As pequenas oficinas passaram a unidades fabris. Os operários especializados substituíram os artesãos. O calçado, um sector tradicional, foi-se industrializando por todo o país. Benedita, “terra de sapateiros”, não foi excepção. Hoje, o caminho das principais empresas de calçado desta localidade tem sido apostar na diferenciação, produtos de design e nichos de mercado.
A conferência “Calçado e Marroquinaria”, organizada pelo jornal Região de Cister, deu a conhecer a realidade deste sector, tanto a nível nacional como na Benedita. A sessão realizou-se no dia 30 de Novembro, nas instalações da Jomarpi.
Miguel Sá Pinto, presidente da IAPMEI (Agência Para a Competitividade e Inovação), abriu a conferência, em substituição do ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, que não pôde estar presente devido à antecipação de uma reunião do Conselho de Ministros. Valendo-se de números, Miguel Sá Pinto realçou o crescimento do sector do calçado nos últimos anos, salientando que os empresários souberam manter uma atitude firme num quadro competitivo cada vez mais exigente.
“A indústria do calçado atingiu há dias o sétimo recorde consecutivo das vendas para o exterior, notando-se um aumento de 3,7% das exportações face ao período homólogo do ano passado”, frisou o convidado, revelando que anualmente Portugal exporta para 150 países, o que equivale a 70 milhões de pares de sapatos avaliados em quase 2 mil milhões de euros.
Outro dado que evidencia que o sector se encontra numa fase de crescimento é que as empresas ligadas ao calçado já submeteram 78 novos projectos de investimento no âmbito do Portugal 2020, num total de 33 milhões de euros. Além disso, nos últimos anos foram criados mais de 9.000 postos de trabalho, empregando a indústria 43 mil pessoas por todo o país.
“Para quem há uns anos dizia que as empresas industriais dos sectores tradicionais estavam em declínio, estes números mostram bem o esforço que tem sido feito pelos empresários”, afirmou Miguel Sá Pinto, elogiando a organização da conferência por constituir um ponto de encontro para a população e empresários, mas também uma oportunidade para a partilha de conhecimento e boas práticas.
BENEDITA, SUB-CAPITAL DO CALÇADO
Das 1400 empresas de calçado que existem em Portugal, a maioria concentra-se no Norte do país, em São João da Madeira e Felgueiras. Benedita pode ser considerada a “sub-capital” do calçado, com mais de 50 negócios dedicados a este sector e 30% da população empregada a trabalhar no calçado e na marroquinaria.
Entre as fábricas que aqui estão instaladas e facturam milhões de euros, destacam-se a Hugal, Sindocal e Jomarpi. Há também empresas que têm várias décadas dedicadas aos sapatos, como a Trofal, J. Marcelo e Armazéns de Calçado Adric. Entre as mais novatas encontram-se a Labuta, marca criada apenas há um ano, e a empresa Rafaela Silva, que existe desde 2011. No ramo da marroquinaria, a Lebasi e a JRF & Filhos são duas empresas a ter em conta.
Na Benedita, a profissão de sapateiro começou por ser um complemento à agricultura. No século XX, muitos dos sapatos ainda eram feitos na casa dos clientes, vendidos maioritariamente a pessoas que trabalhavam no campo ou em feiras. O negócio passava de geração em geração e, nos anos 50, estima-se que houvesse 750 sapateiros e 120 oficinas na Benedita. Na década seguinte, um trabalho que era artesanal, passou a ser industrializado e efectuado por operários especializados. As oficinas foram substituídas por unidades fabris.
Hoje, inseridas numa economia global, as empresas da Benedita têm apostado na diferenciação e em nichos de mercado. Por exemplo, várias dedicam-se a segmentos especializados, como o calçado militar e para bombeiros, calçado técnico (golfe, motociclismo, equitação), calçado ecológico ou linhas topo de gama. Nalguns casos, como na Jomarpi, foi necessário fazer reajustamentos, reduzindo-se a dimensão da empresa e a quantidade de pares produzidos para se investir em sapatos com valor acrescentado que são vendidos a preços superiores.
Na opinião de Eduardo Costa, director da Academia de Design e Calçado, “o caminho das empresas deve ser apostar na diferenciação e em produtos de design, procurando inserirem-se no mercado da moda”. O convidado acrescentou que “no dia em que Portugal vender um sapato por um euro, a China vende-o por zero euros”. Por isso mesmo, é necessário “criatividade e traçar o objectivo de sermos um centro de moda do calçado”.
A conferência “Calçado e Marroquinaria” inseriu-se no projecto Made In Cister, desenvolvido pelo jornal Região de Cister, que pretende dar a conhecer os principais sectores económicos de Alcobaça. Além da palestra, o semanário realizou um documentário e publicou um suplemento dedicado ao tema.
Made in Italy versus made in Portugal
O que distingue um sapato português de um sapato italiano? “A diferença não está na qualidade do produto nem do fabrico nem das matérias primas. O calçado italiano é vendido 40% mais caro que o português porque o primeiro é associado a um sapato de moda”, defendeu Eduardo Costa. Este acrescentou que o curso de Modelação que em Portugal tem o custo de 1000 euros, em Itália ascende aos 9000.
Pedro Olaio, responsável da marca Labuta, completou esta ideia, frisando que os italianos “vendem-se bem”. Como exemplo, o convidado recordou um episódio que viveu em Milão, quando lhe venderam umas castanhas embrulhadas num cartuxo muito bem apresentado. Acontece que estas castanhas eram piores que aquelas que costuma comprar a uma senhora de Leiria, que as vende em cartuchos sem graça. “A apresentação conta muito, mesmo que o produto seja pior”, realçou, acrescentado que Portugal tem que trabalhar nesse aspecto para que a etiqueta “Made In Portugal” tenha o mesmo valor que “Made In Italy”.
































