Empresa com sede nas Caldas desenvolve combustível neutro em carbono

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João Campos Rodrigues é engenheiro nuclear e é o responsável pelo desenvolvimento da tecnologia da GSYF

E se a electricidade que se desperdiça das fontes renováveis fosse convertida num gás natural sintético neutro para o meio ambiente? É mesmo isso que a Green Syn Fuel, uma empresa sediada nas Caldas da Rainha, está a desenvolver, num projecto que está próximo de chegar à fase de testes em condições reais.

Do tamanho de um fogão doméstico, este protótipo tem uma capacidade de 500 Watts

Joel Ribeiro
jribeiro@gazetadascaldas.pt

João Campos Rodrigues, engenheiro nuclear, registou em 2014 a patente de um aparelho electrolisador que permite produzir gás natural sintético, neutro em emissões de carbono. Tudo o que é preciso é água, electricidade – de preferência oriunda de fontes renováveis – e uma fonte de carbono de origem não fóssil. Para desenvolver a tecnologia, foi fundada a empresa Green Syn Fuel (GSYF), que está agora próxima de chegar à fase de produção. A GSYF ainda não tem instalações, – o projecto está a ser desenvolvido nas instalações do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), em parceria com esta instituição académica – mas tem sede fiscal no concelho das Caldas da Rainha, na residência do seu fundador.
A empresa concorreu pela primeira a um programa comunitário de aceleração de PME’s em 2018, mas apesar de a candidatura ter sido aprovada, o cheque de 50 mil euros não lhe foi atribuído porque a totalidade do fundo disponível não foi suficiente para todas as empresas seleccionadas. No entanto, à caixa de correio chegou uma motivação para insistir. “Recebemos um diploma assinado pelo comissário Carlos Moedas, a recomendar o projecto para quem nele quisesse investir”, conta João Campos Rodrigues.
Este ano, a GSYF voltou a concorrer e desta vez o cheque de 50 mil euros chegou mesmo, com a finalidade de realizar um estudo de viabilidade do conceito.
Caso este estudo conclua que o projecto é viável comercialmente, a empresa pode candidatar-se a uma segunda fase, onde terá disponíveis entre 0,5 e 2,5 milhões de euros. O projecto para esta segunda fase já está em marcha e trata-se de um terceiro protótipo, muito próximo da versão de comercialização.
Actualmente, o electrolisador da GSYF tem uma capacidade de 500 Watts e o tamanho aproximado ao de um fogão doméstico. O novo protótipo terá o tamanho de um frigorífico e uma capacidade de 100 Kw, o que permitirá a produção de 160 toneladas de gás metano por ano, o suficiente para alimentar de electricidade uma ilha de pequenas dimensões, como a do Corvo, pelo mesmo período. O objectivo da empresa é que este novo protótipo esteja finalizado até ao final do ano, para poder entrar em fase de testes no terreno em 2020.
As próximas fases do projecto também já estão acauteladas. A GSYF já garantiu parcerias para iniciar a produção, nomeadamente com as empresas Secil, de Pataias, e Torbel, de Ílhavo. A primeira é uma cimenteira que tem investido em investigação na área do reaproveitamento do carbono capturado nas suas chaminés. Este pode ser convertido na grafite utilizada pela GSYF. A segunda desenvolve e constrói sistemas para a produção de energia e tratamento ambiental, como caldeiras de biomassa.
Também já estão em andamento contactos com entidades que poderão receber os primeiros testes piloto já em 2020, nomeadamente nas ilhas de São Miguel e Terceira, nos Açores. “São ilhas com grande potencial de energias renováveis, tanto solar, como eólica e geotérmica. Estrategicamente, esta tecnologia pode resolver o problema da autonomia energética das ilhas, que até podem passar de dependentes das energias fósseis para exportadores de gás natural”, aponta João Campos Rodrigues.

