Caixas agrícolas independentes dizem-se mais resilientes a crises financeiras

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Gazeta das Caldas
Cerca de 60 pessoas, na sua maioria ligadas às caixas agrícolas, assistiram à conferência

Numa conferência que pretendia debater as dinâmicas do crédito agrícola, as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo independentes disseram-se mais resilientes às crises financeiras e oscilações do mercado. Isto porque são pequenos bancos, com fortes ligações aos locais onde estão inseridos e porque não têm a componente especulativa dos outros bancos.

O facto de serem pequenos bancos locais, próximos das populações, e de não terem a componente especulativa faz com as cinco Caixas de Crédito Agrícola independentes (Bombarral, Chamusca, Leiria, Mafra e Torres Vedras) sejam mais resilientes a crises financeiras. Tal conclusão foi apresentada por Ricardo Cruz, professor na Universidade Católica do Porto, na conferência “A Banca e a Terra – Dinâmicas do Créditos Agrícola”, que decorreu a 30 de Agosto no Bombarral e que foi promovida pela Agrimútuo – Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo (que une as cinco independentes).
Ricardo Cruz, que já exerceu funções de assessoria a vários ministérios, analisou o que aconteceu no sistema bancário na década subsequente à crise e concluiu que entre 2008 e 2016, na zona euro, o sistema bancário perdeu 6,4 triliões de activos (17% do total), desapareceram 17.700 instituições bancárias (a maior parte fundiu-se) e foram suprimidos 41 mil balcões (21% do total), além de terem sido extintos 490 mil empregos (mais de 20% do total).
Em Portugal os números são parecidos: quebras de 27% nos activos, 17% dos bancos desapareceram, tal como 25% dos balcões. Nesta década o quadro de pessoal foi reduzido em 32%, o que corresponde a perto de 20 mil pessoas.
Ricardo Cruz defendeu que as Caixas Agrícolas Mútuas Independentes são “mais rentáveis e com menor risco” do que o sistema bancário por accionistas. O professor baseou-se no indicador rendibilidade-risco na década 2008-2017 e notou que no sistema bancário este número é negativo (-0,48%) enquanto que no Sistema Integrado das Caixas Agrícolas Mútuas (SICAM) se ficou pelos 0,71% e no conjunto das cinco independentes (CCAM5) foi de 1,48%.
“As caixas foram absolutamente resilientes à crise, não houve um único ano em que tenha havido uma caixa agrícola independente com um resultado negativo ou perto de zero”, salientou Ricardo Cruz.
Segundo os dados que Ricardo Cruz apresentou, o sistema bancário na sua totalidade registou nesta década perdas no activo total líquido de 19%, enquanto que o SICAM cresceu 44% e as cinco independentes 33%.
A solvabilidade é muito superior nas cinco caixas independentes (26,8%) do que na média do sistema bancário (10,2%). Em termos de depósitos, o crescimento do SICAM (31%) e das CCAM5 (28%) é superior à média do sistema bancário (19%), tal como acontece no crescimento do capital próprio: nas CCAM5 foi superior ao dobro da média do sistema bancário (71% para 35%).
Acresce que as cinco caixas que não fazem parte da Caixa Central apresentam um muito menor rácio Crédito/Depósitos. “É claro e nítido que o Sistema de Crédito Agrícola Mútuo em Portugal foi um porto de abrigo para as poupanças de muitos residentes na última década”, referiu.
Em termos de eficiência, um indicador que mede o valor gasto para gerar proveitos, tanto o sistema bancário no geral, como o SICAM registam melhores valores. Mas em contrapartida, as independentes apresentam um risco menor.
Outro dos pontos fortes destas cinco caixas é a sua proximidade e fidelidade dos clientes.
Comparando com o sistema bancário nacional, Ricardo Cruz explicou que as cinco independentes fecharam três em 50 balcões, uma percentagem bastante inferior à média.

AS MUDANÇAS NA AGRICULTURA

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Carlos Miguel, secretário de Estado das Autarquias Locais, falou das autarquias endividadas, notando que “apenas 10 dos 308 municípios apresentam situações financeiras desequilibradas”.
O governante referiu a importância destes bancos de proximidade para a agricultura, que foi o sector “que agarrou a economia durante a crise”, com investimentos em contraciclo. Carlos Miguel recordou também que em Dezembro de 2009 houve um temporal no Oeste que dizimou grandes investimentos e que a Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras “foi o sustentáculo económico da recuperação agrícola”.
Mas este é um sector que tem atravessado muitas mudanças que obrigam a repensar o negócio de uma caixa… agrícola.
António Serrano, professor catedrático da Universidade de Évora que foi ministro da Agricultura entre 2009 e 2011 (segundo governo de Sócrates), mencionou que houve uma inversão que afastou muita gente do campo. “A agricultura representava 55% do PIB nos anos 50 e hoje representa apenas 6%”, fez notar, acrescentando que, com as florestas, este valor chega aos 11%. “Hoje Portugal não é rural e isso para nós não é uma vantagem, é um problema”, referiu António Serrano.
Num retrato da evolução dos últimos 70 anos, o antigo ministro assinalou que na última metade do século passado, o sector atravessou os planos industriais, a guerra colonial e o fim da ditadura, chegando aos anos 80 e à entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE). “Entrámos na pior altura para a agricultura, porque se vivia uma fase de produção de excedentes e as primeiras políticas foram a redução da actividade produtiva”. Depois, quando o sector se tentava modernizar e vivia uma fase de investimento, dá-se a crise financeira.

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