Há aproximadamente mês e meio, teve início o primeiro estado de emergência de que tenho memória em Portugal (já passei por outro, mas ainda era criança). Sim, estamos em estado de emergência há um mês e meio! Quem diria que tal coisa seria possível há uns meses, chamar-nos-iam loucos, garantidamente.
Qual a probabilidade da humanidade, numa única geração, passar por duas provações com impacto global, como foi a crise do “subprime” e agora esta crise sanitária… Deve andar perto da probabilidade de ganharmos o euro milhões.
O nosso estilo de vida sofreu alterações inimagináveis. Lembram-se de acordar de manhã, ao fim de semana, arranjarem-se serenamente, tomarem o pequeno-almoço e depois irem até à beira mar dar um passeio a pé, sentarem-se numa esplanada, beber um café, no meio de várias pessoas, de forma descontraída e sem pensar que um dia isso seria um privilégio que nunca esperaram que fosse retirado?
E fazer compras no supermercado? Uma rotina simples e vulgar, sem grandes desafios num país ocidental seguro, como Portugal, que agora obriga a ponderar em detalhe a lista de compras, provavelmente para mais do que um agregado familiar, planear os procedimentos, levar equipamento de proteção, material de descontaminação, deixar os sapatos na rua, descontaminar os sacos das compras, lavar as mão como se fossemos médicos-cirurgiões e no final ficar sempre a sensação – será que é desta!?
Confesso que as outras experiências que tive parecidas com esta foram na Bósnia Herzegovina em 1999 e no Afeganistão em 2009, clausura incluída (principalmente na última missão). Claro estamos em casa com a família, não há risco de sermos atacados diretamente e se tivermos a infelicidade de sermos contagiados o impacto não é imediato e pode não ser dramático, etc. Mas a realidade é que no geral fica a mesma sensação permanente de risco e de falta de liberdade, a que os portugueses conquistaram em abril, há uns anos atrás.
O pior ainda está para vir, nos próximos meses não se antecipam grandes melhorias da situação, a verdadeira solução – a vacina – ainda está longe e o impacto na economia está a ser catastrófico e vai piorar, como uma bola de neve que arrasta tudo no seu caminho. O mundo que conhecíamos nunca mais vai voltar a existir. À semelhança do 11 de setembro e da crise do “subprime”, será uma mudança de paradigma.
À data já existem dezenas de milhares de novos desempregados e perto de um milhão de pessoas em regime de layoff. A economia vai ficar de rastos e com ela o nosso estilo de vida que estava bem encaminhado na recuperação da crise anterior. Que grande desafio, só falta haver um terramoto épico para batermos todos os recordes numa geração. Atenção! Esse terramoto vai acontecer, só não sabemos quando… Esperemos é que haja tempo para recuperarmos desta crise.
Bom, como é tradição dos portugueses, podemos sempre identificar coisas boas nas catástrofes. Já viram o impacto positivo que está a ter no ambiente? Cidades que não tinham memória do ar sem poluição estão a reviver os tempos pré revolução industrial. Já pensaram há quanto tempo não tinham tantas horas para conviver diariamente com a família? E disponibilidade e vontade para falar com os amigos? Claro que não é presencialmente, mas o que interessa efetivamente é a troca de ideias e a reflexão em conjunto. Todavia, para quem está desempregado os tempos não são fáceis e devemos ser solidários.
Sabemos que é uma frase feita, mas “o que não nos mata fortalece-nos”, esperemos então que no final desta crise, que ainda está no início, os que sobrevivam consigam antecipar este tipo de desafios e ajudem a criar um mundo melhor.
Emanuel Sebastião






























