A Balbino & Faustino completou no ano passado 35 anos. A empresa, que tem sede no Facho (Alcobaça), produz e comercializa derivados de madeira e acessórios destinados à indústria do mobiliário (folha de madeira, orlas, painéis e placas folheadas). A crise fez recuar o seu volume de vendas em quase quatro milhões de euros, mas no ano passado teve o seu melhor ano de sempre, em que as vendas atingiram os 34,5 milhões de euros. Organização, modernização e sustentabilidade são as bases do sucesso desta empresa, que passou a crise sem diminuir a sua força de trabalho. De resto, tem vindo a aumentá-la e já atinge os 204 colaboradores.

Alguma vez pensou de onde vieram os acabamentos da mobília da sua casa, dos rodapés, das aduelas das portas, ou das próprias portas? Pode muito bem ser que venham de mais perto do que imagina. No concelho de Alcobaça há uma empresa que se especializou primeiro a comercializar, depois também a fabricar este tipo de produtos, sem os quais as nossas habitações seriam muito mais… sem graça.
A Balbino & Faustino iniciou a actividade em 1980 como uma microempresa familiar. Aproveitou o crescimento da construção para se desenvolver sempre de forma gradual e sustentada até se transformar, hoje, numa PME de grandes dimensões.
A empresa foi criada no Facho, na freguesia da Cela. José Faustino e o cunhado José Balbino fundaram-na e construíram as primeiras instalações onde hoje a empresa mantém a sede, num terreno que lhes foi doado pelo pai.
A história tem uma ligação às Caldas. Depois da tropa, José Faustino foi trabalhar para o armazém de madeiras de Alberto Horta, onde esteve três anos. De lá saiu para trabalhar numa outra companhia ligada ao sector das orlas (tiras em madeira ou em PVC que servem para rematar móveis). José Balbino regressava nessa altura da Alemanha com interesse em estabelecer-se por conta própria e aceitou o desafio de José Faustino.
A Balbino & Faustino inseria-se num cluster industrial sediado na zona de Pataias, baseado nas melaminas (produto sintético de revestimento de móveis), material que tornava os móveis mais acessíveis que os de madeira maciça, cuja produção está baseada no Norte. Os materiais mais acessíveis eram mais apetecíveis numa economia que estava em franca expansão após a revolução de 1974.
“Havia muita coisa para construir, houve um boom da construção em Lisboa e na periferia, o que levou a que a economia crescesse por arrasto. Até início da década de 90 todos os dias se construíam prédios novos e havia necessidade de cozinhas, casas de banho, estúdios”, conta Marco Faustino, responsável pela produção e filho do fundador José Faustino.
O mercado estava em crescimento e a empresa soube responder-lhe, tanto ao nível das exigências do mercado, como dos novos produtos que surgiam. Além das orlas em PVC, abriu-se a necessidade por orlas em folha de madeira. “Apareciam muitos móveis com revestimento em folheados com madeiras mais nobres e não fazia sentido fazer o acabamento do topo do móvel com imitação de madeira”, explica Marco Faustino. As orlas em madeira natural vendidas em Portugal vinham sobretudo de Espanha e França. Foi a oportunidade para lançar a Balbino & Faustino no ramo industrial. Já com António Balbino também associado na empresa, foi adquirida uma máquina para cobrir esta necessidade que existia no mercado.
“Começámos a produzir orlas em 1986 e dois anos depois começámos a exportar”, acrescenta Marco Faustino.
Durante a década de 90 a expansão continuou, com o início da produção de painéis e o aluguer do primeiro armazém na Amadora, que mais tarde deu origem à construção de instalações próprias em Pêro Pinheiro (concelho de Sintra). “Pela dimensão do mercado era importante termos uma presença física na região de Lisboa”, refere Marco Faustino.
É também na década de 90, já na segunda metade, que a empresa chega ao Norte do país, com a abertura de um armazém em Gandra (Paredes).
A CRISE, UM MUNDO DE OPORTUNIDADES
É já na década de 2000 que a expansão começou a tomar maiores proporções. E se a crise que chegou para ficar em 2008 constituiu um sério obstáculo, a empresa encarou-a como um desafio que ultrapassou com distinção.
Ainda antes da crise se instalar, em 2004 a empresa adquiriu uma prensa para fabrico de placas folheadas e em 2007 inaugurou um armazém em Estói (Faro). O Algarve é um mercado muito diferente do que tinha até então. “Estamos mais próximos do consumidor final, com margens mais simpáticas porque a concorrência não é tão grande”, explica Marco Faustino.
O ano de 2007 representou o final de um ciclo de 27 anos de crescimento quase ininterrupto (a excepção tinha sido 1995). A empresa atingia os 34 milhões de euros em vendas, mas depois surgia a crise que afectou muito o sector da construção e o das madeiras por arrasto.
