
A investigação ligada à agricultura tem ajudado a que os frutos e legumes cultivados no país sejam cada vez mais reconhecidos nos mercados interno e externo como produtos que se diferenciam pela qualidade. Se a agricultura é uma actividade tradicional, tem sabido beneficiar das melhorias introduzidas pela investigação científica, numa cooperação que o Centro Operativo Tecnológico Hortofrutícola Nacional (COTHN), com sede em Alcobaça, tem ajudado a desenvolver. O Centro também trabalha para agregar cada vez mais as organizações de produtores e diz que a Pêra Rocha e a Maçã de Alcobaça são exemplos na forma como a organização pode potenciar um produto aquém e além fronteiras.
O COTHN foi criado em 2001 e surgiu da necessidade de renovar as práticas agrícolas através da introdução de tecnologia e métodos de organização da produção. Já existia nessa altura um volume significativo de trabalho de investigação que podia beneficiar em muito os processos produtivos, no entanto a fileira não estava preparada para receber o progresso, muito por força da diferença de linguagem utilizada no campo e nas universidades.
É precisamente para fazer esta ligação que o COTHN surge vocacionado. Esta ligação é estabelecida através de iniciativas que vão desde dias de campo em pomares experimentais a colóquios. O objectivo é sempre o mesmo, levar os problemas que afectam a realidade diária dos produtores à comunidade científica, para que esta encontre soluções. Já os investigadores contribuem também com novos métodos que proporcionam um melhor rendimento das culturas.
Como complemento desta relação, o Centro também faz anualmente os balanços de campanha com os principais agentes do sector hortofrutícola. Nestas acções debate-se o que correu bem e o que correu mal na campanha. “Ajuda-nos a perspectivar o trabalho do ano seguinte, para solucionar os problemas que afectaram a produção”, sustenta Carmo Martins, secretária-geral do COTHN.
Este nem sempre é um trabalho com resultados visíveis à vista desarmada, até porque das variáveis que contribuem para que um ano de produção seja bom ou mau, muitas fogem ao controlo directo do Homem. Mesmo assim, passados 15 anos da criação do COTHN, Carmo Martins considera que a abertura do sector ao que a investigação traz de novo é hoje muito maior do que era em 2001 e isso deve-se em boa parte à crescente profissionalização do sector e também ao recurso a técnicos com formação académica.
O reforço da interação do meio académico com o meio produtivo faz do COTHN um parceiro estratégico no acesso a programas de investimento para o sector. No âmbito do PRODER 2016 o Centro apoiou directamente 10 projectos de inovação em áreas como os problemas fitossanitários, a conservação dos produtos e os sistemas de apoio à decisão para o agricultor.
Para o quadro 2020 estão já a ser desenvolvidos projectos sobre fitossanidade e qualidade. O COTHN está ainda a apoiar a promoção de outras candidaturas no âmbito da Maçã de Alcobaça e das prunóideas da Cova da Beira (cerejeiras, ameixeiras e pessegueiros).
AGREGAR PARA GANHAR DIMENSÃO

Levar os novos métodos que a investigação académica desbrava à produção é, no entanto, apenas um dos aspectos que o COTHN trabalha. Dos 63 associados que a instituição tem, cerca de metade são organizações de produtores de vários pontos do país, desde Belmonte, passando pela Guarda, Castelo Branco até ao Alentejo.
Carmo Martins vê nestas organizações um grande potencial para o desenvolvimento da agricultura enquanto agente económico do país. É por isso que um dos objectivos do Centro é agregar cada vez mais organizações.
Neste momento existem contactos com as fileiras do kiwi e da laranja, cuja representação ainda é reduzida no COTHN. Também há contactos para as fileiras do ananás dos Açores e a da banana da Madeira. “Sentimos que podemos dar apoio ao seu desenvolvimento”, refere Carmo Martins.
No Oeste o Centro procura igualmente aumentar o apoio à parte hortícola. “Esse sector não tem quem o represente, estamos a tentar juntar estas entidades, juntamente com Santarém, onde temos feito um trabalho muito próximo com os produtores hortoindustriais de tomate e de batata”.
A agregação dos produtores com culturas semelhantes é, por um lado, ganhar dimensão que facilita a entrada dos produtos no mercado. Por outro, cada uma das fileiras pode também ganhar da partilha de conhecimento que leve à criação de pólos de desenvolvimento de cada uma das fileiras.
