O governo quer descentralizar competências nas autarquias, a partir de 2018, em áreas tão diversas que vão desde a autorização da exploração de jogos de fortuna e azar, até à gestão e conservação de equipamentos afectos aos cuidados de saúde primários. Os autarcas até estão de acordo, mas realçam que as novas funções têm de vir acompanhadas do respectivo apoio financeiro e de autonomia.
Consideram também que essa transferência não pode ser universal nem unilateral e querem ter uma palavra a dizer no processo.
A educação, a saúde, a acção social, transportes, cultura, habitação, proteção civil, segurança pública e fiscalização do estacionamento são algumas das áreas cujas competências deverão passar para as autarquias. O mapa do que vai mudar está definido na proposta de Lei Quadro de Transferências de Competências para as Autarquias Locais e para as Entidades Intermunicipais, que está a ser estudado pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
O objectivo do governo é que a transferência das novas competências possa começar a partir de 2018, de forma faseada, até 2021, mas a ANMP já tornou público que estando definidas as competências, datas e respectivos encargos, a reforma pode ser antecipada.
Os autarcas aplaudem a transferência de responsabilidades, mas consideram que esta deve ser acompanhada por autonomia, condições técnicas e financeiras.
“Experiências negativas na Educação”
O presidente da Câmara de Peniche, António José Correia, que também é membro do Conselho Geral da ANMP, realça que tem de haver uma garantia dos meios financeiros e das condições para que os municípios a possam acolher. “Não queremos uma descentralização a qualquer preço e os pressupostos ainda não estão todos definidos”, disse o autarca, recordando que na reunião do Conselho Geral, que decorreu a semana passada, foram relatadas “experiências bastante negativas com a questão da Educação”.
António José Correia diz que todos concordam que não se deve perder a oportunidade de descentralizar e que os autarcas já pediram para que o governo possa reabilitar os grupos de trabalho para estudar o assunto. A ANMP considera também que devem ser trabalhados, em paralelo, os decretos-lei sectoriais.
O autarca eleito pela CDU, entende que o mais desejável para o país era que se apostasse na regionalização.
Aumento de impostos municipais?
Também o presidente da Câmara das Caldas, Tinta Ferreira, considera que a proximidade das autarquias às populações permitirá uma acção mais adequada e uma execução consentânea com as estratégias locais de desenvolvimento, dando o exemplo do bom resultado das delegações de competências desta autarquia às juntas de freguesia.
Relativamente ao processo de descentralização para as autarquias, Tinta Ferreira mostra a sua reserva quanto à escassez de meios a acompanhar o projecto. “Tudo aponta para que o governo pretenda transferir estas novas competências atribuindo os meios que gasta actualmente com os equipamentos e serviços que transfere”, diz, fazendo notar que o município para fazer o mesmo “e bem” vai gastar mais. Alerta, por isso, que a situação financeira das autarquias vai piorar e que para dar resposta a estas novas competências terão que aumentar os impostos municipais e endividar-se.
A segunda reserva prende-se com o facto de esta transferência ser universal, igual para todos, independentemente da situação das autarquias e da vontade das populações. O autarca defende que as transferências deveriam resultar de contrato inter-administrativo, tendo em conta cada realidade e a decisão da autarquia de aceitar, ou não, a respectiva competência.
Tinta Ferreira recordou que, no passado, o município manifestou abertura para receber o Museu da Cerâmica para a esfera municipal e proceder à sua requalificação e ampliação, mas que, por outro lado, não concordou com a transferência do Museu Malhoa ou das escolas secundárias, “por não ver mais-valias” nessa transferência com os meios que eram propostos.
Processo deve ser bilateral
O presidente da Câmara de Óbidos, Humberto Marques, é um adepto da descentralização, mas não da transferência de competências, que pressupõe uma “delegação universal e sem retorno”, disse à Gazeta das Caldas. O autarca considera que o país tem “velocidades” diferentes e há câmaras que estão mais preparadas para determinadas competências do que para outras.
Em sua opinião, a descentralização até deve ser maior, com a delegação de novas funções também nas juntas de freguesia e até nos cidadãos. Defende a necessidade de mais autonomia, até para que os processos possam ser mais agilizados. Dá como exemplo a construção de uma casa, que agora obriga a ter um técnico responsável e à entrega de muita documentação para obter um visto prévio para a emissão da licença, que poderia ter um processo muito mais ágil. Bastava passar a responsabilização aos cidadãos e aos técnicos, cabendo às câmaras a fiscalização, para que se diminuíssem os custos administrativos e os tempos de espera para obter as licenças.
Para Humberto Marques, o que se prevê descentralizar, por exemplo, em termos de cuidados de saúde primários (a gestão dos equipamentos), é “altamente redutor”. Considera que ainda se regista o estigma de desconfiança em relação aos autarcas de que estes promovem rotundas e infra-estruturas, não lhes transferindo, por exemplo, a gestão dos programas ao nível da Saúde.
O mesmo se passa em relação à Educação, em que está prevista a passagem do pessoal não docente e os equipamentos para a esfera autárquica, mas não os modelos a implementar.
“Defendo uma descentralização mais efectiva, dando autonomia aos municípios e também com os financiamentos correspondentes”, disse o autarca, que considera que cada município tem que saber qual é a estrutura de custos prevista para depois poder negociar. “Este processo deve ser bilateral, nunca deve ser unilateral, sob pena de correr mal”, concluiu.
“Se houver correspondência financeira…”
Já o município de Alcobaça aguarda com “expectativa” a entrada em vigor da legislação e mostra-se preparado para cumprir o princípio de aproximação. “Essas novas competências serão bem recepcionadas se houver a correspondência financeira inerente às mesmas, o que não tem acontecido no passado recente”, refere o presidente da Câmara, Paulo Inácio. De acordo com o autarca, essencial seria a passagem do ordenamento de território para o intermunicipalismo.
Gazeta das Caldas também contactou os presidentes de câmara da Nazaré e do Bombarral, respectivamente, Walter Chicharro e José Manuel Vieira, mas estes não responderam.


