“Quando a crise começou a sério as vendas caíram quase três milhões de euros em três ou quatro anos, mas também levou a que a concorrência desaparecesse ou enfraquecesse”, conta Marco Faustino. Uma oportunidade que a Balbino & Faustino não deixou escapar. Em 2009 instalou-se em Barcelos e um ano depois inaugurou as instalações em Frazão (Paços de Ferreira). A presença na capital do móvel não é difícil de explicar. “É um mercado tão grande que se fechassem metade das empresas continuava a ser grande. É importante estarmos lá e é dos armazéns que mais cresce neste momento”, refere o gestor.
A empresa expandiu-se também para Leiria, onde o desaparecimento de empresas do sector lhe permitiu chegar a novos clientes do norte do distrito e da região Centro, e abriu as portas para a representação de novas marcas e produtos.
A estratégia para combater a crise passou também por uma nova abordagem à organização interna e à gestão de recursos humanos. “Decidimos que não despedíamos ninguém e isso teve custos elevados: tivemos perdas muito elevadas em algumas secções”, recorda.
Um das soluções foi adaptar alguns dos colaboradores para funções que a empresa contratava a serviços externos, como as limpezas.
Mas o processo de reorganização foi muito além disso. A administração da empresa deixou de se preocupar com os processos operacionais, que delegou em responsáveis de secção, para se focar na gestão e na visão estratégica. “Temos uma gestão mais presente, mas não interveniente, temos processos de negócio mais autónomos e ligados entre si, que tornam a empresa mais funcional”, sustenta Marco Faustino.
Por outro lado, a crise alterou o modelo dos negócios. “Quem comprava à palete passou a comprar à unidade”, o que obrigou a que o trabalho de logística passasse a ser muito maior, explica o gestor. “Pensar a logística de forma profissional significa poupar muito dinheiro e servir melhor o cliente”, acrescenta.
A rapidez das entregas, além da diversidade, é um trunfo que a Balbino & Faustino apresenta face à concorrência, por exemplo, do mercado chinês. “Tivemos clientes que passaram a comprar na China e voltaram quase todos porque os produtos demoram muito tempo a chegar. O nosso desafio é sermos mais eficazes, mais rápidos, gerir melhor os stocks”, sublinha o gestor. Exemplo da rapidez do serviço da empresa alcobacense são as orlas produzidas no Facho, que têm prazo de entrega em 24 horas em qualquer ponto do país.
Parte deste processo consistiu no investimento em sistemas informáticos de gestão de stocks e de indicadores como vendas, aprovisionamento, prazos médios de pagamento e de recebimento, manutenção, recursos humanos e reclamações. Com estes dados a administração pode tomar decisões “que de outra forma não conseguia”, defende Marco Faustino, assim como identificar e corrigir os processos que não estão a funcionar bem.
A empresa criou ainda um departamento de Marketing e Desenvolvimento, que estuda novos produtos e estratégias de promoção. “Posso ter um produto fabuloso, mas se o meu cliente não souber que o tenho, não o vendo”, sustenta Marco Faustino.
A CRESCER
Em 2012 a Balbino & Faustino iniciou a retoma, mas foi em 2015 que todas as estratégias adoptadas permitiram que as vendas ultrapassassem o pico registado em 2007, com um crescimento de 8% face a 2014. “Este ano também estamos com um crescimento sustentado e o objectivo é chegar aos 35 milhões”, refere Marco Faustino.
A empresa cresce igualmente no número de colaboradores, que desde a retoma em 2012 já cresceu de cerca de 170 para os 204. “Voltámos a contratar em força para a produção no ano passado porque tínhamos muitas carências e precisávamos de mais pessoas para crescer”, explica.
O que a retoma não traz é conformismo. A administração continua a pensar na estratégia e 2017 será “um ano para perceber algumas soluções” que podem passar pela presença em novos mercados. “Até fisicamente”, realça Marco Faustino. A empresa está também atenta ao e-commerce. “Continuamos a ter o cliente de há 30 anos, mas também começamos a ter o cliente do amanhã, mais tecnológico, que vai querer comprar à 1h00 da madrugada e temos que nos adaptar às novas exigências”, completa.
Derivados garantem utilização sustentável da madeira
É impossível falar de madeiras sem falar da questão ambiental. E esta é uma questão que diz muito à Balbino & Faustino. A empresa é certificada pelas normas ambientais FSC (Forest Stewardship Council), para o bloco americano, e PEFC (Programme for the Endorsement of Forest Certification), para o bloco europeu. Estas garantem, desde o abate ao produto final, que a madeira provém de floresta sustentável.
Marco Faustino diz que a sustentabilidade ambiental passa muito pela “utilização eficaz” da madeira e, nesse sentido, os derivados são uma solução “muito mais ecológica”.
