Lourinhã comemora os 20 anos da região demarcada da aguardente

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“Os bancos não nos emprestam, mesmo sabendo que temos as vendas asseguradas”, diz João Catela, da Adega Cooperativa da Lourinhã

De 3 a 11 de Março decorrem as comemorações do 20º aniversário da Região Demarcada da Aguardente DOC Lourinhã, que vai contar com jornadas técnicas, visitas guiadas, entronização de novos confrades da Colegiada de Nossa Senhora da Anunciação e uma visita da própria ministra da Agricultura, Assunção Cristas, no dia 10 de Março.
O programa das festas inclui uma semana gastronómica em que a aguardente é rainha, no qual os restaurantes da região oferecem, por exemplo, choquinhos flamejados com aguardente, bifes e lombinhos envolvidos na dita aguardente, escabeche de sardinha aromatizado com o mesmo néctar e ainda crepes, cocktail de camarão, gambas fritas, porco estufado e outras iguais, no qual o produto DOC está bem presente. Para não falar, claro, numa miríade de sobremesas inspiradas na aguardente lourinhanense.
A região demarcada data de 1992 e é a terceira a nível mundial, depois das conhecidas regiões demarcadas de Cognac e Armargnac, ambas em França. No entanto, desde há pelo menos 200 anos que havia o hábito de os produtores de vinho locais destilarem este produto, transformando-o em aguardente que era vendido para a região do vinho do Porto, em cuja produção entrava.
Diz-se que há meio século haveria mais de 30 destilarias caseiras na Lourinhã e que eram os próprios homens do Douro que vinham comprar a aguardente aos produtores locais.

O proprietário da Quinta do Rol, Carlos Melo Ribeiro, é também o presidente da Siemens Portugal. Produz aguardente há 15 anos.

A demarcação da região proporcionou um salto qualitativo único para a produção e comercialização da aguardente velha, actividades que são feitas com regras muito rígidas e com o acompanhamento da Estação Vitivinícola Nacional, de Dois Portos (Torres Vedras).
A Aguardente DOC Lourinhã só pode ser OX (o que significa que tem de ter mais de dez anos), mas quanto mais velha for, mais saborosa se torna e mais valiosa fica. Por isso, a gestão dos stocks exige nervos de aço e muita paciência – isto não é um negócio para lucros imediatos.

Só há dois produtores e quatro marcas

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A Adega Cooperativa da Lourinhã é um dos únicos dois produtores da famosa aguardente. João Pedro Catela, presidente da direcção, não se queixa das vendas. Metade da produção é escoada para as grandes superfícies, sobretudo o Continente, o Jumbo e o El Corte Inglês. O resto vai para pequenos distribuidores e garrafeiras. Mas para breve, fruto de uma negociação difícil, a aguardente da Adega Cooperativa da Lourinhã entrará no free shop dos aeroportos de Lisboa e Porto.
Há pouco mais de 20 anos a adega cooperativa estava prestes a levar o rumo de outras congéneres do Oeste, igualmente baseadas na produção de vinhos em quantidade e com pouca qualidade. A aposta estratégica na produção de aguardente salvou-a do encerramento.
Embora tenha 200 associados inscritos, a cooperativa só conta, na prática, com 20 produtores que contribuem com as suas uvas para fazer o vinho que dá origem à aguardente. São remunerados a 0,25 euros por cada quilo de uva que vai para a destilaria, enquanto, na região, a uva destinada a produzir vinho é paga a 0,15 ou 0,16 euros o quilo. Números que espelham bem o valor da aguardente, o tal produto que demora mais de uma década a ser “fabricado”.
“Enquanto a roupa passa de moda e a comida perde a validade, este é um produto que valoriza com o tempo”, diz João Pedro Catela. “O problema é que se precisamos de dinheiro para investir, os bancos não nos emprestam, mesmo sabendo que temos as vendas asseguradas. Nem as sociedades de capital de risco nem a banca nos emprestam nada, nem mesmo com penhora mercantil”, lamenta-se.
No entanto, nos esconsos corredores do edifício da adega, onde coexistem teias de aranha com cascos de carvalho cheios de aguardente, está um activo que vale mais de um milhão de euros!
Em 2007 a produção de aguardente pela adega cooperativa foi de 10,6 mil litros, em 2008 foi de 10,7 mil litros, em 2009 de 14,4 mil litros e em 2010 produziram-se 10,3 mil litros. A facturação rondou os 135 mil euros por ano.

