Teresa Coelho é presidente do Conselho de Administração da Docapesca, uma empresa do Estado que se dedica à primeira venda do pescado e à gestão dominial da autoridade portuária. A nazarena falou à Gazeta sobre os investimentos que estão previstos para os dois portos de pesca do Oeste, numa lógica de criação de riqueza para a sustentabilidade. “Peniche é absolutamente estruturante para a empresa”, afirmou a responsável, valorizando o “peso” daquele porto no volume de negócios da Docapesca e divulgando, ainda, que a entidade recebeu um pedido de instalação de mais uma unidade aquícola na Nazaré. Em causa está um investimento de 60 milhões de euros e uma estimativa de criar 120 postos de trabalho naquele porto da região, que, no último ano, tem recebido outros investimentos de monta na área da aquicultura
TERESA COELHO (TC): A Docapesca é uma empresa com uma dimensão muito grande, tem um volume de negócios significativo e cerca de 500 trabalhadores pelo país inteiro. Tem duas áreas principais de negócio: a primeira venda do pescado e, desde 2014, assumimos as funções da autoridade portuária, com a gestão dominial nos portos de pesca e marinas de recreio. A Docapesca tinha um objecto diferente e teve que se adaptar e pegar num trabalho que não era a sua área de negócio tradicional. Tentámos fazer bem, porque havia muitas questões por resolver, havia contratos de concessão em situação irregular e tentámos regularizar as situações, até porque sabíamos que viria aí um processo de descentralização. Contudo, os portos principais não passam para gestão da autarquia, mantém-se na Docapesca. E tudo o que é primeira venda do pescado e actividades conexas mantém-se na Docapesca. Mas as áreas concessionadas passam a ser geridas pelas Câmaras, porque são áreas em que estas têm maior aptidão para fazer a gestão. Para nós, também é melhor que isto aconteça, porque, ao passar a gestão de áreas para as quais não temos especial aptidão para gerir, ficamos disponíveis para gerir e fazer melhor a nossa área de negócio. O que queremos é que a pesca tenha melhores condições de venda, melhores estabelecimentos, que mantenha a frescura e a qualidade do pescado, até porque o pescado vendido em melhores condições é sempre mais valorizado. O nosso objectivo último é sempre aumentar o rendimento dos pescadores.
TC: Em Peniche há uma pesca mais artesanal. São pescarias em que o pescado tem elevados graus de frescura e de qualidade. Em Peniche temos uma variedade de pescado que não se encontra nas outras lotas. Os valores explicam-se porque o tipo de pescaria é diferente. Em Sesimbra e Matosinhos temos mais volume, porque em Sesimbra temos muita cavala e em Matosinhos biqueirão e sardinha. Em Peniche temos uma variedade de espécies que são muito valorizadas e que fazem com que seja a lota com mais valor, apesar de não ter maior volume. Peniche é, de facto, um porto, em termos de valor de vendas, absolutamente estruturante para a empresa.
TC: Estamos a fazer dois tipos de intervenção. Está em curso o quebra-mar, para garantir melhores condições para as embarcações de pesca. É uma obra que custa mais de 1 milhão de euros e é apoiada pelo Mar2020. É essencial para o bom desempenho das embarcações e para a segurança dos pescadores. E também temos uma parceria com a Câmara, o IPL e a BioCant para a criação do Parque da Ciência e da Tecnologia de Peniche. São dois passos muito importantes para garantir as melhores condições na pesca. Estamos a repavimentar o porto, que estava a precisar que fossem realizadas algumas intervenções. A lota teve intervenções recentes, há quatro anos. Estamos a criar todas as condições para que o porto viva em torno da economia do mar, da ciência, da inovação e da sustentabilidade.
TC: Estamos a certificar a lota no âmbito da ISO22000 e o processo deverá estar finalizado este ano. Estamos a fazer as alterações na infraestrutura que permitam a alteração dos circuitos. Depois, temos um projecto em curso na Nazaré, porque a água tem muito boas condições devido à baixa variabilidade na temperatura e salinidade, à baixa concentração de nutrientes e matéria orgânica e à ausência de poluentes químicos, industriais, pesticidas e agrícolas. Daí que tenhamos muitos interessados em instalar estabelecimentos aquícolas. Está em curso a construção da maternidade de bivalves, que se pretende que venha a produzir 200 mil milhões de sementes de amêijoa e ostra por ano. E temos um outro projecto que entrou há relativamente pouco tempo e que nos parece que é estruturante para o porto, para a economia do mar e para a vila, que é um pedido para a construção de outro estabelecimento aquícola. Este pedido entrou há cerca de um mês, agora temos de emitir o título de utilização dos recursos hídricos e, depois, é feito o pedido na Direção-Geral dos Recursos Naturais Segurança e Serviços Marinhos. Se se concretizar, tem um investimento previsto de 60 milhões de euros e uma estimativa de criar 120 postos de trabalho. Em relação à certificação da lota de Peniche, vamos trabalhar no próximo ano e queremos que esteja certificada no prazo máximo de dois anos. É mais difícil fazer os circuitos, porque devido à diversidade há muitas caixas a transitar na lota. O objectivo é ter todas as lotas do país certificadas. Tanto Peniche como Matosinhos são duas grandes lotas que temos que certificar. Também tivemos uma dificuldade porque antes a DGAV tinha equipas de médicos veterinários nas lotas. Há dois anos pedimos autorização ao Ministério das Finanças para contratar veterinários, porque entendemos que era essencial. Temos de ter um corpo de engenheiros alimentares e médicos veterinários. Temos seis veterinários e estamos a ver se conseguimos contratar o sétimo para todo o país. É diferente, conseguimos garantir cada vez melhores condições.
