“Tentei chegar a acordo com a família Calado, mas a única coisa que queriam era dinheiro”

0
820

JUNTAFOZA sentença que manda indemnizar a família Calado em 900 mil euros pelo uso indevido de um terreno é nos dias de hoje a principal preocupação de Fernando Sousa, presidente da Junta de Freguesia da Foz do Arelho. O edil acredita que a sentença do recurso será favorável à autarquia, mas admite que o caso por vezes lhe tira as forças. As limitações de orçamento não dão para grandes obras, por isso o ordenamento e a limpeza são as prioridades, mas há obras que o edil gostava de ver encaminhadas no seu mandato. Entre elas estão a protecção do Penedo Furado, que está em estudo, a conclusão dos miradouros sobre o oceano e a nova Avenida do Mar. A freguesia, que tem 1339 habitantes e 962 hectáres de área, tem a praia e a Lagoa de Óbidos como grande ex-libris e Fernando Sousa acredita que a terra já merecia um grande hotel.

Nome: Fernando Luís Santos Sousa
58 anos
Eleito pelo Movimento Viver o Concelho (MVC)
Primeiro mandato
Profissão: Mariscador
Estado Civil: Casado, duas filhas e um neto

GAZETA DAS CALDAS: Do seu programa eleitoral, que promessas já cumpriu?
FERNANDO SOUSA: Não prometi obras, sabendo do momento difícil das autarquias. O nosso lema é ordenamento e limpeza e por aí estamos a cumprir. O slogan da minha lista era 42 pessoas, 42 ideias e no final apresentaremos essas ideias, cumpridas na íntegra.

- publicidade -

GC: Há alguma coisa que queria já ter feito e ainda não fez?
FS: O orçamento dá para pouco mais do que as limpezas e uma ou outra pequena obra. Mas há uma, no acesso junto ao Penedo Furado, que estava prestes a ser iniciada pelo executivo anterior. Em conjunto com a Câmara acordámos não avançar sem que o estudo do prolongamento da Avenida do Mar estivesse concluído, porque esta vai desembocar precisamente nesse local. Não fazia sentido gastar agora 120 mil euros para depois destruir tudo quando se fizesse a nova Avenida, que espero que seja adjudicada ainda neste mandato.
Também gostava de ver o passadiço do mar terminado. É uma obra que até foi premiada por um organismo de grande envergadura. A Câmara das Caldas e a Junta da Foz não são culpados. Quero que fique bem assente. Há pessoas que não deixam terminar a obra. E não me quero alongar porque já falei muito sobre isso. Quem ler a entrevista sabe porquê e quem não sabe que pergunte.

GC: E a quem devem perguntar?
FS: Perguntem na Assembleia de Freguesia, na Câmara, ou na Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que os técnicos respondem. Mas sublinho, não há culpa alguma da Junta de Freguesia nem da Câmara.

“Estamos numa situação em que temos tudo a perder”

GC: Quais são os principais problemas da Junta de Freguesia?
FS: A sentença proferida pelo tribunal no caso das pedreiras contra a Junta. Por vezes tira-me as forças porque estamos empenhados numa situação em que temos tudo a perder. Sou amigo da família Calado. Mas enquanto for presidente da Junta vou até às últimas consequências para defender esta freguesia e para que ela se chame sempre Foz do Arelho e não Quinta da Foz. Acredito plenamente que há histórias muito mal contadas.

GC: Acredita que a sentença é reversível?
FS: Eu acredito na justiça do meu país e não quero deixar de acreditar. Porque se ver que a justiça, com alguns dados mais concretos, não é tolerante, então deixo de acreditar e o meu mandato acaba aí, não quero mais. Não digo que a sentença foi mal proferida, no entanto acho coisas do outro mundo. Ainda não tinha dito ao povo da Foz, mas tentei sentar-me nesta sala com a família Calado para chegar a um acordo, a única coisa que queriam era dinheiro por isso a solução é recorrer para o Tribunal da Relação.