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GERAR ELECTRICIDADE

As finalidades para o gás natural sintético produzido pelo aparelho da GSYF podem ser diversas (ver caixa). No entanto, o plano que João Campos Rodrigues tem para tornar o seu produto atractivo passa pela utilização do gás para a produção de energia eléctrica, de forma complementar à das fontes de energia renováveis.
“O problema das renováveis é que, ou são consumidas na altura, ou são difíceis de armazenar e acabam por se perder”, justifica João Campos Rodrigues.
Essa energia que hoje é desperdiçada pode, então, ser utilizada para produzir o gás, que pode ser armazenado e utilizado para gerar energia quando as fontes renováveis não garantirem resposta à procura da rede eléctrica.
“Considero que pode ser relevante, por exemplo, para ilhas extremamente dependentes de combustíveis fósseis, que chegam de barco, ou para países em vias de desenvolvimento, em localidades remotas em que se torna caro fazer chegar a rede eléctrica”, afirma o responsável pelo desenvolvimento desta tecnologia.
Um local onde João Campos Rodrigues gostaria de ver o seu electrolisador testado é a Berlenga. “Têm lá painéis fotovoltaicos cuja energia produzida no Inverno, quando a ilha não está ocupada, não é aproveitada, pelo que o gás garantiria as necessidades durante o Verão”, observa.
Outra possível aplicação para os hidrocarbonetos gerados pelo electrolisador da GSYF é a alimentação de automóveis, na forma de gasolina ou gasóleo. Apesar da corrida à electrificação do automóvel estar a ganhar balanço, os combustíveis ainda vão ser necessários por muito tempo.
Como aparelho da GSYF, é possível criar unidades com produção local, o que significa fabricar o combustível no local onde é comercializado. Além de diminuir a dependência da importação de petróleo, isto também eliminaria a questão do transporte.

TRÊS MODELOS DE NEGÓCIO

Quase pronta para colocar o seu produto no mercado, a GSYF tem também definidos os três modelos de negócio que poderá vir a desenvolver.
João Campos Rodrigues diz que a opção mais simples será licenciar a tecnologia a quem a queira produzir os aparelhos, lucrando com royalties sobre as vendas.
A empresa poderá também avançar para a produção própria dos aparelhos de 100 Kw. Nesse caso, não está ainda definido qual seria o local para alojar a fábrica, mas João Campos Rodrigues afirma que as hipóteses de esta ser instalada na região Oeste seriam elevadas.
Caso venha a existir procura para centrais de grande capacidade, muito acima dos 100 Kw, a empresa venderá apenas a execução do projecto e a engenharia associadas, não se responsabilizando pela construção dessas centrais.
Até esta fase, a GSYF investiu no desenvolvimento desta tecnologia cerca de meio milhão de euros, financiados em perto de 60% pelo programa comunitário Compete 2020. Trabalham actualmente na GSYF, em permanência, seis pessoas, duas da empresa, outras duas provenientes do ISEL e mais duas de apoios externos. São todos engenheiros experientes. Além disso, vários alunos do ISEL têm tido oportunidade de se juntar temporariamente à equipa. João Campos Rodrigues acrescenta que, deste projecto, já resultaram quatro teses de doutoramento, um sinal do interesse e potencial que esta tecnologia tem.

 

Água + carbono + electricidade = combustível

O conceito desenvolvido por João Campos Rodrigues tem algumas semelhanças com o processo de eletrólise da água que permite produzir hidrogénio, no entanto, tem algumas diferenças substanciais que permitem produzir combustíveis carbónicos sem recurso ao petróleo.
Tudo começa com energia eléctrica e um processo de eletrólise para separar o hidrogénio do oxigénio. Os dois gases são depois direccionados para uma segunda câmara onde são sujeitos a uma nova reacção electroquímica, desta vez juntando a fonte de carbono, na forma de grafite. O oxigénio reage com a grafite, levando cada átomo de carbono a quatro de hidrogénio para formar moléculas de metano, ou simplesmente gás natural. O oxigénio é consumido neste segundo processo e não são gerados subprodutos.
O gás natural pode ser consumido sem mais tratamento, ou ainda ser manipulado para dar origem a gasolina ou gasóleo sintéticos.
Por ser de origem sintética, estes combustíveis têm uma pureza próxima dos 100%, ou seja, ao contrário dos que resultam da refinação de petróleo, não têm impurezas responsáveis por alguns dos gases de escape nocivos, como o enxofre.
Utilizar grafite resultante da captação de carbono de unidades fabris e eletricidade proveniente do excedente de fontes renováveis torna o processo e o combustível final neutro em emissões carbónicas.
O conceito não é único, por exemplo a Audi tem um projecto com princípios idênticos para produzir gasolina e gasóleo sintéticos com neutralidade carbónica, a partir da água e com injecção de carbono captado da atmosfera.
No entanto, o processo desenvolvido pela Green Syn Fuel é realizado a temperaturas e pressões mais baixas, o que o torna mais eficiente a nível energético.
Quando usado para produzir electricidade, o gás natural resultante tem um valor energético que é cerca de 65% a 70% da energia primária utilizada. Isto significa que há alguma perda de potencial energético, mas isso acaba por ser minorado pelo facto de o gás ser produzido com electricidade que, de outro modo, seria desperdiçada.

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