Bárbara Avelar Pereira
23 anos
Caldas da Rainha
Estocolmo – Suécia
Estudante de doutoramento
Percurso escolar: EBI de Santo Onofre, Escola Secundária Raul Proença, Universidade de Lisboa, Leiden Universiteit, University College London (UCL), Karolinska Institutet (Suécia)
Do que mais gosta do país onde vive?
A organização, o tipo de hierarquia e a igualdade de género. A nível burocrático, as coisas estão bem orientadas e são rápidas. Dou o exemplo da Skatteverket, que é responsável por taxar os contribuintes e é considerada a segunda instituição pública mais apreciada pelos suecos. Acho isso fantástico. Mesmo assim, não aconselho (de todo) ninguém a vir para a Suécia sem contrato de trabalho. Isso sim, dificulta muito a vida, a nível de segurança social, arranjar casa, abrir conta no banco, etc. A nível hierárquico, as diferenças mal se notam. Todos se tratam pelo primeiro nome e o ambiente de trabalho é informal. Até nos dividem em grupos de quatro e durante uma semana somos responsáveis por limpar a cozinha. Na mesma lista posso estar eu, o meu supervisor, um investigador mais sénior e uma estudante de mestrado. Tive a mesma experiência quando vivi na Holanda e no Reino Unido. Era a única a enviar emails formais e a fazer uso de títulos. Toda a gente me franzia a sobrancelha e achava aquilo um disparate. Já me adaptei e agora, quando vou a casa, às vezes tenho o problema oposto.
Sendo mulher, não posso falar dos benefícios da Suécia sem referir a igualdade de género. O problema ainda existe (no meio académico 77% dos professores ainda são homens), mas reconhecem-no e isso é o primeiro passo. A discussão anda sempre à volta do que ainda deve ser feito e não nos progressos que já foram alcançados. Eu não gosto que sejam condescendentes porque pareço muito jovem ou porque sou mulher. Por aqui, sou a pessoa mais nova a trabalhar no laboratório, mas sou tratada da mesma forma que qualquer outro colega na minha posição. Exigem o mesmo e claro que às vezes custa, mas ninguém quer tratamento especial por ser rapariga.
Finalmente, para os que querem constituir família, a Suécia é um país fantástico. Sei que os meus impostos vão muito para essas ajudas e isso nota-se. Não admira que a natalidade tenha disparado. São excelentes políticas e permitem um relação entre a vida profissional e pessoal muito acima da média.
O que menos aprecia?
O clima. Faz muito frio no Inverno e neva imenso, apesar de terem o cuidado de manter as ruas limpas. Há avisos por todo o lado para não andarmos muito perto dos prédios porque pode cair gelo do telhado. Depois, também há o problema das horas de luz. Em Dezembro, o sol nasce por volta das 8 e meia da manhã e põe-se às 3 da tarde… No Verão nasce às 3 e meia da manhã e põe-se às 10 da noite. As pessoas de fora acham muito engraçado, mas eu sinto que o meu ritmo circadiano fica todo trocado. Altera imenso a produtividade e até os suecos têm dificuldade em habituar-se. E no Inverno vê-se que andam todos atentos a possíveis depressões pois são muito comuns. Já Londres era escura e chuvosa e eu costumava dizer, na brincadeira, que os holandeses eram como répteis. Mal apanham 5 minutos de sol, vão todos para a rua aproveitar – eu bem gozava, mas com o passar do tempo, passei a fazer o mesmo. Na Holanda, nevava um bocadinho e ficavam todos confusos. O NS (Nederlandse Spoorwegen, os comboios) parava logo. Na Suécia, pode nevar o inverno todo e os transportes ainda funcionam regularmente (com algumas excepções claro). São diferenças engraçadas. Mas no clima, a Suécia é pior. Acho as temperaturas e as diferenças nas horas de luz bem mais difíceis de lidar.
De que é que tem mais saudades de Portugal?