LOURIGNAC É EXPRESSÃO CONTROVERSA

A cooperativa conta apenas com três empregados fixos e não tem um departamento comercial nem recursos para investir em feiras. A exportação não é, para já, uma opção, mas João Catela diz que a designação “Lourignac”, por alusão ao Cognac e ao Armagnac, pode ser uma boa ideia para os mercados externos, embora “haja quem critique por estarmos a afrancesar um produto nacional”.
Um dos críticos desta expressão é Carlos Melo Ribeiro, proprietário da Quinta do Rol, na Lourinhã, que é também produtor de aguardente.
“Os franceses nem sabiam que nós existíamos. Fui, com o nosso enólogo, Pedro Correia, visitar a região de Cognac e Armagnac e eles, ironicamente, disseram que ficavam satisfeitos por haver mais gente a aguçar o gosto dos consumidores pela aguardente porque assim haveria mais gente a comprar-lhes. A verdade é que eles têm uma região demarcada há 200 anos e nós temos 200 anos de produção, mas só fizemos a demarcação há vinte”.
Com uma produção anual idêntica à da adega cooperativa (10 mil litros), este produtor esteve mais de dez anos a produzir para não vender, à espera que chegasse o momento certo de colocar no mercado um produto valioso. Essa ocasião chegou há dois anos, embora só desde o ano passado o negócio tenha começado a consolidar-se.
A Quinta do Rol (que também produz pêra Rocha e tem vários hectares plantados com pinheiros) factura cerca de 200 mil euros de aguardente da Lourinhã. Carlos Melo Ribeiro não refere os lucros, mas afirma que se se meteu neste negócio foi para ganhar dinheiro.
“Ao produzir aguardente numa região demarcada estou a valorizar activos porque passei de uma produção indiferenciada para um produto de luxo”, explica.
A sua propriedade, que herdou do pai, produz a marca Quinta do Rol, que é vendida no El Corte Inglês, em garrafeiras, nalgumas feiras do Pingo Doce e escoada também directamente para restaurantes. Cada garrafa de meio litro ronda os 50 euros.
No horizonte está a duplicação da facturação, o alargamento das vendas a mais garrafeiras e até a exportação para o “mercado da saudade”. Macau, Angola e Brasil estão no horizonte como os destinos mais prováveis.
Mas é também na Quinta do Rol que é produzida a aguardente da Lourinhã com mais prestígio – a Magistra, que resulta de uma parceria de Carlos Melo Ribeiro com a Herdade do Esporão, e que obteve o prémio de Excelência da Revista de Vinhos 2010. Um galardão ao qual se junta o da própria garrafa, inspirada nos frascos de perfume e apresentada numa caixa de madeira de linhas depuradas, que obteve também um prémio platina pelo seu design.
Do Estado, este empresário agrícola e, simultaneamente, administrador da Siemens Portugal, diz que seriam bem vindos incentivos à produção de aguardente idênticos aos que existem para a floresta. Na sua quinta, ao plantar pinheiros, que também demoram décadas a atingir a fase adulta e a tornarem-se rentáveis, recebe um subsídio por cada árvore. O mesmo deveria aplicar-se à aguardente para servir de estímulo à sua produção. Afinal, não é qualquer um que pode investir num produto que demora 10 a 15 anos a estar na “altura certa” para ser comercializado.

Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt

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