Pegando como exemplo uma mesa, esta pode ser feita em aglomerado com madeira de baixa qualidade e o aspecto melhorado com uma folha de madeira de 4,5 milímetros. “O maciço é pouco amigo do ambiente, consome recursos valiosos, utiliza mais madeira e tem mais desperdício”, explica.
A Balbino & Faustino é certificada nas duas normas porque utiliza madeiras de todo o mundo, embora cerca de 90% tenha origem na Europa e na América do Norte. Aqui a regulamentação é muito apertada, o que garante qualidade e a reflorestação.
Marco Faustino realça, no entanto, que é ainda mais difícil comprar madeiras africanas e sul-americanas de matas não certificadas. “Acabam por ser ainda mais controladas pelos anos de más práticas, foi muita gente presa no Brasil por cortar espécies protegidas e o mercado regulou-se de forma interessante”, assegura.
A crise fez com que o consumo de madeira caísse em relação aos materiais sintéticos a imitar madeira, que a empresa também vende. A vantagem do produto natural é a sua singularidade. “A madeira tem uma beleza que não é imitável, cada tronco tem uma estrutura e cor próprias, nas melaminas os padrões são todos iguais”.
E explica porquê: “Duas árvores que crescem na mesma mata com exposição solar diferente têm cores diferentes, se naquela mata há mais pica-paus a madeira vai ter mais nós, se há mais água o crescimento é mais rápido e os anéis mais finos, se apanhar uma grande seca a madeira é mais apertada”. E há mercado para todos os tipos de padrão, tanto para os rústicos, como para uma madeira imaculada.
Para algumas espécies, a empresa vai à própria floresta selecionar os troncos, como é o caso do carvalho americano.
A questão ambiental não se resume, contudo, no processo anterior à venda. A empresa sempre primou pelo seu papel de responsabilidade social, através de apoio a colectividades e mecenato, e tem em estudo projectos ambientais a desenvolver em espaços verdes com os municípios de Caldas e Alcobaça. J.R.
Um mundo de madeira
A Balbino & Faustino é um mundo de madeira. Marco Faustino não sabe de cabeça quantas são as (mesmo muitas) toneladas de madeira que a empresa tem em armazém. Mas não deixa de saber de cor algumas características interessantes. São cerca de 80 mil os artigos distribuídos pelos cinco armazéns que tem no território nacional. Só em folha de madeira natural são cerca de 2 milhões de metros quadrados (o suficiente para cobrir 200 campos de futebol), em mais de 50 espécies de árvore diferentes.
Mas a oferta da empresa é muito maior que as folhas de madeira pois comercializa placas folheadas (placas de aglomerado revestidas a folha de madeira), orlas, contraplacados, pavimentos, portas, painéis sanduiche, termolaminados, melaminas, painéis acústicos, madeira maciça e também componentes e acessórios, como vernizes.
O principal segmento de negócio é o retalho – compra em grosso, venda em pequenas quantidades e distribuição – que representa cerca de 70% do volume de negócios. Os restantes 30% representam a vertente industrial da empresa na transformação da folha de madeira.
O mercado nacional absorve praticamente todo o negócio da empresa. No ano passado as exportações representaram cerca de 0,6% das vendas, à volta de 210 mil euros. A Europa é o principal destino, embora também sigam produtos para a América do Sul, um mercado onde a empresa quer crescer.
Os principais clientes são industriais, mas existe já uma vasta gama de produtos que podem ser adquiridos pelo cliente final. J.R.
Uma administração sui generis
Dois dos três sócios iniciais mantêm-se na empresa (José Balbino faleceu), mas as três famílias continuam na gestão, através da segunda geração. Cada família tem um filho na administração. Ao todo são cinco pessoas na administração, o que Marco Faustino considera “sui generis”.
Os fundadores estão reformados, mas continuam a ter um papel activo e importante na organização, pela experiência que têm do mercado, das madeiras e da relação com os clientes.
Os três elementos da segunda geração têm, cada um, a responsabilidade por um processo operacional, mas com um papel de gestão mais de estratégia.
Marco Faustino refere que há “conflitos geracionais, maneiras diferentes de ver as situações”. A forma como os ultrapassam é resumida num episódio com um fornecedor norte-americano. “Perguntou se por vezes não discordávamos uns dos outros e como fazemos quando isso acontece. Respondi que quando as posições estão mais extremadas temos que votar. Ao que ele retorquiu: e os que perdem aceitam? Sim, chama-se democracia”, conta o gestor.
O que faz ultrapassar as posições diferentes é o gosto que têm pela empresa e o empenho para que se cumpram os objectivos estratégicos: crescer e gerar valor.J.R.
