Sinto muita falta da minha família, dos amigos, da comida (claro!) e do cheiro a mar. Do clima, do sol, das pessoas e de tomar uma bica. Quando estamos fora perdemos as datas importantes, as pessoas mudam e nós também. Temos a ideia de que nós saímos e que as coisas em casa ficam na mesma, mas não é verdade. Voltamos e não percebemos as piadas, os anúncios e as novidades todas, mesmo que leiamos os jornais. Sempre tive a Gazeta em casa, por isso ainda a vejo na internet, mas é diferente.
No ano passado, por exemplo, a minha mãe fez 50 anos e tinha as duas filhas no estrangeiro… Não é fácil, nem para os pais nem para nós. As pessoas focam-se muito no quanto é difícil sair de Portugal e
é, eu bem sei. Saí sozinha, sem conhecer ninguém no sítio para onde ia e já passei por três países diferentes, mas também reconheço que é difícil para quem fica. As conversas no Skype e FaceTime ajudam, mas não é o mesmo – apesar de até a minha avó, de 85 anos, ter aprendido a mexer no iPhone para responder às chamadas das netas. Mas o meu avô foi para os Estados Unidos aos 18 anos, sem falar a língua e só tinha a quarta classe. Eu saí aos 21, a falar três e com uma licenciatura. Estas coisas dão ânimo. Se na altura ele foi capaz, eu agora também sou com certeza.
A sua vida vai continuar por aí ou espera regressar?
Adorava regressar – nem que seja na reforma. Adoro o meu país, e não há povo como o nosso. Só quem nunca esteve fora é que vê apenas defeitos quando olha para Portugal. O problema é que me habituei a uma situação em que há capacidade financeira para fazer ciência com qualidade, e onde esta é valorizada. Um ordenado mais alto ajuda mas para quem trabalha por gosto, não pesa tanto na escolha. Eu quero muito voltar a casa, mas só se tiver condições.
“Dizem que tive muita sorte. Também acho que sim, mas parece que quanto mais me esforço, mais sorte tenho.”
Eu trabalho como estudante de doutoramento em neurociência no Karolinska Institutet, uma universidade médica em Estocolmo. O ano passado foi considerada a oitava melhor universidade do mundo para medicina e ciências da vida. Rankings são rankings, claro, mas a investigação aqui tem qualidade e nós temos um grande orgulho nisso. Estudo conectividade estrutural e funcional no cérebro e neurodegeneração em networks relacionada com memória. O meu centro de investigação foca-se única e exclusivamente em envelhecimento e temos um grupo em neurociência, outro em epidemiologia e um em sociologia/economia. Adoro a interdisciplinaridade porque permite-nos ter reuniões com pessoas que estudam o mesmo tópico mas de perspectivas completamente diferentes. Também trabalho com pessoas de todo o lado, desde japoneses a iranianos, australianos, europeus, etc. É um luxo discutir ideias e trabalhar com tanta gente de culturas diferentes, de forma tão produtiva. Aprende-se imenso e uma pessoa torna-se mais tolerante em relação às diferenças dos outros. Até nestas coisas, o resto do mundo podia aprender muito com os cientistas…
Comecei por estudar psicologia, depois fiz mestrado em neurociência cognitiva e estou agora no Karolinska. Quando entrei em psicologia, a empregabilidade era já muito baixa, mas sempre tive apoio dos meus pais, e isso foi muito importante. Disseram-me para seguir o que queria, acordar cedo e trabalhar para isso.
Costumam-me perguntar como é que consegui emprego e pedem-me dicas. Dizem que tive muita sorte. Também acho que sim, mas parece que quanto mais me esforço, mais sorte tenho. Em Leiden, estava na faculdade às 6h00 para treinar técnicas às quais não tinha acesso em casa. Depois das aulas, continuava no laboratório até me mandarem embora, quando a faculdade fechava às 10h00. Em Londres, era a primeira a entrar e a última a sair ao fim do dia. Fiz dois estágios à parte do mestrado, um pago pela FCT de lá (KNAW “Koninklijke Nederlandse Akademie van Wetenschappen”) e outro no hospital, mas esse era pago em café e leite com chocolate. As coisas estão difíceis por isso é preciso muita força de vontade.
