Jorge Serrazina fez a grande travessia dos Pirinéus em 366 horas

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Jorge Serrazina durante a prova à passagem por Barèges | D.R.
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Jorge Serrazina durante a prova à passagem por Barèges | D.R.

O corredor de grandes distâncias Jorge Serrazina, residente na Salgueirinha (Óbidos), acabou de regressar de uma das mais duras provas de ultra maratona do mundo – a Transpyrenea 2016, a grande rota que atravessa os Pirinéus, desde o mar Mediterrâneo até ao oceano Atlântico próximo da fronteira franco-espanhola pelo lado francês. Fez os 866 quilómetros da prova em 366 horas, o que equivale a 15 dias e seis horas. Pelo caminho enfrentou muito calor, chuva e granizo, mas nada demoveu este ultramaratonista, de 60 anos, que é uma referência para muitos desportistas porque tem no seu currículo a participação em importantes provas, como o Tour de Géants, do Monte Branco, do Monte Everest e de La Mission na Patagónia.

 

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As bolhas que ainda tem nos pés uma semana depois de terminada a prova, lembram-no das dificuldades que passou durante cerca de 15 dias, pelas montanhas dos Pirinéus, mas a superação do objectivo a que se propôs sobrepõem-se a todas as mazelas. “É uma experiência de vida”, revela o ultramaratonista que tomou contacto com esta prova através das redes sociais.
Jorge Serrazina correu a Transpyrenea, uma prova de 866 quilómetros, num percurso feito que ligou o Mediterrâneo ao Atlântico através dos Pirineus. Começou na fronteira franco-catalã de Perthus, a 19 de Julho, e terminou em Hendaye (também no lado francês da fronteira com Espanha), a 4 de Agosto. Começaram a prova cerca de 300 atletas e terminaram-na 78, entre eles os três portugueses Jorge Serrazina (33º lugar), João Colaço (55º lugar) e João Oliveira (10º lugar).
No caso de Jorge Serrazina (assim como de muitos outros) os 866 quilómetros da prova acabaram por ser mais porque perdeu-se durante o percurso, durante três horas, e teve que voltar ao trilho certo. “Desviei para um trilho que era uma ramificação do principal, até que cheguei a um lago e vi que estava errado, então pergunto a um grupo de turistas, com um guia, que me disseram que estava longe e tive que voltar”, recorda o ultramaratonista à Gazeta das Caldas. Nessa altura, encontra o amigo João Colaço, da Marinha Grande, e a partir daí fizeram cerca de uma semana em conjunto.
“Foi bom porque fomo-nos apoiando mutuamente”, conta, lembrando algumas das adversidades por que passaram. “Houve uma noite que só conseguimos chegar ao posto de apoio às 6h00 da manhã, com muita chuva, pedra e um barulho ensurdecedor das cataratas”, diz, lembrando que estavam tão cansados que umas horas antes, mesmo com chuva a cair-lhes em cima, tiveram necessidade de se deitar em cima de uma pedra e descansar um pouco.
A prova difícil, tanto pela distância como pelas condições climatéricas, foi amenizada com a presença da esposa e da irmã de Jorge Serrazina, que o alcançaram na segunda semana e o foram acompanhando até alcançar a meta. A partir dessa altura foi a esposa quem lhe tratou das bolhas dos pés, deixando de ser o próprio atleta a ter de o fazer, recorrendo ao canivete que levava.
A família levou-lhe também mais dois pares de sapatilhas, pois o primeiro ficou destruído ao fim dos primeiros 300 quilómetros. Viria a destruir outro par e a usar mais dois para completar os perto de 900 quilómetros de caminho.
Foi também nessa altura que começou a acertar as zonas de descanso, combinando os locais onde se encontrariam. Contudo, numa das vezes as coisas não correram conforme o previsto e a família ficou sem ter notícias de Jorge Serrazina até ao dia seguinte. Estavam na montanha, numa zona sem rede de telemóvel, com muita chuva e nevoeiro, impossibilitando o atleta de ter visibilidade do caminho. “Estava completamente sozinho por volta da meia-noite e era impossível encontrar o trilho”, pelo que pensou em voltar para trás, cerca de 1,5 quilómetros, e dormir numa cabana abandonada, onde já tinha parado um pouco a descansar. Viriam a encontrar-se no dia seguinte.

APAIXONADO PELAS CORRIDAS DE MONTANHA

Engenheiro agrónomo de profissão, Jorge Serrazina começou a correr em 2003 (com 47 anos), por convite do vizinho, António Miranda, que na altura tinha sido convidado pela Câmara de Óbidos para criar um clube de atletismo e socorreu-se dos amigos para o dinamizar. Começou logo a participar em provas de montanha porque era o que mais gostava pelo contacto com a natureza, embora também tivesse feito mais de 20 maratonas de estrada, por vários países.
Para esta que foi a prova mais exigente em que participou, Jorge Serrazina não teve uma preparação específica. Limitou-se a participar nas ultras (provas com mais de 100 quilómetros) que foram feitas em Portugal. Também participou numa prova na Patagónia de 160 quilómetros, que já exigia uma autonomia total.
Na Transpyrenea o atleta transportava às costas uma carga de aproximadamente 10 quilos, entre roupa, saco cama, colchão e alimentos. Levava comida liofilizada (comida desidratada, sem conservantes em que basta adicionar água para consumir) e comia nos abrigos e postos de abastecimento. A água que bebia era dos rios. “Levava as pastilhas de purificação da água mas nunca as usei”, revela, acrescentando que naquela zona de montanha a água era muito pura.
Poucos dias depois de regressar a casa, Jorge Serrazina já estava a organizar o VIII Trail Nocturno da Lagoa de Óbidos, que decorreu a 13 de Agosto. Nesse dia, antes da prova, os três participantes na Transpyrenea estiveram juntos, na cerca do castelo, à conversa sobre esta aventura.
O atleta de Óbidos diz que, por agora, não está nos seus planos repetir a proeza. “Isto é para se fazer uma vez na vida”, afirma, e depois ressalva: “mas nunca digas nunca!”. É que nesse mesmo dia já tinha recebido uma mensagem de um francês, que não conhece, a dar-lhe os parabéns e a dizer-lhe que tinha uma prova adequada para ele. “Começam a aparecer desafios diferentes”, comenta.
Mesmo sem ser a correr, Jorge Serrazina gostaria de voltar aos Pirinéus, com a família, para poder apreciar as paisagens onde passou durante a noite e apenas ouvia o som da água a cair nas cascatas.

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