TC: Dentro dos portos continua a ser gestão da Docapesca. Nos portos principais, a empresa fica com toda a área do porto, porque este passa a ser um instrumento de desenvolvimento da economia do mar. O objectivo é conseguir que o porto crie riqueza na área da economia do mar que permita a sua sustentabilidade e também alavancar a economia da vila. O que temos tentado fazer é criar em cada porto valências diferentes. Enquanto na Nazaré, devido à qualidade da água, temos vindo a ter pedidos na área das indústrias da aquicultura, em Peniche temos outro tipo de pedidos, como a transformação do pescado. Com o SmartOcean vamos tentar que Peniche produza serviços instrumentais a toda a economia do mar.
TC: A actividade da empresa é sempre realizada em torno da sustentabilidade. Por isso é que fazemos campanhas de valorização das espécies abundantes, como a cavala e o carapau, e temos projectos no âmbito da responsabilidade social da empresa, para a pesca pelo mar sem lixo. Aos barcos maiores entregamos contentores de cor diferenciada para separarem o lixo indiferenciado do plástico. As embarcações mais pequenas têm sacos. O objectivo é valorizar o lixo e distribuir os rendimentos por quem o entregou. A Docapesca tem quatro eixos estratégicos: o desenvolvimento sustentável e a valorização do pescado, a melhoria das condições de segurança das pessoas e bens e da segurança alimentar, o desempenho organizacional e o desempenho económico-financeiro. Vamos perder receitas de concessões, por causa da descentralização, mas é preferível que o cidadão fique melhor servido do que a empresa ter mais 500 mil euros de resultado. A empresa é muito saudável. Desde 2009 que tem resultados positivos. Temos práticas de eficiência e de eficácia e o objectivo é sempre melhorar, mas tem que ser bem gerida, porque está dependente de uma actividade sujeita a factores externos e imprevisíveis, como a meteorologia e o estado do mar.
TC: A cavala e o carapau são espécies abundantes, sustentáveis na nossa costa e devem ser valorizadas por isso, além de que como a sardinha têm alto valor nutricional. A sardinha é uma espécie que tem alguns riscos e, por isso, está a ser tão controlada. Para a Docapesca obviamente que é uma espécie essencial. Constatamos que 10 anos após os maiores picos de venda, o preço médio evoluiu muito significativamente, o preço por quilo aumentou muito, é o mercado a funcionar, porque quando há menos, o pescado valoriza. Toda a gente em Portugal desejava que não houvesse nenhum problema com a sardinha, tanto quem lida directamente, como os consumidores. Mas se sabemos que há um problema, temos que ter cuidado com essa espécie e tratar do problema, para depois poder pescar mais. Obviamente, se fosse possível ter mais quota, melhor, mas da nossa parte não era razoável dizer que queremos mais. As capturas sem regulação acabam em problemas com os stocks e o que nós queremos é que as pescarias se mantenham todas sustentáveis.
TC: De 2016 para 2018 conseguimos aumentar em cerca de 30% o valor do carapau em lota. A campanha tem resultado. Esse aumento é significativo. Para o ano vamos prosseguir a campanha, mas não nos mesmos moldes, porque as campanhas de televisão são caríssimas e, como o objectivo é mudar os hábitos alimentares das gerações Y e Z que já têm maior actividade online, vamos tentar direccionar para esses meios. Uma campanha sem influenciadores tem maiores dificuldades em chegar ao público-alvo. Temos cinco atletas de desportos náuticos: o Fernando Pimenta, da canoagem, o Hugo Vau, das ondas gigantes, a Teresa Almeida, do bodyboard, o Francisco Lufinha, do kitesurf e a Joana Pratas, da vela. Temos acções nas escolas, em que os atletas falam com os jovens sobre os benefícios do consumo do pescado e sobre como o integram na dieta.GC: O valor do peixe em lota tem aumentado. Isso significa maior rendimento para os pescadores e uma menor diferença entre o que estes recebem e o que o consumidor paga?
