
Quatro anos após o lançamento do álbum de estreia, os Memória de Peixe apresentam agora o segundo “filho”. Nasceu em Outubro de 2016 e chama-se Himiko Cloud. Os pais são o caldense Miguel Nicolau e o lisboeta Marco Franco, que se inspiraram no universo cósmico e na ficção científica, nos videojogos e na mitologia. Aos nove temas que compõem o disco correspondem nove histórias criadas pela dupla, onde entram cometas, naves espaciais, cavalos alados, cápsulas do tempo, florestas encantadas e criaturas fantásticas. O protagonista do disco é um peixe-voador, que faz a ligação entre todas as músicas.

Cientificamente, “Himiko Cloud” é a definição de uma nebulosa gasosa que existe no universo e se pensa que seja uma protogaláxia. Este espaço é de tal forma misterioso que a comunidade científica lhe deu o nome de uma rainha xamanista do antigo Japão. Os Memória de Peixe usaram a mesma designação para o seu novo álbum, mas deram-lhe um novo significado: Himiko é um peixe-voador que habita algures no cosmos e que interliga todas as músicas do disco. Este peixe saltou do universo conceptual para a realidade quando o artista plástico Andy Singleton aceitou colaborar com a banda e criou uma escultura em papel que flutua graças a uma tecnologia que contraria a gravidade.
Cada uma das nove músicas também ganhou cor pelas mãos do pintor Carlos Gaspar, que ilustrou tema a tema. Todo este material gráfico foi concebido com base nas histórias que Miguel Nicolau e Marco Franco imaginaram antes mesmo de pegarem na guitarra e na bateria para criarem as músicas.
“O segundo álbum é um bocadinho diferente do primeiro porque nos concentrámos muito mais no lado estético. Partimos de um conceito, criámos as histórias – uma espécie de guião – e só depois surgiram as músicas”, explica Miguel Nicolau, realçando que o objectivo da dupla foi apresentar um disco onde se cruzassem diferentes artes: à música junta-se a pintura, a escultura e o audiovisual (o videoclipe de “Arcadia Garden” é o primeiro deste álbum).
A inspiração no cosmos e no mundo fantástico da ficção científica não é uma novidade, pois os dois músicos sempre apreciaram filmes, séries e livros sobre estas temáticas. E embora nenhum tenha a mínima formação em ciências, isso nunca impediu o interesse por questões desta área. “A ciência sempre precisou da arte, da imaginação, para chegar mais longe. Quantas vezes os livros de ficção científica, escritos por autores de outras áreas, não despertaram a curiosidade nos cientistas para descobrirem formas de concretizar aquelas realidades fictícias?”, sugere o caldense. Miguel Nicolau sustenta esta ideia sublinhando que nem sempre se viveu na era da especialização: “dantes as pessoas que pensavam no progresso dedicavam-se a várias disciplinas ao mesmo tempo. Um matemático também sabia de Medicina, Pintura ou Biologia”.
AVIÕES PUXADOS POR CAVALOS
A história que deu o mote ao álbum surgiu num aeroporto em Liverpool, quando a banda reparou numa equipa de equitação na zona de fumadores. Tendo em conta que o baterista Marco Franco tem medo de andar de avião – receio partilhado por Miguel Nicolau e pelo técnico de som do grupo – os três começaram a imaginar como seria mais fácil se os aviões fossem puxados por cavalos. Não tardou muito até criarem um mundo surrealista à volta deste episódio. “Imaginámos um avião que parte de Horseport, atravessa nuvens onde existem cidades, transforma-se num trenó à medida que desce uma montanha e depois num submarino quando entra no mar, em busca do peixe Himiko”, conta o guitarrista de 30 anos, revelando que desta fantasia resultou o primeiro tema do álbum, “Horsepedia”.
