O alcobacense Daniel Bernardes irá encerrar a edição deste ano do Caldas Nice Jazz. O músico apresenta um projecto novo que combina as sonoridades da música clássica e do jazz. Daniel Bernardes escolheu alguns dos seus melhores temas e instrumentistas que conhece, num septeto conhecido da maioria. Irá também dirigir um atelier de música improvisada que parte dos temas escritos para o auto de S. Martinho (1504), de Gil Vicente.
O pianista e compositor alcobacense vai apresentar o seu projecto “Daniel Bernardes Crossfade Ensemble” no encerramento da edição deste ano do Caldas Nice Jazz. Em palco, além do líder, apresentam-se Hugo Assunção (trombone), João Barradas (acordeão), Sérgio Carolino (tuba), Jeff Davis (vibrafone), Mário Marques (saxofones) e Ricardo Toscano (clarinete e saxofone).
“Os músicos que escolhi têm muita experiência, sabem estar e lidar com qualquer situação”, afirmou, antes de explicar que “há um aliciante em trabalhar com malta mais velha que ouvia quando era pequeno, há uma ligação entre as gerações”.
O septeto irá apresentar uma espécie de best-off do que o pianista e compositor escreveu desde 2010. Tratam-se de temas escritos para a residência de Sérgio Carolino no CCC, para o prémio Jovens Músicos da Antena 2, para o Cistermúsica e para os Pulsate (tributo a Bernardo Sassetti).
No início de 2015 decidiu fazer o ensemble e voltar a tocar alguns temas que estavam a cair no esquecimento. Daí para cá tem vindo a reescrever e adaptar as peças à formação que criou.
Neste projecto “as duas dimensões – da música clássica e do jazz – estão em igualdade absoluta”, explicou Daniel Bernardes, que quer “tirar o que o músico faz num solo de jazz e colocar num ensemble de clássica”.
“O MEU PARADIGMA MUSICAL SEMPRE FOI O DA INDEFINIÇÃO”
O pianista explicou à Gazeta das Caldas que o seu “paradigma musical sempre foi o da indefinição, da mezcla e este projecto é a realização disso mesmo, daí o crossfade. É o meu projecto que melhor reflecte o passado”, concluiu.
É que Daniel Bernardes, que começou a tocar piano com cinco anos, foi estudando piano clássico (em Portugal e em França na École Normale de Musique de Paris), mas ao mesmo tempo escrevia jazz, música clássica e contemporânea.
Este projecto recebeu uma bolsa Jovens Criadores do Centro Nacional da Cultura (premeia um ou dois músicos por ano) e tem, também, um lado académico: a mistura do jazz e da música clássica é o tema do doutoramento do músico.
O artista não deixou de salientar o papel do Sérgio Carolino, que “é, ele mesmo, uma entidade”, e do director do CCC, Carlos Mota, que depois de lhe “ser apresentada a ideia sem aquilo que era o mais impactante: fotografias, vídeos e a música”, acedeu de imediato, sugerindo que o projecto fosse estreado no festival.
Ainda sobre o CNJ, diz que é “o apogeu” do trabalho que tem sido feito na região e elogia a qualidade da sala e dos instrumentos do CCC.
Depois de ter tomado contacto com as Caldas através do CCC, pela residência artística de Sérgio Carolino naquele espaço, gravou ali o seu disco (2013). No ano seguinte o DVD Rondó da Carpideira, um projecto multimédia que desenvolveu com Mário Marques (saxofone) e Gonçalo Tarquínio (vídeo), também foi gravado no centro cultural caldense. Além disso, depois de seis anos em Lisboa, o músico reside actualmente no concelho das Caldas. “Tenho muita curiosidade em integrar-me no meio artístico de outras artes, porque esta é uma cidade com toda uma dimensão cultural além da música”, afirmou.
Improvisar com base em Gil Vicente
O atelier de música improvisada que está a preparar e que decorre entre 8 de Outubro e 5 de Novembro, baseia-se na música escrita para o auto de S. Martinho (Gil Vicente, 1504), mas tem todo um lado de improvisação.
Será apresentado a 6 de Novembro, num preâmbulo do seu próprio concerto de encerramento.
A pouco mais de uma semana do início da formação, ainda não sabia quantos músicos iria ter e que instrumentos iriam tocar. “Isso fascina-me, esse lado português de fazeres o melhor que podes com o que tens no momento”, explicou.
A escolha por Gil Vicente veio, primeiro por ser um auto com uma forte ligação à cidade, depois porque o tema do auto se relaciona com o tão actual tópico dos refugiados.
O artista está curioso por perceber “o que temos em termos de talentos” nas Caldas e mostrou-se agradado por “poder contribuir para que músicos a iniciar a formação possam ter acesso a mais informação e que o meu trabalho servir de inspiração”.
Além da música, este projecto, que dura cinco semanas, envolve um teatro. Conforme Ana Cláudio, responsável pela dramaturgia, explicou, “não é um musical, mas um teatro musicado”. A professora explicou à Gazeta que a obra foi traduzida do original castelhano para português e que aumentaram o leque de personagens.
Em vez do pobre, o S. Martinho e os três pajens (dos quais apenas um fala), estará em palco pelo menos uma dezena de personagens num cruzamento de gerações. Isto porque participam no atelier alguns séniores do grupo de teatro da Universidade Sénior e também alunos dos 2ºs e 3ºs ciclos (entre os 11 e os 15 anos) de uma escola em Torres Vedras com quem Ana Cláudio costuma trabalhar.
Além disso, tendo em conta que quando Gil Vicente escreveu o auto colocava a Rainha D. Leonor como uma espécie de S. Martinho, que dá de si para reduzir as desigualdades, foram feitas pequenas adaptações nalgumas das personagens.
Ana Cláudio fez notar ainda que “o texto é muito actual, todas as situações de pobreza de que fala podiam ser escritas na actualidade”.
Assumindo o curto espaço de tempo e a logística de peso que o espectáculo exige, descreveu este projecto como “diferente” e como “um desafio motivador”.


































