ELOGIO DA IMPERFEIÇÃO – Uma história e, uma história

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Uma história:
“… Ia dando cabo da minha vida… só tinha vontade de o matar… eu era caseiro na quinta e tomava conta da parte agrícola… a minha mulher trabalhava na casa dos patrões e vivíamos numa casa dentro da propriedade… os miúdos estavam na escola e até tinha espaço para manter a criação de cães, que sempre dava para ganhar mais algum e que eu tinha gosto em fazer,,, sentia-me bem e havia estabilidade para a família… depois houve problemas entre a minha mulher e a dele e ela foi despedida do trabalho da casa… fiquei preocupado mas nunca pensei que pudesse acontecer o que aconteceu… o patrão chegou ao pé de mim e disse-me que eu tinha 1 mês para arranjar outro trabalho e outra casa para viver… assim sem mais nem menos… senti um ódio de morte…”
E, uma história:
“… Acho que já não estou deprimida… ele, o meu marido, continua na mesma, a beber demasiado, a ser bruto, a rebaixar-me mesmo à frente dos filhos… já desisti de sair de casa e de ir para casa dos meus pais… não me apoiam e dizem que fui eu que escolhi aquele homem… que agora tenho de aguentar… que tenho dois filhos para criar, que ainda por cima não tenho emprego certo…”
Uma história:
“… Tive que dar os cães… de andar à pressa à procura de outro trabalho… de outra casa… queria ficar na zona para os miúdos poderem manter a mesma escola… senti-me humilhado… um fraco como pai… eu só queria dar uma vida estável aos filhos e que eles pudessem ter condições para continuar bem na escola… quero que eles estudem para serem alguém na vida… a minha mulher só barafusta… mas não me ajuda… não percebe que eu quero fazer bem à minha família… não é só a raiva contra os patrões…”
E, uma história:
“… Percebi que tenho que ser eu a sair disto… quando estive no fundo de desemprego fiz uns cursos e vários trabalhos de que gostei muito… percebi que afinal eu não era burra… conseguia e gostava de aprender… e as pessoas gostavam de mim e do meu trabalho… incentivaram-me a continuar… comecei a sentir-me mais forte, a acreditar que podia ter uma vida melhor para mim e para os miúdos…”
Uma história:
“… O meu antigo patrão veio ter comigo… que queria que eu voltasse a trabalhar para ele… engoli em seco… a raiva ainda cá está toda… mas aceitei… pensei na família… sou uma pessoa que fala pouco… ele acha que está tudo bem, que me paga e que eu só tenho que trabalhar e calar… gosto do que faço e sei que faço bem… mas tenho um terreno na minha terra, com uma casita velha que já comecei a recuperar e que vai dar para vivermos… há hipóteses de arranjar um bom trabalho lá… quando estiver tudo em ordem, vou chegar ao pé do patrão e digo-lhe que me vou embora… assim como ele me fez… e vou dizer numa altura em que haja muito trabalho na quinta… em que tem que se cuidar muito das coisas para que a produção não se estrague… tenho que me vingar… senão rebento… vai ser assim… é a vingança dos pobres.”
E, uma história:
“… Pedi ajuda ao meu irmão… vai alugar uma casa em nome dele para mim e para os miúdos e abriu uma conta conjunta comigo para eu ir pondo algum dinheiro de parte sem que o meu marido dê conta… quando estiver tudo em ordem, saio de casa sem avisar… vou ter uma vida e ele já não me pode impedir… tem é que ser assim… às escondidas… é a vingança dos mais fracos”.

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