Zangas, livros apreendidos, prisão e ajuda de alguns amigos. A vida de Luiz Pacheco, nas Caldas foi atribulada, como conta o biógrafo António Franco

Nas Caldas, Pacheco também se ligou ao editor Fernando Ribeiro de Mello, para quem escreveu, ainda na casa do centro das Caldas, o prefácio à primeira edição comercial do Marquês de Sade em português, “A Filosofia na Alcova” (1966), “que lhe valeu um processo judicial muito penoso e por tabela a prisão”. Na cadeia da, que ficava ao cimo da Praça, (onde hoje está o Posto de Turismo) Pacheco esteve por duas vezes preso – “primeiro na Primavera de 1967 e depois no Verão de 1968, sendo então transferido para o Limoeiro, em Lisboa”.
Pacheco teve uma vida familiar atribulada. Foi ainda nas Caldas, depois da partida de Maria Irene e dos filhos, o que aconteceu em Agosto de 1967, que agravou um duro e trágico período de alcoolismo, que durou 20 anos. E foi nas Caldas, por um texto escrito e publicado em edição de autor, “Comunicado ou Intervenção da Província”, que o poeta Mário Cesariny se afastou de Pacheco. A quezília entre os dois teve a ver com a prisão de Cesariny em Paris, no Outono de 1964, testemunhada só por Cruzeiro Seixas e Isabel Meyrelles. “A primeira referência pública a esta prisão está no “comunicado” de Luiz Pacheco, o que muito desagradou a Cesariny”, revelou o biógrafo.
António Cândido destaca que a novidade da biografia é a relação de Pacheco com o pai. “Algumas datas cruciais desta relação andavam equivocadas. Coube-me restabelecer a verdade de alguns factos cruciais”, afirmou, recordando que foi o pai que levou Luiz Pacheco pela primeira vez às Caldas nos primeiros anos de infância. Essa recordação infantil “teve com certeza o seu peso na decisão que ele tomou no final de 1964 de se mudar para as Caldas – embora quem lhe desse o “empurrão” inicial, falando-lhe das facilidades que podia encontrar na urbe de então, tenha sido Mário Cesariny, com quem se zangaria em 1966”.
Os anos vividos na cidade tiveram “altos e baixos muito fundos”. O primeiro período – do final de 1964 até Maio de 1966 – e o segundo que vai daí até à sua prisão em Junho de 1968. O primeiro é de alguma estabilidade. “Nasce-lhe um filho, tem muitos trabalhos de escrita em andamento, prepara a publicação do seu primeiro grande livro, Crítica de Circunstância, pelo qual recebeu uma importante soma de dinheiro”, disse o biógrafo. O segundo foi mais difícil, com a mudança para uma casa menos cómoda, na periferia, o Casal da Rochida, na estrada do Coto.
“Tem vários processos judiciais às costas, falta de trabalho, problemas graves em casa com os filhos e a miúda com quem vive, Maria Irene Matias, que acabou por se ir embora no Verão de 1967 para a casa dos pais na Sertã”,disse António Franco. Embora não o tenham salvo do alcoolismo e da prisão, foi nesta altura “que os irmãos Maldonado de Freitas se tornaram um apoio estratégico, e para bem dizer vital, de Luiz Pacheco”, disse o biógrafo
“Bons amigos e muitas ajudas”
O biógrafo destacou o ceramista Ferreira da Silva, que viveu muitos anos nas Caldas, Vasco Luís, que lhe financiou a publicação de um livro em 1967, “Textos Locais”, e a família Maldonado Freitas, “que nunca lhe faltou com apoio”. E salientou António Maldonado Freitas que, além de mecenas, “lhe serviu gratuitamente de advogado particular em vários processos judiciais”. No Conjunto Cénico Caldense, Pacheco fez amigos próximos (Paniágua, Velhinho e Fonseca Lopes). Na cidade termal também criou alguns inimigos célebres, que ficaram para a vida, como Figueiredo Sobral, “com quem se meteu em vários textos e a quem chamou o Picasso das Caldas”, disse António Franco.
De qualquer modo, o escritor “fazia um balanço positivo da sua passagem pelas Caldas em adulto”. Segundo o biógrafo, Pacheco chegou a encarar, no final da vida, mudar-se de novo para a cidade termal onde mantinha amigos e admiradores. O livro “O Firmamento é negro e não azul”, de António Franco, será apresentado nas Caldas, em junho, a convite do ciclo de poesia, Diga 33.■

Autor
Nasceu em Lisboa em 1956 e é autor de vários estudos sobre literatura e cultura portuguesa. Escreve romances, poesia e peças de teatro. António Cândido é professor na Universidade de Évora e é autor de várias obras entre as quais as biografias de Agostinho da Silva e de Mário Cesariny. Ainda falta estudar melhor Pacheco e, na sua opinião, este autor “está longe de ter o reconhecimento que merece”. A sua literatura “é uma das mais originais e valiosas da segunda metade do séc. XX português”.






