Com isto, o COTHN espera “ganhar músculo”, até para reivindicar políticas agrícolas junto dos governos, refere Carmo Martins. “Se soubermos identificar as necessidades de cada cultura é mais fácil levar o Governo a traçar estratégias de desenvolvimento”, acrescenta.
Neste âmbito, a secretária-geral aponta a Pera Rocha do Oeste e a Maçã de Alcobaça como exemplos. “A Região Oeste é a que tem mais organizações de produtores no país. Desta forma ganham dimensão, conseguem chegar a mercados que sozinhos não conseguiam e, além disso, incorporam mais facilmente o conhecimento”, atesta.
O que o COTHN pretende é transpor este exemplo para outras fileiras. “Temos um potencial enorme, cerca de uma dezena de Denominações de Origem Protegida (DOP) e Indicação Geológica Protegia (IGP), tudo o que é necessário é uma maior organização destas fileiras para as podermos valorizar mais”, afirma.
Portugal tem, de resto, condições únicas para a produção hortofrutícola: mais horas de sol que qualquer país da Europa e a margem atlântica permite tirar proveito das condições de crescimento, coloração e aroma. “Precisamos de estudar esta diferenciação para ter suporte científico dessa diferenciação e usá-la como ferramenta de marketing”, observa Carmo Martins.
JOVENS TRAZEM IDEIAS NOVAS
A falta de emprego tem levado muitos jovens de volta à agricultura, muitos deles com projectos próprios. A secretária-geral do COTHN considera esta renovação positiva para o sector, até porque muitos destes jovens trazem novas ideias. Uns deles surgem direccionados para novas culturas, outros trazem a mente aberta à introdução de novas tecnologias.
A questão das novas culturas tem aspectos positivos, até porque “temos um problema de monocultura da Pera Rocha e se há problema temos muitos agricultores e serviços associados que ficam em dificuldades”, observa.
Há, contudo, que analisar bem que tipo de culturas alternativas se introduzem. Primeiro, é preciso perceber em que culturas apostar. “Devem ser diferenciadoras, produzidas com qualidade e deve dominar-se bem o sistema produtivo”, realça. Carmo Martins alerta para o facto de haver muitos produtos na moda, mas “nem todas as regiões são ideais para determinado produto e já se cometeram erros deste género”.
Para quem inicia novos projectos, a secretária-geral do COTHN aconselha que mais importante do que estabelecer onde a cultura vai ser feita, é garantir o escoamento. “Sem a parte comercial assegurada não vale a pena produzir, porque no final fica-se com um produto e não se sabe o que fazer com ele”, afirma. A solução para este problema é a filiação numa organização de produtores, que além do apoio ao escoamento também ajuda com o suporte técnico.
Os agricultores mais jovens também têm maior receptividade aos novos métodos e às novas tecnologias, como os drones de avaliação do solo e culturas, ou a monitorização da rega. A agricultura já é um sector altamente tecnológico, a imagem da agricultura tradicional, do desperdício de água e do uso descontrolado de produtos está desactualizada e o rejuvenescimento do tecido empresarial tem contribuído de forma decisiva para mudança de mentalidade, aponta Carmo Martins.
As próprias exigências do mercado também levam a que alguns agricultores com mais idade e sem perspectivas de uma continuidade da família no negócio abandonem o negócio.
Também aqui se abre uma oportunidade. “Pode levar a um aumento da superfície de explorações, e um dos problemas da agricultura nacional é que as produções são pequenas e têm custos de produção elevados”, refere Carmo Martins. No entanto, também existe o risco de propriedades abandonadas potenciarem pragas e doenças. É nesta questão que entram outros parceiros do COTHN, os municípios, que “devem tomar medidas para precaver estas situações, por exemplo com penalizações de IMI nas propriedades abandonadas, ou com benefícios para as que são cultivadas”, sustenta a secretária-geral.
Pomares amigos do ambiente podem ser trunfo para vender a fruta portuguesa

Carmo Martins acredita que uma articulação cada vez mais estreita e abrangente com a comunidade científica pode trazer grandes benefícios para o sector hortofrutícola nacional. Uma das áreas que essa ligação pode ajudar a diferenciar ainda mais o produto português é a da sustentabilidade ambiental. E há muito por onde pegar.
Um dos aspectos que pode beneficiar o nosso país relaciona-se com a pegada ambiental da produção. A secretária-geral do COTHN acredita que se caminha para uma certificação dos produtos por etiquetas de cor, um pouco à imagem da certificação energética dos electrodomésticos e dos automóveis.
