O Património são as pessoas

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A história do Hospital Termal é indissociável da história de todos os que trabalharam na instituição. Este quotidiano, que se assume como a forma de vivência mais próxima entre o passado e o presente, é feito por pessoas comuns, transformando-as em personagens actuantes.

É pois na história das pequenas coisas, ou se preferirem nas “estórias” de cada um destes personagens, que mais facilmente nos reconhecemos no contexto, e nos identificamos como parte dessa mesma história.
“Há dois erros comuns no que diz respeito ao património. O primeiro é pensar que é sobre edifícios: é sobre as pessoas e o que elas investem nos tijolos. O segundo é pensar que é sobre o passado: é sobre o futuro, o que ficará depois de nós desaparecermos”
(Simon Thurley).
Talvez nunca tenha feito tanto sentido, como agora, esta frase no contexto da história da instituição da imagem em apreço.
Perante a actual mudança, que o Hospital Termal e todo o seu património atravessam, assume-se de especial importância o conhecimento empírico daqueles que ao longo dos tempos viveram e trabalharam nesta instituição. A perda deste conhecimento, que se extingue com quem o detém ou experienciou, significa muitas vezes a perda de elementos essenciais ao conhecimento geral e modos de funcionamento de um bem muito maior.
Talvez por isso, quando me deparei com esta imagem, referente à inauguração da Caldeira do Hospital com o Director do Hospital e os respectivos operários (início século XX), a primeira ideia que me surgiu foi precisamente um momento de partilha de uma dessas estórias que tive o privilégio de viver há pouco tempo atrás, e que, pela associação ao local retratado, aqui partilho convosco.
Sabia que…
Em tempos, para alguns dos tratamentos termais, era feita uma mistura de água termal com água do mar, os designados “…banhos sulfo-salinos, ou apenas “salinos, vindo para esse efeito água do mar de S. Martinho do Pôrto.”. Para que fosse possível essa mistura, até há alguns anos atrás, fazia parte das tarefas de um grupo de funcionários do hospital termal a recolha de água do mar, sendo a referência às dificuldades desse transporte, nomeadamente das tinas de madeira, aos buracos do caminho e necessidades de alcatroar a estrada, feita em vários documentos da gestão hospitalar.
Mais recentemente, recuando cerca de 20 anos atrás, deslocava-se até Peniche, mais precisamente Papoa, local designado após várias análises efectuadas em praias da região, um camião com um enorme depósito para recolha de água do mar.
Toda a operação era complexa, pois além da condução do veículo com o depósito até à zona que não era de fácil acesso, era necessário descer pelas rochas até junto do mar para colocar o motor e o tubo, para que se conseguisse uma situação de equilíbrio entre a segurança do equipamento, a funcionalidade do mesmo e a possibilidade de acesso ao local entre os intervalos das ondas nas rochas.
Nem sempre todo o processo decorria de forma linear, certa altura, estando o mar mais crispado e em período de subida da maré, a situação tornou-se de tal forma complicada que se correu o risco de perder, não apenas a bomba e o tubo, mas também o camião. Salvaram-se as gentes e o camião!
Após a recolha, a água era então transportada até às Caldas, e depois armazenada em local próprio na Mata Rainha D. Leonor. A transferência da água do camião era feita mediante uma ligação do tubo entre o depósito do camião e um muro com uma calha que conduzia então a água até ao reservatório situado na Mata Rainha D. Leonor. Estes elementos serão talvez as únicas memórias físicas ainda existentes deste processo.
Após a água do mar, a metodologia foi alterada, passando a ser adicionado “Sal”, assim comumente designado, à Água Termal. Este era comprado em sacas de 25Kg, vindo cerca de 100 sacas de cada vez, que eram armazenadas na “Casa do Sal” junto aos Pavilhões do Parque.
Actualmente não se faz recolha de água do mar, nem tão pouco se utiliza o tal “Sal” para conseguir a composição de água termal necessária para os tratamentos. Os processos evoluem e trazem consigo indiscutíveis vantagens. Importa no entanto não esquecer estas memórias, pois são elas que conferem um colorido real a imagens como esta.
Pela sua simplicidade, corre-se o risco de não se valorizar estórias como esta, no entanto mais do que os simples factos aqui relatados, importa homenagear todos os que garantiram o funcionamento desta instituição ao longo de mais de cinco séculos de história, a todos os que levaram consigo historias para contar, e a todos os que permitem momentos de partilha como este.
Bem hajam.. será sempre um prazer ouvir mais uma estória.

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Dora Mendes
Coordenadora do Museu do Hospital e das Caldas

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