De como a má gestão da CP conduziu ao encerramento de parte da Linha do Oeste

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notícias das CaldasMetade da linha do Oeste só tem cinco comboios por dia nos quais são transportados, em média, 53 passageiros. Um número mais adequado a um autocarro do que a um transporte pesado como é o ferroviário. Além disso (ou por causa disso) a CP perde neste troço 1,8 milhões de euros por ano. Logo, em tempo de crise, a decisão correcta é acabar com o serviço de passageiros e substituí-lo por uma concessão rodoviária. Certo?
Errado.
Antes de mais é preciso que se diga que a fraca procura e fraca receita desta linha é fruto de décadas de falta de investimento por parte da Refer e de puro desinvestimento por parte da CP. É precisamente no troço da linha do Oeste em que o traçado é melhor (mais rectas e curvas de raio mais alargado, o que permitiria maiores velocidades) que a CP se tem esforçado por reduzir o serviço.

Das Caldas da Rainha para Coimbra demora-se mais de três horas porque é necessário um iníquo transbordo em B. Lares, no meio dos arrozais do Mondego. Mas há uma ligação directa que faz esta viagem em 1 hora e 58 minutos. Mais rápida que o autocarro e mesmo mais competitiva que o automóvel se se tiver em conta os custos (combustível mais portagens).
Por que motivo não potencia a CP a sua ligação aquela cidade onde, ainda por cima, há boas ligações ferroviárias para o Norte e Beira Alta?
Por outro lado, a CP, desde o tempo em que Crisóstomo Teixeira era seu presidente, cortou a linha do Oeste ao meio e nunca mais voltou a repor um serviço de continuidade. Caldas da Rainha ficou estação terminus das suas duas metades, sendo os passageiros que insistam em atravessar esta “fronteira” obrigados a mudar de comboio.
É por isso que desde Cacém, Torres Vedras ou Bombarral, já quase ninguém vai de comboio para S. Martinho, Marinha Grande, Leiria, Figueira da Foz ou Coimbra.
E até parece que é esse o desejo da CP, aquela empresa que justifica esta “ruptura de carga” nas Caldas da Rainha pela necessidade de abastecer de gasóleo as automotoras e por questões de gestão de rotação de material. Parece que a exploração dos comboios se sobrepõe ao interesse comercial e às necessidades dos passageiros.

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E O PATRIMÓNIO?

Se a linha do Oeste ficar só aberta para o tráfego de mercadorias, as estações vão-se degradar rapidamente, a erva vai crescer e a própria infra-estrutura vai-se deteriorar. Reabri-la, um dia mais tarde, terá custos bem acrescidos.
Mas se a linha fechar mesmo, que tenham as autarquias a coragem de exigir e propor à Refer parcerias para salvaguardar os equipamentos e edifícios, nem que seja dando-lhes outros usos, para não deixar transformar as estações ferroviárias em zonas abandonadas e mal frequentadas.

E AS CONTAS FUTURAS?

Mais: se a linha encerrar mesmo para passageiros, que as autarquias, partidos políticos e cidadãos, exijam um escrutínio permanente das concessões rodoviárias que vierem a tomar o lugar dos comboios. Para se saber quanto custam, quanto ganham os transportadores rodoviários, quantos passageiros transportam e quanto poupa o Estado com o negócio.
O nosso jornal tem vindo a questionar o gabinete do ministro da Economia sobre como se processarão estas concessões rodoviárias, mas não obteve resposta.

“O autocarro é um momento de transição do comboio para o automóvel”

