Ao nosso redor, Estados, instituições e individuos justificam o injustificável, deixando quem ainda se contorce com os acontecimentos desconfiado que vivem num mundo diverso, um mundo onde o mal tivesse perdido a sua força de colisão, e a única coisa que unificasse o globo, como uma rede narcótica, fosse a impotência do espectador. A desproporção de força, de morte, a psicose genocidária com que Israel e os estados que o apoiam se movem não se ficará por uma meia medida.
Torna-se impossível ouvir falar na complexidade do assunto, na defesa de posições que ignoram o seu delírio. A posição do poder é de um cinismo conhecido, nesse lugar o humanismo rimou sempre com interesse, e quando tudo tiver terminado serão os primeiros a dizer que sempre estiveram com a Palestina. Entretanto, o espectáculo faz o que sempre fez, isola o espectador, deixa-o imóvel, fechado na frustração de não participar no que lhe é dado a ver.
Debord desmontou bem o seu funcionamento. Desde a primeira linha da “sociedade do espéctaculo” que escreve: “tudo o que era directamente vivido se distancia numa representação”. Quando tudo é mediado por imagens o que acontece ao olhar que apenas se relaciona com a virtualidade do mundo? Vivemos numa apatia e depressão crescente, os olhos ganham o halo de um moribundo, os gestos espelham a deserção de quem deixou de querer. Esta mortificação deixa ao Estado, que nunca esteve tão desprovido de pudor, a habilitação de se acordar com o mais abjecto sem qualquer espécie de remorso.
Em última análise, o Estado é uma máquina concebida para fazer a guerra (ou dinheiro, que é hoje seu sinónimo). Mais cedo ou mais tarde, esta vocação constitutiva acaba por se manifestar para além de todos os objectivos mais ou menos edificantes que se possam estabelecer para justificar a sua existência. Nem perante a presença da sua própria destruição esta fábrica de morte abranda, não sendo capaz de projectar um futuro em que abdique do poder que tem, o único horizonte é a produção em que estão investidos.
Os indivíduos alucinados pelo espectáculo vivem num negativo daquilo a que chamam presente, raptados à sua potência de presença. O espectáculo é esta dupla ausência de corpo e mundo, onde tudo se resume a um mero tráfego de imagens, onde os gestos se anulam uns aos outros e ao espectador é designado o lugar da impotência. O filme passa e o silêncio é imposto sobre a plateia.
Palestina Livre Caldas

































