
A história empresarial do casal Filipe Almeida e Delfina Correia começou em 1993, com a empresa Rufergi, que produzia cintos em pele. Foi um duro golpe quando tiveram que encerrar a empresa 15 anos depois, em grandes dificuldades financeiras. “Estava muito focado num produto só”, conta Filipe Almeida, o que deixou a empresa sem margem de manobra quando surgiram sobretudo os grandes espaços de importação chineses.
Durante 10 meses o ex-empresário trabalhou nas obras, mas teve uma epifania quando viu um o irmão, serigrafo, tentar sem grande êxito um trabalho de padronização em cortiça. “Não saiu muito bem, mas achei o tecido bonito e interessante”, recorda o empresário, que já tinha ouvido falar do tecido de cortiça, mas nunca se tinha lembrado de o utilizar.
Experimentou fazer e colocar à venda pequenas peças, como porta-telemóveis, estojos de maquilhagem, porta-moedas e cigarreiras. Ficou surpreendido com a voracidade com que foram vendidos. Comprou mais tecido, fez mais peças e estas voltaram a escoar rapidamente. “Pensei: é neste ramo que vou apostar forte”, conta. Foi o que fez e, desde então, tem sido sempre a crescer para esta pequena empresa familiar.
A experiência negativa com os cintos em pele disse-lhe que o ideal era diversificar e começou rapidamente a fazê-lo. Se a especialidade da empresa eram os cintos, estes não podiam faltar e foram os primeiros a reforçar o leque de produtos, mas logo a seguir começou a produzir sapatos, “para testar a resistência da cortiça”, lembra Filipe Almeida.
A empresa começou por comercializar em mercados e exposições os artigos que fabricava. “Inicialmente as pessoas nem acreditavam na qualidade da cortiça”, conta Filipe Almeida, que se recorda de um cliente lhe perguntar, ao pegar num sapato, se este não se partia se o torcesse. Recorda-se também de uma criança exclamar para a mãe que era uma mala feita de rolhas, “o que identifica perfeitamente a imagem que as pessoas tinham”, refere.
Uma ideia que mudou rapidamente. “Para além de ser diferente, a cortiça começou a ser vista como um produto de qualidade”, que além de conquistar o mercado nacional, rapidamente ganhou também o internacional. A valorização do produto é mesmo uma das estratégias fundamentais para este segmento, acredita Filipe Almeida. “Podia ser mais vendável a um preço mais baixo, mas é importante que o produto seja desejável pela qualidade, não pelo preço”, sustenta.
Não há dois artigos iguais
No início, o tecido de cortiça era vendido apenas ao natural, mas hoje as possibilidades são infindáveis. A própria cortiça pode ser trabalhada para gerar diferentes padrões, como o raiado da cortiça virgem (a primeira que é retirada da árvore), tigrado (que resulta da pintura da camada superior de cada uma das peças de cortiça que formam o bloco que vai ser laminado) e mesmo padrões escamados. Depois pode aplicar-se qualquer cor ou padrão estampado, consoante as tendências da moda.
A empresa continua a fabricar artigos pequenos, os acessórios e algumas malas. Os restantes, incluindo malas maiores, sapatos ou guarda-chuvas, são produzidos por outras firmas. A maior parte são empresas da região, Caldas da Rainha e Benedita essencialmente, mas também algumas no norte.
Filipe Almeida diz que foi um dos primeiros a mandar fazer sapatos no Norte e que “queria qualquer coisa de luxo”. Hoje já existem outras empresas a fazê-lo, incluindo a marca de calçado desportivo norte-americana Nike.
Filipe Almeida procura trabalhar sempre em parceria, envolvendo troca de produtos. “Eu dou do que tenho, eles dão o que têm e é isso que nos tem ajudado muito a ultrapassar restrições de sermos uma empresa pequena, porque sentimos muito isso”, diz.
O artesão acredita que o sector é um “filão”, que se está rapidamente a internacionalizar, com diversas empresas de vários países a aderirem a esta matéria-prima.
Para além da venda directa – em exposições e também através do site www.acorticeira.pt –, trabalha com lojistas um pouco por todo o país. Procura orientar estes últimos para zonas de turismo e já tem alguns dados interessantes em termos de procura. “Sei que há produtos que se vendem muito bem num lado e não se vendem noutro. Por exemplo, os turistas de cruzeiro compram muitas malas, carteiras de senhora e sapatos”, conta Filipe Almeida.
O mercado interno é importante, mas as exportações já representam a maior parte do volume de negócios, cerca de 65%. Espanha, França e Holanda são os principais destinos.
Gama alta por explorar
Durante estes seis anos de actividade com a cortiça, Filipe Almeida chegou a ter uma outra empresa, a Lusitanas, com mais dois sócios. A oportunidade surgiu depois de vender um par de sapatos a um responsável pelo marketing de uma empresa do ramo automóvel de Setúbal, em 2011 na Feira Internacional do Artesanato, na FIL. Alguns meses depois voltou a encontrá-lo na Natalis e foi aí que surgiu a proposta de sociedade. Filipe Almeida ficou com a produção e os dois sócios cuidavam do marketing e do design das peças.
A empresa dedicava-se a produtos de gama alta e “começámos muito bem, com crescimento rápido, mas ela achou que podia seguir sozinha, desfez a sociedade e acabou por não lhe correr bem”, conta Filipe Almeida.
O empresário diz que aquela franja do mercado continua por preencher, mas não se quer dedicar a ela. “Queremos um negócio pequeno, mais calmo, já temos uma clientela muito jeitosa, queremos ser-lhes fiéis, com uma capacidade de inovação suficiente para os manter”, sustenta Filipe Almeida.
A Corticeira é puramente familiar e nela trabalham apenas o casal. Trabalho não falta. Desde o início da actividade, a empresa tem vindo sempre a crescer o seu volume de facturação, embora Filipe Almeida não tenha revelado os valores. E a tendência continua a ser de crescimento. “Este ano crescemos de tal maneira que parámos de vender em certas alturas por não termos garantia de produção com qualidade”, assume.
O início de 2016, embora ainda com poucos dias, também já está a superar as expectativas, o que até já impediu que o casal tirasse as férias que estavam pensadas para esta altura.
Cortiça versus couro
A utilização da cortiça em vestuário, calçado e acessórios é comparável ao couro, mas com diferenças significativas. Vantagem óbvia é que Portugal é o maior produtor mundial de cortiça e com qualidade reconhecida a nível global. O tecido de cortiça é uma inovação da Corticeira Amorim. A cortiça é compactada, colada e laminada numa fina folha que é aplicada sobre tecido de algodão, o que lhe dá maleabilidade, flexibilidade e resistência.
As vantagens deste tecido passam por ser biológico, de origem 100% vegetal e biodegradável, o que responde a uma crescente procura do que é ambientalmente sustentável.
As aplicações são tantas quanto a imaginação permitir. Pode ser aplicado em peças de vestuário, em acessórios como carteiras, porta-moedas, bolsas, chapéus, guarda-chuvas, cintos, ou ainda em calçado. A cortiça é naturalmente impermeável e suporta lavagem, à mão ou à máquina a frio, embora não seja recomendável fazê-lo com frequência. Para além disso, não existem dois tecidos de cortiça iguais, pelo que qualquer objecto será sempre único.
Joel Ribeiro
jribeiro@gazetadascaldas.pt






