Após descolarem com “Horsepedia”, os Memória de Peixe só aterraram depois de criarem mais oito histórias que completassem o disco. A faixa “Haverö’s Dream” é inspirada num cometa que caiu na Finlândia; “Supercollider” uma homenagem ao CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), o maior laboratório de física de partículas; “Immortality Drive” rouba o nome a uma cápsula do tempo que contém o ADN humano de figuras importantes (como Stephen Hawking ou Lance Armstrong). Este dispositivo foi levado em 2008 por uma nave Soyuz até à Estação Espacial Internacional e construído com o propósito de preservar a espécie humana em caso de uma catástrofe na Terra.
Já em “(The Mighty Forest of) Tragic Sans” o instrumental guia-nos por uma floresta encantada onde o tipo de letra “Comic Sans MC” se refugiou quando entrou no esquecimento, após ter marcado uma geração. “Hoje em dia já ninguém usa este tipo de letra, então decidimos brincar com as palavras: de ‘comic’ (cómico) passou a ‘tragic’ (trágico)”, diz Miguel Nicolau, revelando que partilha com Marco Franco o gosto pelos trocadilhos.
FUSÃO DO ROCK COM O JAZZ
Marco Franco ocupou a bateria dos Memória de Peixe em 2014, após o caldense Nuno Oliveira ter saído do projecto. Consigo trouxe novas sonoridades jazz que se vieram juntar ao rock alternativo de Miguel Nicolau. A fusão foi feliz e um bom exemplo da recente vaga de jazz experimental onde se cruzam vários estilos musicais. “O Marco é um músico muito diverso, por isso consegue interpretar as músicas sem barreiras ou filtros. Além da bateria toca guitarra, saxofone e agora vai lançar um disco a solo de piano”, refere Nicolau.
Os temas dos Memória de Peixe são apenas instrumentais e a prova de como se pode criar canções sem voz mas cheias de conteúdo. Desde o princípio que a banda compõe em tempo real, através da técnica “live looping”. Isto é, gravam-se melodias de apenas oito segundos que são sucessivamente sobrepostas umas às outras e às quais se vão acrescentando novos elementos. A reprodução dos sons é feita com um pedal.
Curiosamente, foram os loops de guitarra (de curta duração) que inspiraram o nome deste grupo – quem não ouviu já dizer que os peixes têm memória curta?
Com uma agenda de concertos repartida entre bares, festivais e salas de espectáculo, os Memória de Peixe estiveram recentemente no Eurosonic, que decorreu na Holanda de 11 a 13 de Janeiro. Miguel Nicolau equipara o festival a um “Websummit da música”, realçando que o evento foi um abrir de portas para a banda. “Permitiu-nos contactar com agentes e editoras e perceber que existe mercado para a nossa música. De repente já estávamos a passar na BBC”.
Irmãos trabalham juntos pela primeira vez

“Arcadia Garden” é o videoclipe de estreia do álbum “Himiko Cloud”. Este tema, inspirado nos jogos de arcada, ganha uma nova dimensão no vídeo gravado na Quinta da Regaleira (Sintra), onde Miguel Nicolau e Marco Franco surgem como dois protagonistas de um videojogo. Têm a missão de salvar Himiko, mas para isso há que enfrentar criaturas maléficas, como um dragão, um polvo, cavaleiros flutuantes e fantasmas. Quem criou a animação destas personagens foi Rui Cipriano, irmão mais novo de Miguel Nicolau. “Foi um desafio enorme, mas um gosto ainda maior, principalmente porque trabalhámos juntos pela primeira vez”, afirma o jovem de 20 anos, realçando que o seu gosto pela mitologia lhe abriu portas à criatividade na altura de idealizar todos aqueles seres imaginários.
Rui Cipriano explica também que este videoclip contraria a actual tendência dos videojogos realistas e justifica a sua opção de incluir um “game over” entre os níveis de “Arcadia Garden” pois “parte da experiência de um bom videojogo é perder para aprender a ser melhor”.
Actualmente Rui Cipriano é estudante de Som e Imagem na ESAD, mas antes frequentou um curso de Animação na ETIC (Escola de Tecnologias, Inovação e Criação).

