GC: Caso a decisão se mantenha, como vai afectar a Junta?
FS: Eu sinceramente não acredito que o veredito do Tribunal da Relação seja o mesmo. Sei de antemão que a nossa indemnização tem que ser paga. O terreno é da família Calado e não é isso que estamos a pôr em causa, é a indemnização. Se a família Calado já recebeu 600 mil euros de um terreno que era mato e quer mais 900 mil euros, 1,5 milhões de euros portanto, pergunto se aquilo é uma mina de ouro, diamantes, ou o que é? É uma coisa estranha para mim e para todas as pessoas que analisam este caso.

GC: Qual o orçamento da sua Junta de Freguesia?
FS: Quando entrei a Junta tinha um orçamento de 130 mil euros, acrescentámos 35 mil euros por causa da limpeza das praias que foi uma competência que a Câmara delegou. Este ano vamos para os 170 mil euros.

GC: A delegação de competências é uma boa medida?
FS: É uma forma de as juntas terem trabalho e funciona. É pena é que isso não seja acompanhado de receita e estamos a ser um bocado punidos, mas temos que jogar com o que temos, não adianta chorar. Temos a infelicidade de o saneamento do concelho estar muito debilitado, há rupturas todos os dias e como a maquinaria da Câmara está velha, as coisas não funcionam tão bem. Demora muito tempo a reparar o pavimento, o que causa transtorno às pessoas. Quem não conhece a realidade se calhar pensa que a culpa é dos funcionários da Câmara, mas eles não chegam para tudo, ficam muitas vezes a trabalhar até tarde e a maquinaria não ajuda. Também falta mais um ou dois roça caniços. Nós não temos tanto esse problema porque a nossa freguesia já é muito urbana, mas temos alguns caminhos rurais e essas máquinas fazem falta para manter os caminhos limpos.
GC: Tem algumas receitas para além das dotações orçamentais?
FS: Temos o posto dos correios, que dá muito pouco. O parque de caravanas. Não vou dizer que antes não funcionava, mas estava em más condições. Fizemos algumas obras e baixámos o preço para trazer mais pessoas à Foz. E estando cá elas movimentam e deixam dinheiro na terra. No parque de estacionamento da praia fizemos o mesmo. Pedimos um terreno emprestado para fazer um segundo parque, tudo aponta que o vamos adquirir. Baixámos de 1,50 euros para um euro. A Foz é das poucas praias que tem estacionamento em quantidade, as pessoas é que preferem andar às voltas e estacionar mal, arriscando multas, para não pagar um euro por um dia inteiro de estacionamento… Não são grandes receitas, mas ajudam-nos muito.

GC: O parque de caravanas está preparado para as descargas dos liquidos sanitários, atendendo à proximidade da lagoa?
FS: Sim, o executivo anterior deixou-o bem preparado a esse nível.

GC: Como está a escola primária?
FS: Está bem. Estava preocupado quando tomei posse, mas reuni com alguém do Ministério da Educação para aferir das possibilidades da escola. E o que me foi dito é que enquanto não tivermos menos de 15 crianças não fecha, por ser Grandela. Temos à volta de 25 crianças.

GC: Ao nível dos cuidados de saúde, como está a Freguesia?
FS: Estamos bem. Há muita gente na Foz, moradores e gente de férias todo o ano e temos o nosso posto a funcionar segunda, quinta e sexta todo o dia e terça-feira de manhã.
“Se a segunda fase das dragagens não arranca de imediato digam adeus ao dinheiro que gastaram”

GC: Como vê os trabalhos de dragagem na lagoa, até no ponto de vista do mariscador?
FS: A lagoa precisava de uma intervenção profunda sem que os técnicos oscilassem entre várias opiniões. Existe hoje entendimento entre as duas câmaras e as quatro freguesias ribeirinhas e com todos a remar para o mesmo lado as coisas correm melhor. Acho que os canais transversais deviam ter ligação entre si. Enquanto presidente da Junta, a minha preocupação é que depois das eleições se peça outro estudo de impacto ambiental, porque se a segunda fase não arranca de imediato digam adeus a todo o dinheiro que gastaram.

GC: A dragagem durante a época balnear tem tido alguma repercussão na afluência à praia?
FS: Não. Confesso que temi que passar tubos no meio da praia não seria benéfico. Mas utilizámos um terreno da Junta junto ao Penedo Furado para colocar os dragados, o que atrasou a dragagem cerca de 20 dias. Ficou ali um género de uma praia que podemos aproveitar para qualquer coisa, como um parque de merendas. Agora temos mais um cantinho para depositar dragados que deve poder aguentar três semanas. Entretanto Agosto passa e a dragagem em nada prejudica a praia.