Esta classificação pode trazer benefícios para o consumidor que valoriza aspectos como a água consumida, a quantidade de fertilizante gasto e a emissão de carbono resultante da produção da fruta que está a comprar. Este tipo de consumidor procura um produto de maior qualidade, mesmo que o preço seja um pouco mais elevado, o que também significa melhor rentabilidade para quem produz.
O agricultor também poderá beneficiar de um maior controlo dos custos de produção, que poderá utilizar igualmente para projectar a receita de cada campanha.
Mas tão importante como saber as emissões de carbono na produção, é perceber a contribuição dos pomares para sequestro de carbono. “Temos mais horas de sol que os outros países, fazemos mais fotossíntese. Se percebermos e conseguirmos comprovar o que colaboramos no sequestro de carbono – e talvez sejamos das agriculturas mais equilibradas da Europa – isso pode funcionar a nosso favor”, observa Carmo Martins.
Também ligado às questões ambientais está o problema dos pesticidas, cuja utilização tem sido discutida nos fóruns europeus. A questão é problemática para a agricultura nacional devido à proliferação de pragas, que também beneficiam do clima temperado do nosso país.
Carmo Martins refere que já se utilizam menos pesticidas do que no passado, graças à introdução de técnicas de controlo biológico, e que a limitação da utilização é um caminho sem retorno.
O desafio será, por isso, a criação de alternativas, área na qual a investigação terá um papel preponderante. De qualquer modo, Carmo Martins acredita que essas soluções fazem sentido integradas na luta química, até porque as alterações climáticas estão a trazer novos infestantes às produções nacionais. A retirada abrupta dos químicos seria “dramática” para a produção da Pêra Rocha e do tomate industrial, duas das principais culturas do país, adverte.
Também relacionada com a questão ambiental é a utilização dos lençóis freáticos na rega no Oeste, que tem provocado um problema com a qualidade da água. “Estamos perto do mar, temos grandes problemas de salinidade, agravada pela quantidade de furos agrícolas que existem”, refere Carmo Martins. Este problema é sério e a secretária-geral do COTHN alerta que a água “é um bem comum, tem que ser usada de forma cuidada e optimizada”, refere, acrescentando que já existem sistemas de monitorização da rega que têm tendência para ser cada vez mais importantes. De resto, existem medidas do PRODER que apoiam os agricultores que garantam uma rega eficiente.
Os serviços prestados pelo COTHN
O COTHN é uma entidade associação e para manter a sua actividade tem criado uma série de serviços, “sempre em resposta às necessidades dos associados”, sublinha Carmo Martins.
Um dos serviços é o apoio à implementação de referenciais de qualidade, que são fundamentais para a introdução dos produtos no exigente mercado externo e também num mercado interno cada vez mais regulado ao nível da qualidade. Com este serviço, os técnicos do COTHN ajudam os produtores a cumprir os requisitos do caderno de encargos do cliente.
O Centro tem também um serviço de inspecção de pulverizadores, que é obrigatório desde 2010. Existe um laboratório móvel que se desloca à associação de produtores.
Esta entidade também disponibiliza a avaliação do estado de funcionamento dos sistemas de rega instalados. “A água é um recurso escasso, com tendência a ficar mais caro, regar na altura e na quantidade ideal é fundamental para a qualidade do produto e para a poupança do agricultor”, explica Carmo Martins.
O COTHN dispõe ainda de vários sistemas de apoio à decisão do agricultor assentes em plataformas meteorológicas que fornecem dados que ajudam a intervir no controlo de pragas. Os dados são transmitidos através da emissão de boletins enviados por e-mail, ou SMS para os técnicos das organizações de produtores caso o risco de praga seja elevado. Este serviço permite actuar mais cedo e de forma mais eficaz sobre as pragas.
Para completar a sua gama de serviços, o COTHN está actualmente empenhado na criação de um centro de experimentação de equipamento agrícola, que visará homologar equipamentos fabricados em Portugal para serem comercializados noutros países, e também para apoiar os agricultores na escolha das máquinas que mais se ajustam ao tipo de serviço e à geografia dos terrenos agrícolas.
O COTHN tem 63 associados, dos quais metade são associações de produtores de norte a sul do país. Entre os associados estão ainda universidades e escolas agrárias, cinco municípios (Alcobaça, Cadaval, Almeirim, Fundão e Óbidos) e empresas de factores de produção, como a Singenta e a ADP.






























