de melhores condições”, disse.
À espera de máquina também está Helena Andrade, de 21 anos que vende desde os  15 anos  na banca do pão de Rio Maior. Por agora passa facturas a computador. “Para nós não é difícil, é pior para os mais velhos”, rematou.
Maria Olívia Veríssimo tem 60 anos e vende bolos secos na praça há duas décadas. “Dantes também passávamos factura só que chamavam uma venda a dinheiro e agora é factura simplificada”, disse a vendedeira acrescentando que ainda ninguém lhe pediu uma factura com número de contribuinte desde o início do ano.

“Não estão a ser dias fáceis para estar a fazer mais investimentos”

Fátima Duarte, proprietária há 20 anos da pastelaria Dominó, contou à Gazeta das Caldas que teve que adaptar a registadora à nova situação fiscal enquanto espera por um programa novo. Enquanto isso, passa a quem lhe pede uma factura manual, já que a sua facturação não ultrapassa os 100 mil euros.
“Estes não estão a ser dias fáceis para estar a fazer mais investimentos”, disse a empresária comentando que a nova lei, em vigor  desde 1 de Janeiro, em princípio não permitia as facturas simplificadas manuais  e depois, no dia 4, voltaram atrás e já era permitidas.
Isabel Januário, proprietária da papelaria Nina há 20 anos já tem tudo instalado. “Investi dois mil euros no equipamento e no programa e agora já sai tudo informatizado e descriminado com ou sem nº de contribuinte”, explicou. A responsável agora até diz que “já não me estou a ver só com a registadora”.
João Cardoso, do café-gelataria Frutóchocolate, está a aguardar pelo novo equipamento, que se encontra esgotado em Portugal. Ainda assim, o empresário optou por fazer um contrato com a PT para o fornecimento do serviço. “Por agora estamos a passar factura manual pois estou à espera da nova máquina, encomendada há um mês”, disse o empresário que acha que “há muita falta de informação sobre esta nova lei”. João Cardoso considera que poderia fazer mais sessões de esclarecimento sobre a lei.
A Loja do sr. Jacinto, a retrosaria na Rua Miguel Bombada, está encerrada desde terça-feira, 15 de Janeiro. O seu responsável explicou à Gazeta das Caldas que aproveita o facto de estar à espera do novo equipamento para fazer balanço e dar um novo rearranjo ao seu estabelecimento comercial. “Reabrimos quando estiver tudo pronto, em princípio a 23 de Janeiro”, rematou.

“Toda a gente se queixa que a lei da obrigatoriedade da emissão de factura é confusa e omissa”
Hélder Silva e Carlos Coutinho são os responsáveis da empresa Miris – uma empresa caldense que se dedica à venda de software de informática. Têm estado atentos a toda a legislação que têm saído sobre a emissão de facturas, mas desde o Natal que a azáfama tem sido grande, com os seus clientes e alguns contabilistas a pedirem-lhes esclarecimentos e alterações por causa das consecutivas adendas à nova lei que têm surgido a um ritmo impressionante.
“A lei saiu em Agosto, mas o Orçamento de Estado só foi aprovado a 28 de Dezembro e a formação sobre o novo sistema só saiu para a rua em finais de Novembro de 2012”, explicou Hélder Silva, acrescentando que a legislação “está tão mal feita, tem tantos buracos e permite tantas interpretações, que não faz sentido”.
Há alíneas muito pouco esclarecedoras, os valores apresentados como limite não se sabia se era para ser contabilizado o IVA ou não, e só a 4 de Janeiro é que “saiu um ofício circular a clarificar essa situação de uma lei que deveria estar em prática a 1 de Janeiro. Isto é ridículo!”, contou o informático.
Como consequência, várias empresas tiveram que introduzir alterações nos programas de gestão dos clientes para que pudesse estar tudo em conformidade com a lei.
Depois de alguns recuos e alterações na lei por parte do governo, esgotaram a seguir os equipamentos que permitem ter o programa de gestão do software em Portugal. “Tivemos que assinar uma declaração em que os teclados podiam vir em espanhol para conseguir equipamentos, só que passado uma hora já estavam esgotados e obtivemos apenas 10 equipamentos e agora já ouvi dizer que em França também já estavam a rapar…”.Tudo por causa da nova lei.
Hélder Silva e o seu sócio Carlos Coutinho dizem ainda que não compreendem porque é que as marcas não disponibilizam mais máquinas para Portugal “já que este processo está em transito…”. Desde as máquinas mais caras às mais baratas “está tudo esgotado”, dizem. De momento, não há no mercado computadores, gavetas de dinheiro ou impressoras.
Soma-se a tudo isto que no início desta semana se noticiou a vinda de100 inspectores para a rua a fim de ver se a lei estava a ser cumprida. “Temos alguns clientes que ainda não têm equipamento e que pura e simplesmente preferiram não abrir a porta”, contaram os dois sócios que costumam produzir software para pequenas empresas.
Os dois informáticos alertam para o facto de os comerciantes fecharem as portas por terem medo da inspecção. “Isto torna-se num estranho filme de cowboys e de mau gosto – um país a gerir-se pelo medo não augura nada de bom”, disseram.
Os ramos de actividade sob a mira das Finanças são a hotelaria, a restauração, a estética e a reparação e manutenção de automóveis e de motas, o que nos faz perguntar se todos os outros sectores “são meninos bem comportados”. Há aqui um certo apontar do dedo e ainda pedem que sejam as pessoas a “fiscalizar” o processo permitindo-lhes obter apenas 5% do IVA pago em compras feitas naquele tipo de empresas e que só lhes permite reaver um máximo de 250 euros do IRS, mesmo que gastem mais de 25 mil euros em compras.
A forma como a lei está a ser implementada “está cheia de atropelos e chegam-nos a entrar aqui contabilistas que nos perguntam como é que é”.
Já em Janeiro, Carlos Coutinho pediu factura de uma viagem de comboio e a CP entregou-lhe um ticket com uma venda a dinheiro que neste momento simplesmente não vale nada. “Reclamei e passados muitos dias disseram-me que o assunto tinha seguido para o serviço financeiro da CP”, contou. Isto, note-se, numa empresa do Estado.
A Miris tem como preços médios uma promoção para esta campanha – computador, programa e gaveta de dinheiro e impressora de talões – custava 1100 euros. Só o programa informático custa 400 euros (mais IVA) mas o agente económico tem que ter o restante equipamento.

Algumas alterações em vigor desde 1 de Janeiro

1. Todas as vendas de bens ou serviços têm que ser facturadas e os agentes económicos têm que emitir factura, mesmo que os consumidores não a exijam

2. Criação de um novo documento: a factura simplificada

3. Obrigatoriedade de comunicação dos documentos de facturação às finanças até ao dia 25 do mês seguinte

4. Quem tem uma facturação acima de 100 mil euros tem que ter software certificado pelas Finanças.

5. Todas as transacções de bens têm que ter factura, nem que seja uma simples pastilha elástica.

Para esclarecer dúvidas consultar:
info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/faturas/sobre.html

Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt

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