
No número 22 da Rua Raul Proença encontramos o Café Pardal, pequeno em tamanho, grande na sua história. São quase 60 anos de portas abertas que não passam despercebidos a quem mora ou trabalha naquela rua.
A maioria dos clientes é também amigo de Maria Elisabete Pardal, que está à frente do negócio da família desde os seus 33 anos. Hoje, com 63, garante que continua a abrir todas as manhãs apenas pelo amor que tem à casa que a viu crescer. O estabelecimento que em tempos foi rentável, agora nem lucro lhe dá.

Três mesas, um balcão tipo snack-bar e espelhos por todo o lado. Não há muito mais a acrescentar à decoração simples do Café Pardal, onde sobressaem ainda as pedras da Foz do Arelho que conferem o efeito de relevo nas paredes. Num dos cantos, junto ao tecto, está colocada uma televisão antiga, daquelas com uma grande caixa traseira. Encontra-se desligada. Curiosamente, o Café Pardal foi o segundo café nas Caldas a ter televisão e o primeiro a ter frigorífico.
Quando José da Silva Pardal decidiu abrir o pequeno estabelecimento só existiam três tabernas nas proximidades e ainda não estavam construídas as ruas desta zona da cidade. Estávamos em Janeiro de 1964. “Esta era uma zona ampla de terra batida onde se fazia a Feira do 15 de Agosto. Não havia nada nas redondezas [a não ser o prédio do Viola] e isto parecia um deserto. O meu prédio foi o terceiro a ser construído”, recorda a filha Elisabete Pardal, 63 anos, na altura uma criança de cinco aninhos.
“O meu pai queria abrir um negócio para a minha mãe porque ela era costureira e naquele tempo ganhava-se muito pouco”, explica Elisabete, que no dia em que festejou o sexto aniversário recebeu de presente um caixotinho encomendado à carpintaria Delfim. Fora o seu pai (também proprietário da tipografia Minerva Caldense) quem o mandara fazer para que a filha conseguisse chegar à máquina do café. Elisabete já podia ajudar a família no atendimento aos clientes.

Há 57 anos o estabelecimento tinha seis mesas, o balcão era redondo e a vitrine dos bolos estava colocada junto à janela para saltar bem à vista de quem circulava na rua. Inicialmente a cerveja não era moda e só chegaria ao Pardal mais tarde, representada pela Sagres. Bebia-se essencialmente vinho, chá, aguardente, café, bagaço e entre as crianças o pirolito fazia um verdadeiro sucesso. É que a garrafa de gasosa trazia um berlinde como brinde. Depois apareceria a Schweeps e o Sumo do Bussaco, “um sumo de laranja espectacular” nas palavras de Maria Elisabete.
O café que agora é expresso (bica), durante muito tempo foi de saco. A primeira marca comercializada no Pardal foi a Pernambucana. “Antigamente existia muita concorrência entre cafés e as marcas eram todas nacionais”, afirma a responsável, relembrando passo a passo o processo original. “Numa cafeteira fervia-se em lume baixo a água e o café, depois batia-se a mistura com uma batedeira com varas de arames até formar espuma. Quando o café estivesse bem batido, vertia-se para o saco de uma máquina que possuía apenas uma torneira que abria e fechava”, conta Elisabete Pardal, acrescentando que o café de saco rendia mais que o expresso, mas que as máquinas modernas também vieram facilitar a vida aos comerciantes, principalmente ao nível da higiene.
Actualmente a proprietária gasta aproximadamente dois quilogramas de café por semana, mas realça que já chegou a precisar de 10. “Bons tempos!”, recorda. Cada quilo dá para 50 a 70 cafezinhos. Em cada 18 de Janeiro celebra-se o aniversário da proprietária e por isso todos os cafés são por conta da casa. Passados 57 anos, Elisabete ainda se gaba da qualidade do seu café, na sua opinião um dos segredos que explica a fidelidade de muitos clientes.
AGUARDENTE LOGO PELA MANHÃ
Desde muito nova ao balcão, Elisabete Pardal recorda-se de atender pessoas com idade para serem seus pais ou avós. E muitas delas bebiam muito, começando logo pela manhã por tomar o “mata-bicho” (aguardente) antes de seguirem caminho para as fábricas. Não foram poucas as vezes em que “Beta” se viu obrigada a negar servir mais um copo. “Eles entravam sóbrios, mas ficavam de tal forma bêbedos que não se conseguiam levantar para ir para casa. Tinha que servir-lhes um café bem forte para que arredassem pé, isto enquanto as mulheres lá apareciam à porta a insultá-los”, recorda, acrescentando que “os bêbedos de antigamente não ofendiam crianças nem eram mal educados como agora”.
Para acompanhar a bebida servia-se o petisco. Sardinhas e pardais fritos, pastéis de bacalhau e rissóis, sandes de carne assada, caracóis, moelas e orelha de porco eram algumas das especialidades do Café Pardal. É que durante muito tempo foi hábito que a seguir ao trabalho – entre as 17h00 e as 19h00 – as pessoas dessem um salto aos cafés para petiscar e conversar. “Antes convivia-se mais, contavam-se muitas anedotas e discutia-se em conjunto as notícias dos jornais”, realça Maria Elisabete.
Até meados dos anos 90 o café abria todos os dias às seis da manhã e só fechava às dez da noite (no fim de semana às 2h00). Há cerca de três anos começou a encerrar ao domingo e, se a clientela for pouca, também encerra aos sábados à tarde. Durante a semana fecha às 19h00. “Naquela época todas as férias perdidas valeram a pena, mas já há dez anos que não compensam”, diz a proprietária, assegurando que manter o estabelecimento aberto é uma “verdadeira prova de esforço”.
A estima pelo espaço que desde os cinco anos também é a sua casa e a amizade que tem por todos os clientes (muitos deles seus amigos) são as principais motivações que levam Elisabete a não desistir do negócio montado pelos pais. Além disso, “é uma forma de passar o tempo e continuar entretida”, salienta.
Desde os 33 anos que Elisabete Pardal é responsável pelo negócio da família. Como era frequente que alguns clientes roubassem os rebuçados dos frascos de vidro que estavam ao balcão, a proprietária resolveu colocar espelhos nas paredes. “Assim, mesmo estando de costas enquanto tirava os cafés, conseguia controlar os clientes através dos espelhos”, revela.
“ISTO AGORA É UM DORMITÓRIO”
De 1970 até ao início dos anos 90 passavam pelo Café Pardal entre 100 a 200 pessoas por dia. Actualmente não entram mais de 30. Maria Elisabete queixa-se que a Rua Raul Proença perdeu muito movimento desde que grandes empresas como a Mercedes ou a Citroën que ali estavam instaladas se mudaram para a zona periférica da cidade. “Antes existia vida comercial, agora isto é um dormitório. Só consigo manter o café porque o espaço é meu e não pago renda”, afirma, acrescentando que os gastos com a luz rondam os 200 euros por mês.
O Café Pardal sustenta-se a si mesmo, mas não gera lucro. É com a reforma que Elisabete sobrevive. Não com os rendimentos do seu estabelecimento. Com o avançar dos anos, as finanças aumentaram os impostos e a ASAE a exigência com os parâmetros de segurança e higiene. “O pior é que a legislação está sempre a mudar e o que é válido num ano, no seguinte já não cumpre as normas. Enquanto eles fazem e refazem as leis, os comerciantes gastam imenso dinheiro para ter tudo em ordem”, critica Elisabete Pardal.






