TC: Só conseguimos controlar o pescado até à primeira venda. Quando o pescado sai da lota não conseguimos, nem temos de perceber, qual é o valor do pescado. Há, de facto, entre a primeira venda e o consumo final uma margem significativa. O que nos interessa é que o pescado seja cada vez mais valorizado em lota, tanto em termos de rendimentos, como de descontos dos pescadores para futuras reformas. Depois, o facto de o pescado se valorizar leva a que se façam investimentos nos estabelecimentos para terem melhores condições de venda. Nos ciclos finais já entram os intermediários e os consumidores. Já não é a nossa área de negócio.
TC: Não podem porque há um regulamento europeu que o proíbe. O regulamento europeu do controlo diz que o pescado só pode ser vendido por três formas: na lota, por compradores registados ou por organizações de produtores. A venda directa ao consumidor só é permitida até 30 quilos e desde que esse pescado não entre no circuito comercial. Pode ser vendido a restaurantes e, obviamente, tem de ser facturado. Temos um sistema que está implementado em Sesimbra, na Fuseta e em Odemira, sendo que aqui não funcionou muito bem, que são os circuitos curtos de comercialização, o Cabaz do Peixe, que é através da associação de pescadores. Esta emite uma ordem de compra e se o peixe não for vendido mais caro é comprado pela associação que vende directamente ao consumidor. Também queríamos implementar nos portos do Oeste. Temos duas experiências que correram relativamente bem e queríamos alargar a rede de cabazes. É uma forma de valorizar o pescado e de garantir um rendimento estável aos pescadores. Já temos uma plataforma informática para encomendas do cabaz, mas só faz sentido ser lançada com quatro ou cinco cabazes. Depois temos o leilão online, o que significa que um cliente pode estar numa de cinco lotas (Matosinhos, Figueira da Foz, Peniche, Sesimbra e Portimão) e estar a comprar em qualquer uma das outras. E temos a lota digital, que é um projecto-piloto implementado em Peniche, através de um protocolo de colaboração com uma empresa das Caldas, a Bitcliq, que tem um software que permite que os pescadores com um telemóvel fotografem e coloquem o peixe a leilão ainda na embarcação. Quando chega a terra entra na lota, mas num sistema paralelo. O pescado é verificado em termos de qualidade e de peso e é facturado. Quando não está de acordo com o que foi vendido, entra no sistema de leilão normal. Estamos a tentar alargar este projecto, que é interessante, a outros portos. O pescador pode, em teoria, chegar do mar com o pescado já todo vendido. Temos outro projecto com a Universidade de Aveiro para tentar automatizar alguns processos das lotas, como virar o pescado. São tarefas muito árduas e penosas e isto permitiria que os nossos trabalhadores desempenhassem outro tipo de funções.
TC: Portugal é o terceiro maior consumidor mundial, com 56 ou 57 quilos per capita!
TC: Não sou capaz de lhe dizer isso. Sei-lhe dizer que no ano passado capturámos 110 mil toneladas, o que é significativo. Importamos principalmente bacalhau e salmão, mas também exportamos essas espécies. Por outro lado, também consumimos peixe de aquacultura, o que é importante para nós, porque tem excelente qualidade. Temos empresas a apostar na transformação e valorização de espécies menos valorizadas, como é o caso da Luís Silvério & Filhos SA, que tem uma nova unidade no Valado dos Frades. E há muitas espécies que saem para outras finalidades e que cujo consumo pode aumentar, como a cavala, que é muito usada para isco. No carapau nunca atingimos a quota, ficamos sempre perto de metade, podemos aumentar a captura, que não há risco.
TC: A Nazaré tem tido um grande desenvolvimento nos últimos anos, muito derivado ao surf e ao turismo. Para mim é um motivo de orgulho que a Nazaré seja um cartaz de Portugal no mundo. Podemos todos, não só a Nazaré, mas todas as vilas e cidades com portos, ter um desenvolvimento harmonioso. O movimento na lota não tem vindo a diminuir, as embarcações que vendem aqui continuam a vender. Aqui temos muitos arrastões que têm outros portos de registo, mas vêm desembarcar aqui. A actividade piscatória que era muito forte na minha infância, tem vindo a perder algum impacto na economia da vila, mas acho que nunca devíamos perder a pesca e tudo o que está ligado ao mar, porque esta é uma comunidade ribeirinha e piscatória.