Acho importante dizer que, ao contrário do que acontece em Portugal, os estudantes de doutoramento na Suécia recebem ordenado, já que o doutoramento em si é considerado emprego. O mesmo acontece na Holanda. Fazemos descontos como o resto das pessoas e por isso temos direito às mesmas regalias. Eu sou paga o suficiente para ser financeiramente independente dos meus pais e trabalhar naquilo que gosto – não é algo de que muitos se gabem e faço um esforço para não me esquecer disso, especialmente quando as saudades apertam.
Vivo perto do meu laboratório, por isso vou todos os dias a pé (cerca de 15 minutos). Mas tenho passe de transportes públicos e vivo a dois minutos do metro (a organização dos transportes na cidade é realmente muito boa). São pontuais mas muito caros. Andar de carro é pior porque se pagam taxas e o estacionamento é dispendioso.
A cidade tem lojas de conveniência quase a cada esquina e muitos supermercados, mas os preços são bastante mais altos do que em Portugal. Quando vou a casa e tenho espaço na mala, até esparguete trago. Cheguei a fazer as contas e no supermercado onde compro massa, sei que custa mais 300% que nas Caldas.
As pessoas em Portugal ficam muito admiradas com os ordenados e acham que se consegue viver muito bem na Suécia. De facto, com um pouco de organização é possível, mas a cidade é muito cara, as rendas são altíssimas e os impostos também. Como exemplo, posso dizer que pago cerca de 45 euros por mês só pela internet. Li no outro dia que “a Suécia é tão conhecida pelos elevados impostos como pelos móveis Ikea e os Abba.” Acho que isso resume um bocado a coisa.
O horário de trabalho na Suécia é flexível e geralmente as pessoas podem entrar às 8h00 ou 9h00 e sair às 16h00 (ou ainda mais cedo às sextas). As “fikas” (tipo lanche) existem todos os dias, de manhã e à tarde, e podemos fazer uma pausa para tirar uma fatia de bolo e meter um bocadinho de conversa.
Mas em investigação, a situação altera-se um bocado. Eu trabalho em média 10 a 12 horas por dia (muito vezes chega às 15 horas), sete dias por semana. Não há fins-de-semana e não há feriados. Trabalho por gosto, mas sou obrigada a fazer muitos sacrifícios. Mas há tempo para lazer também. O Karolinska disponibiliza uma hora do horário de trabalho para actividades físicas por isso não é invulgar ir ao ginásio por volta das 11 da manhã, tomar um duche, almoçar e depois continuar o que se estava a fazer. Aliás, pagam cerca de 85% a 90% da anualidade do ginásio.
De choque cultural tive pouco, mas como vivi em Leiden (na Holanda) e em Londres, antes de me mudar para Estocolmo, já ia com expectativas diferentes.
Os suecos são fechados. Bebem porque ficam com mais à vontade para meter conversa, mas são educados. Também falam inglês e estão habituados a imigrantes (a Suécia é um dos países da UE com maior percentagem de refugiados em relação à sua população). Os sapatos ficam sempre à porta de casa, mas isso eu já fazia na minha família por isso até acho piada. Como já disse, são mais informais que os portugueses. Já os ingleses são de uma boa educação fantástica. Uma pessoa pode estar num metro apinhado de gente e mesmo assim, receber um pedido de desculpa se lhe pisarem o pé.
Países como a Holanda, a Inglaterra e a Suécia têm características maravilhosas mas não são Portugal. É esse o problema. Já sinto uma mistura de culturas na maneira como vejo as coisas e falo com as pessoas, mas casa é casa. Sinto-me em casa na Holanda e entendo a língua, mas fui criada em Portugal. Estou habituada a que as pessoas sejam mais calorosas, a que os hábitos sejam diferentes e a que se fale português na rua. Os holandeses, por exemplo, não dão beijos, a não ser a amigos e familiares chegados (três beijos). O resto recebe apertos de mão. Eu gosto e habituei-me a fazê-lo, de tal maneira que agora vou a casa e quando vejo pessoas na rua, estico a mão e só quando me olham de lado é que me lembro dos nossos beijinhos (e às vezes acabo a dar três…hábitos).
Bárbara Avelar Pereira































