Oito alunos do projeto-piloto iniciado em 2011, para promover a prática entre os mais velhos, atingiram o cinto negro
De kimono branco vestido e de cinturão negro, Armindo Piedade, de 88 anos, não escondia o orgulho na tarde de 25 de abril no Pavilhão da Mata, nas Caldas. Acabara de receber o cinto pelas mãos de um mestre japonês e provar que o karaté é mesmo para qualquer idade.
“Tinha 74 anos quando comecei a fazer karaté, porque me sugeriram que experimentasse. Experimentei e gostei, tanto que andei até há cerca de dois anos, quando me lesionei no joelho e deixei de poder treinar”, conta este alfeizerense, que vive nas Caldas, na Encosta do Sol. “Tenho muito orgulho em ter chegado ao cinto negro do karaté, mas não só! Tenho muito orgulho na minha atividade nesta idade. Ainda há três anos subia três lances de escadas a correr, que hoje já não posso, mas continuo sempre ativo, trabalho na agricultura, com a enxada na terra”, partilhou. Contam os amigos que o ajudam no campo que este octogenário ainda conduz a carrinha e o trator sem problemas e que, na horta, tem um ritmo difícil de acompanhar. “É o meu desporto! Tenho lá batata-doce, repolho, feijão e outras coisas que eu e a minha esposa comemos e que oferecemos aos nossos amigos”.
Olhando para trás, Armindo Piedade não esconde que, com a idade que tinha, o karaté foi uma escolha “um bocado difícil”, com deu o seu “melhor” e hoje tem “saudades”. “Nunca faltava e a parte do convívio também era importante, encontrei e fiz aqui grandes amigos que sempre me ajudaram!”, conta.
Mas recuemos a 2011, à primeira aula de karaté para seniores. Este foi um projeto-piloto que nasceu nas Caldas, pela mão do mestre Fernando Fidalgo, que era então presidente da Delegação da Cruz Vermelha das Caldas, dava aulas de informática ao Clube Sénior e tirava um mestrado em Treino Desportivo na Escola Superior de Desporto de Rio Maior. Foi numa aula de informática do Clube Sénior que surgiu esta ideia, num momento em que ao mostrar o mundo dos sites aos alunos, exemplificando com o do Clube Karaté Shotokan de Caldas, estes ficaram impressionados com as imagens e um dos alunos – Artur Cardante – desafiou o professor para marcar uma aula e assim foi.
A primeira aula decorreu num dia… particular: 28 de fevereiro de 2011. “Nesse primeiro treino, até terminarmos, o meu pensamento era de que aquilo não ia continuar, porque quando lhes pedi para se sentarem no chão e vi as dificuldades de alguns deles, pensei que aquilo não iria voltar a acontecer. Curiosamente, quiseram voltar e iniciámos a prática dois dias por semana com seis pessoas”, recorda.
Inicialmente não havia qualquer ideia de progressão normal, o objetivo era fazer atividade física, mas, com o avançar dos treinos, Fernando Fidalgo decidiu fazer um projeto mais consistente, falou com o diretor técnico nacional e com mestres japoneses “e assim ganhou caminho”.
A ideia dos cintos negros “foi-se formando quando já estavam nos cintos castanhos, foi aí que se foi começando a criar o sonho de chegar a 1º dan”, revela o mestre, que acredita que alguns deles “ainda possam atingir outra graduação” superior.
Fernando Fidalgo conta que logo após as primeiras sessões nota-se um ganho imediato no equilíbrio dos praticantes, benéfico na prevenção das quedas, tão recorrentes em idades mais idosas, e depois há ganhos em força, mobilidade e amplitude articular e ainda na orientação espacial. E, sem testes, sente que há ganhos também ao nível das estruturas de memórias, pelo facto de conseguirem decorar os esquemas, em várias direções e com técnicas diferentes. Depois de ver oito alunos cumprirem este sonho, o mestre diz que “é um orgulho que tenham estado estes anos todos a treinar, porque o karaté é uma forma de estar na vida, mais do que treino físico”.
Já em 2014 o mestre replicou o projeto em Peniche, associado à Universidade Sénior, onde conta com 11 alunos. “A grande dificuldade é fazer com que as pessoas com mais de 60 anos iniciem a prática, porque pensam que já não conseguem, mas deixo-lhes o desafio de virem experimentar”, frisa. Para tal, os interessados devem contactar o clube. Outra grande dificuldade tem sido sentida nos últimos dois anos, com a pandemia, que tem impedido a entrada de novos alunos nesta classe.
Mais de uma década depois de iniciar este projeto, Fernando Fidalgo não tem dúvidas. “Seguramente aprendi muito mais com eles do que lhes consegui ensinar e aprendi muito na forma de ensinar”. E esse é o maior ippon que poderia almejar. ■






