Sempre que em Portugal se fecharam linhas e se substituiu o comboio por autocarros, estes acabaram por desaparecer ao fim de algum tempo.
Esta situação aconteceu no início dos anos 90 em Trás-Os-Montes e no Alentejo, e está em vias de se repetir com os encerramentos, mais recentes, das linhas do Tua, Corgo e Tâmega, nos quais a CP já anunciou que não queria suportar os custos das concessões rodoviárias que foram criadas há dois anos.
Gazeta das Caldas tem tentado saber junto do gabinete do ministro da Economia como se vão processar os serviços rodoviários de substituição ao comboio na linha do Oeste, mas nunca obteve resposta. Hoje, sexta-feira, o ministro Álvaro Pereira volta ao Parlamento para dar mais explicações sobre o PET (Plano Estratégico de Transportes).
A constatação de que “o autocarro é um momento de transição do comboio para o automóvel” resulta de um estudo do investigador em Transportes, Manuel Tão, que estudou as deslocações casa-trabalho na região do Alentejo onde há 20 anos se acabou com o serviço ferroviário. Segundo dados do INE, o número de deslocações aumentou desde então entre quatro a cinco vezes. No entanto, “morto” o comboio, os autocarros só duraram alguns anos a fazer as mesmas linhas, sendo hoje praticamente toda a mobilidade assegurada pelo transporte individual (automóvel).
Este professor da Universidade do Faro, com um doutoramento em Alta Velocidade Ferroviária, diz que a decisão do governo para a linha do Oeste não contabiliza os custos externos da transferência para a rodovia dos 187 mil passageiros/ano que circulam entre Caldas da Rainha e Figueira da Foz.
Os custos externos são as despesas que não são suportadas directamente pelos utilizadores nem pelas empresas transportadoras, mas sim pela comunidade. É o caso das emissões de CO2, congestionamento das rodovias e aumento da probabilidade de mais acidentes rodoviários.
Manuel Tão releva ainda que o prejuízo – resultante da má gestão da CP -, na parte norte da linha do Oeste (1,8 milhões de euros por ano) representa menos de 1% dos prejuízos anuais da CP.
“Uma ninharia comparado com os 700 milhões de euros que o Estado paga anualmente pelas SUCT”, diz.

Receitas para dinamizar a linha do Oeste de forma faseada e com investimentos comportáveis

Gazeta das Caldas deixa aqui algumas receitas para, no curto prazo, segurar o que resta do mercado da linha do Oeste e, progressivamente, projectá-la para o futuro, esperando que, no mínimo, estas propostas sejam estudadas por quem de direito.

1. Alterar os horários dos comboios de forma a que a maioria não “morra” nas Caldas e continue viagem para Lisboa e para Norte, dando continuidade e consistência a este corredor ferroviário que está hoje partido em dois. Este investimento teria custo zero.

2. Reforçar a oferta para Coimbra, onde está realmente o mercado, em detrimento da Figueira da Foz (que pode ser resolvido com transbordo em Verride ou na Amieira). A CP podia investir em três Inter-regionais diários em cada sentido, entre Lisboa e Coimbra via linha do Oeste. Estes comboios fariam o “dois em um”: recolhiam passageiros de Lisboa e da linha de Sintra para as estações até Caldas da Rainha e, ao mesmo tempo, das estações intermédias e das localidades a norte das Caldas para Coimbra (e daí à linha do Norte e da Beira Alta). Este investimento teria custo zero.
3. Sem dinheiro para novos comboios devido às contingências das contas públicas, a CP tem, no entanto, recursos para alterar o interiorismo das desconfortáveis automotoras UDD. Bastava substituir os assentos por outros mais cómodos, criar compartimentos, zonas de convívio e recantos de trabalho dentro das carruagens, oferecendo um ambiente e um conforto totalmente diferente aos seus passageiros. No fundo, trata-se de ir um pouco mais longe do que foi feito com as UDD remodeladas que hoje funcionam entre Beja e Casa Branca para dar ligações aos Intercidades. Nesta altura os Inter-regionais da linha do Oeste entre Lisboa e Coimbra poderiam passar a Inter-cidades.
Alterar o interior das automotoras poderia custar 200 mil euros por unidade.

4. Num investimento faseado, tendo em conta as dificuldades do país, a Refer poderia começar por dotar a linha do Oeste com sinalização electrónica, permitindo no imediato uma exploração mais eficiente, com diminuição dos tempos nos cruzamentos e aumento da fiabilidade da exploração.
Um investimento que já tem a vantagem de existir fibra óptica instalada ao longo de toda a linha.

5. Numa segunda fase de investimento na infra-estrutura – e se não houvesse dinheiro para uma electrificação total – a Refer poderia electrificar entre o Louriçal e Leiria, potenciando um serviço regional de maior frequência entre aquela cidade e Coimbra/Figueira da Foz.

6. Finalmente ganhar-se-ia massa crítica para os grandes investimentos: electrificação total, duplicação (ou construção de desvios activos para cruzamentos) e compra de comboios novos, recolocando-se assim a linha do Oeste a servir uma das zonas com maior densidade do país em estreita articulação com a linha do Norte.

 

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1 COMENTÁRIO

  1. o desajustamento de horarios é que provocou esta situaçao, uma vez que com os horarios que estao em vigor nao serve ninguem. e isso sim alguem deu ordem para que isso aconteçe-se. deixem adivinhar, será para dar lucro ás empresas de camionagem que operam na regiao? será? de quem sao essas empresas? …alguem que tenha ligaçoes á cp?