GC: Ainda na lagoa, o cais está interdito. Faz falta? Há planos para o substituir?
FS: É um problema do foro do Ministério do Ambiente. Já enviei dois ou três e-mails a quem de direito. Estou preocupado, como o presidente da Câmara e o capitão do porto de Peniche. Todos os dias estão ali pessoas e pode acontecer uma desgraça. Gostava de ter sido presidente de Junta há 20 ou 30 anos, chegava ali com uma máquina, mandava aquilo abaixo e estava resolvido. Hoje as coisas passam por uma série de gabinetes e até se chegar ao “sim” demora muito tempo. Gostava que ele desaparecesse ou que fosse construído um novo até ao final do mandato, mas não sei se será possível pois existem muitos entraves nesses gabinetes todos.

GC: Quais os principais pedidos dos seus fregueses?
FS: Os fregueses não são muito exigentes, pedem o que têm direito e só tenho pena de não poder fazer as coisas imediatamente, porque não há dinheiro nem pessoal. Alertam quando têm erva à frente da porta, quando falta um bocado de alcatrão. Há por vezes alguma contestação, mas isso também faz falta.

GC: E como é que lida com isso?
FS: Tenho que lidar bem. Sou pescador, lidei com uma classe piscatória que é muito pior no temperamento. O pior é quando atingem as pessoas pessoalmente e nos meios pequenos às vezes há essa tendência. Mas tenho a consciência tranquila e estou à vontade para os ataques. Devem é expor os problemas no sítio certo e no momento certo. Vem muita gente às assembleias e as pessoas são correctas.

GC: E como é que chegou à política?
FS: Eu não quis ser político, apesar de ser militante de um partido há 32 anos (PSD). Não me agradava o que se passava na Foz, que estava parada. Chamei a atenção dos líderes do partido que tinha que haver alterações na vida política na Foz. Como sou pescador ninguém me ouviu. Voltei a avisar e disse que se avançasse ganhava as eleições. Disseram-me que não conseguia ganhar, o que me deu força. No dia a seguir apresentei a candidatura [MVC]. Sabia que ganhava porque pertenci a todos os movimentos sobre a lagoa e de defesa da nossa terra e as pessoas sabiam que podiam contar comigo em tudo.

GC: Sente alguma diferença de tratamento na relação com a Câmara por ser um dos dois únicos presidentes de Junta não eleitos pelo PSD?
FS: Conhecia um ou dois presidentes de junta e tive um certo receio que isso acontecesse. Estou completamente entrançado com eles, não houve uma beliscadela de ninguém, pelo contrário. Temos uma relação a 100% com todos e com o Tinta Ferreira é 101%. É uma pessoa que sabe separar as coisas.

GC: E na Assembleia de Freguesia?
FS: É igual. Tenho sido apoiado a 100%. Eles fazem parte da minha equipa, se correr bem somos todos, se correr mal somos todos. Temos assembleias pacíficas, tenho o apoio das pessoas e no dia em que deixar de ter não mereço estar aqui.

GC: Quando se candidatou já sabia que iria ter tanto trabalho?
FS: Um presidente de Junta é para estar presente sempre que é solicitado e isso não me surpreendeu. O que não estava tanto à espera era que fosse tão complexo. É preciso estar sempre a par de toda a legislação, não podemos tomar decisões sem analisar até ao último pormenor.

GC: Tenciona recandidatar-se?
FS: Não é fácil tomar qualquer decisão a dois anos de distância. Mas desligar-me da política não vou fazer, pelo menos para alertar sobre o que não estiver a correr bem. Mas ainda gostava de fazer algumas coisas. A Casa Museu, que gostaria de começar no próximo ano. De captar, através do Turismo, um investidor para termos aqui um grande hotel. Temos o Inatel e algumas unidades mas não chega. Gostava que a situação do Penedo Furado fosse resolvida. Tal como está, só vai durar mais alguns anos, porque matéria de que é composto é muito frágil. Há um em França que é protegido por uma estrutura em vidro. Estiveram cá recentemente técnicos do LNEC que estão a estudar essa possibilidade.

- publicidade -