Dora Ferreira trabalha com os atletas olímpicos de modalidades como atletismo, judo e natação do Sporting desde 2016

Psicóloga do desporto nas modalidades olímpicas individuais do Sporting, Dora Ferreira falou à Gazeta das Caldas dos principais desafios que a pandemia criou à sua actividade, desde a ansiedade nos atletas no tempo do confinamento, à confiança que é necessário gerar para o regresso ao trabalho. Mas também há vantagens já visíveis, como o fortalecimento dos laços nas equipas

A pandemia teve efeitos a vários níveis no desporto. O mais imediato foi a paragem das competições, mas a obrigação de confinamento dos atletas criou também uma série de sentimentos com os quais nem sempre é fácil de lidar.
A caldense Dora Ferreira é psicóloga das modalidades olímpicas do Sporting Clube de Portugal e diz que este processo, ainda longe de terminar, foi algo de novo para todos e que obrigou a uma aprendizagem comum, em tempo real.
A psicóloga recorda que, antes do confinamento, os atletas estavam focados na preparação ou no apuramento para os Jogos Olímpicos. “Tiveram uma percepção de falta de controlo e insegurança em relação ao que ia acontecer na sua vida profissional. Não sabiam quando e em que condições poderiam regressar aos treinos, as provas a que poderiam ter, ou deixar de ter, acesso, e se haveria, ou não, os Jogos Olímpicos”, recorda.
Dora Ferreira conta que sentiu muita insegurança nos atletas, até em relação a sintomas que se assemelhavam aos da doença, e diz que o trabalho incidiu em encontrar estratégias para lidarem melhor com a situação, num trabalho feito em conjunto com as equipas técnicas.
O trabalho a nível psicológico nessa fase recaiu sobre a prevenção de surgimento de patologias, como a ansiedade. “Nestas condições podem surgir problemas, ou aflorar algo que já possa existir de forma ligeira. É importante que as pessoas percebam o que está a acontecer e, sobretudo, relativizar, para não se deixar envolver por pensamentos menos positivos e situações de tristeza”, refere. Falta de sono e falta ou excesso de apetite são outras patologias que se podem detectar.
Além disso, foi necessário redefinir objectivos para os atletas de elite de modo a manter o alto rendimento, sem terem um objectivo desportivo específico.
Também ao nível da formação, o apoio psicológico foi utilizado e até com extensão aos pais dos atletas. “Realizámos acções com a Academia Sporting de atletismo com abertura aos pais, porque foi uma fase complicada. Os pais foram para casa em tele-trabalho, com os filhos em casa em tele-escola e os treinos online, e sentiam necessidade de expor situações que lhes causavam ansiedade”, refere.
Após o confinamento, o trabalho da psicóloga virou-se do confinamento para a retoma. “Foi preciso criar planos de regresso em fases graduais, que transmitissem confiança aos atletas e aos pais, porque saúde e bem-estar estava em jogo”.

CONFINAMENTO ESTREITOU RELAÇÕES SOCIAIS

Todo este processo foi uma novidade para todos os agentes envolvidos e Dora Ferreira realça que isso reforçou os laços entre todos. “Acabámos por nos ver mais em confinamento do que antes, nas plataformas online, e também acabámos por nos sentir mais próximos, apesar de fisicamente distantes”.
A psicóloga realça que, no Sporting, apesar de o regresso às pistas ter sido muito gradual, as performances desportivas nas competições já realizadas foram “excelentes”, o que comprova que o trabalho teve resultados.
As consequências da pandemia não são fáceis de assimilar, mas para a psicóloga nem tudo será negativo, pelo contrário. Dora Ferreira realça que houve já um reforço das relações sociais. “As equipas estão mais unidas. Este regresso, ainda que condicionado, transmite felicidade”, sustenta. Além disso, acrescenta, durante o confinamento muitos atletas aproveitaram para trabalhar aspectos que tinham menos desenvolvidos e que não conseguiam melhorar dentro das suas rotinas, o que foi outro aspecto positivo desta fase.

Seis anos no Caldas impulsionaram carreira na psicologia desportiva

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Dora Ferreira está há quatro anos no Sporting Clube de Portugal, ligada às modalidades olímpicas individuais, mas o seu percurso começou há 14 anos. No seu trajecto, destaca a passagem de seis anos pelo Caldas Sport Clube, onde chegou a trabalhar com a equipa principal.
Era ainda estudante de psicologia quando começou o seu trabalho na área da psicologia no desporto, numa altura em que a actividade estava ainda pouco difundida. A primeira oportunidade surgiu com um pré-estágio com os juniores da Unão Atlética Povoense, da Póvoa de Santa Iria. Seguiu-se uma temporada no Beneditense, a primeira completa e outra no Caldas, sempre nos juniores.
Foi no pelicano, onde esteve entre 2007 e 2013, que as portas se abriram para se lançar profissionalmente. Trabalhou com a equipa sénior e criou um gabinete de apoio que servia todos os escalões de formação, no qual foi criado também o projecto sala de estudo.
“Agradeço muito a oportunidade que me deram nessa altura, desenvolvi-me e aprendi muito lá com o clube, grande orgulho que digo que trabalhei no Caldas”, sublinha.
A última experiência no Caldas, em 2012/13, foi no acompanhamento da equipa feminina. Em 2009, também começou a acompanhar atletas olímpicos, na marcha do CN Rio Maior.
Interrompeu a actividade durante um ano devido à maternidade e regressou para trabalhar com atletas de golfe e leccionar na Escola Superior de Desporto de Rio Maior. Em 2016 deixou a escola e recebeu o convite de Paulo Malico Sousa para trabalhar no Sporting, no programa olímpico multidisciplinar coordenado por Sílvia Saiote, que engloba psicologia, nutrição e preparação física. Trabalha directamente com um conjunto de modalidades individuais dos leões, que incluem o atletismo, a natação, o judo, a canoagem, a ginástica de trampolins e o ténis de mesa.

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