“Não há gente nova a interessar-se pela cerâmica”, diz o presidente da Associação de Cerâmica Criativa

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notícias das CaldasA oitava edição da Feira de Cerâmica Contemporânea decorreu no passado fim-de-semana, de 14 a 16 de Julho, em S. Martinho do Porto, na habitual tenda, colocada junto à baía.
Nesta edição, que contou com sete novos ceramistas, houve trabalho ao vivo e raku e que foi feita na praia. Várias novidades num evento que segundo o presidente da Associação Três Cês, Jean Ferrari se consolidou, tem cada vez maior procura por parte de ceramistas de todo o país.
Na sua opinião constata-se que os jovens não estão a querer apostar nesta área. “Todos os autores que aqui estão já passaram os 40 anos, não vejo grande interesse nos jovens por esta arte”, disse o ceramista.

Apesar do principal mote da Feira de Cerâmica contemporânea ser a divulgação do melhor que se faz em cerâmica na actualidade e por todo o país, e, apesar da crise, este ano “foi bom em termos de vendas”. Quem o diz é Jean Ferrari, o ceramista francês e presidente da Associação Três Cês que organiza este certame, o único dedicado em exclusivo à cerâmica contemporânea. Entre os participantes, contaram-se Carlos Enxuto, Ana Sobral, Mário Reis, Cláudia Canas e Paulo Óscar.
Segundo o responsável, tem também aumentado a procura por parte dos participantes. “Há cada vez mais autores a querer vir a esta realização. Tive mais contactos do que o habitual”, disse satisfeito o organizador deste iniciativa que se realiza pelo oitavo ano consecutivo.
Com o aumento do espaço da tenda em 50 metros logo nos surgiu a ideia de convidar o Cencal “para permitir o trabalho ao vivo no evento”, disse o responsável comentando “que faz sentido que os centros de formação marquem presença neste tipo de iniciativa”.
Jean Ferrari está inquieto com a pouca procura por parte dos jovens por esta área. “É uma preocupação que sinto pois todos os que aqui estamos já passámos dos 40”, disse afirmando que já expressou o facto junto de entidades como a ESAD e o Cencal. Esta falta de interesse dos mais novos explica-se, para este autor, porque a “o trabalho com a cerâmica não é valorizado” e acima de tudo porque “é desconhecido”. E considera que as entidades públicas têm o dever de agir, apoiando a divulgação e a formação neste área.
Há também a ideia de se criarem eventos não apenas no Verão, como este, mas durante a época escolar de modo a permitir às crianças e jovens “um despertar para os domínios artísticos onde se inclui a cerâmica”, disse Jean Ferrari.
O ceramista gaulês, ligado à região há vários anos, está contra, por exemplo, a construção de mais um museu nas Caldas no actual contexto. “Não faz  sentido criar mais um  museu nas Caldas quando o dinheiro faz falta para a formação e divulgação das vertentes artísticas”, disse o autor.
Jean Ferrari referiu ainda que ficou satisfeito por nos encontros sobre cerâmica, que aconteceram recentemente em Alcobaça, a Feira que organiza ter sido citada como um exemplo positivo na avaliação geral do sector.
A Associação Três Cês está ainda a desenvolver um projecto com o Mosteiro e com a Câmara de Alcobaça e que vai resultar numa exposição temática que se realizará em Setembro. “A minha ideia era a de dar mais dinâmica ao evento, incluindo as propostas de designers e das empresas”, disse Jean Ferrari que enviou e formalizou mais de 50 convites a profissionais e a empresas de cerâmica das zonas de Alcobaça,  das Caldas e de Lisboa, além de ter pedido apoio ao Cencal e à ESAD. “O resultado deste esforço foi zero”, contou, “nenhum designer ou empresa quis participar”. Valeram os ceramistas e os artistas plásticos que ao todo apresentaram a concurso cerca de 50 propostas.

Uma exposição de homenagem a Armando Correia nas Caldas

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Marina Ximenes foi uma das visitantes da Feira de Cerâmica contemporânea. Acha que a qualidade das peças “está a elevar-se” e que a parte estética “está muito bem cuidada na maior parte dos artistas presentes”. A caldense  acompanha este evento há vários anos e considera que “varreu-se o que não era bom” e, por isso, a Feira de S. Martinho está a tornar-se numa realização de autor, tal “como me lembro que Armando Correia sempre defendeu”, disse a visitante, companheira deste autor caldense que faleceu há três anos.
Marina Ximenes considera que funciona sempre muito bem associar o trabalho ao vivo “pois as pessoas são sempre muito curiosas sobre os processos alquímicos da feitura das peças”. É, na sua opinião, “uma forma de interessar os diferentes públicos e de os tornar participativos”.
A visitante contou ainda à Gazeta das Caldas que está a ser preparada, por um grupo de amigos, uma exposição sobre Armando Correia. “A Câmara está receptiva à sua realização e esta deverá ser associada à Festa da Cerâmica”, disse. Estão a ser entrevistadas pessoas que com ele privaram e que irão ceder peças para uma exposição e execução de catálogo.

Mais espaço para dar lugar ao trabalho ao vivo

Não podia ter corrido melhor a aposta no trabalho vivo. Agora a Feira de Cerâmica Contemporânea, que viu a sua tenda aumentada em 50 metros, não recebe apenas visitantes que observam. Estes agora também experimentam “pôr as mãos no barro”. Com a ajuda de dois técnicos do Cencal era ver os mais novos a chegar e a arregaçar as mangas para aprenderem a realizar tigelas e jarras.
Foi o que fizeram os três irmãos Lugano que estavam com os pais, no sábado à tarde, a visitar o evento. Os três visitantes revezaram-se na roda e cada um criou a sua peça. A mãe, Suzete Francisco conta que os seus pais têm casa em S. Martinho e por isso a família está a passar férias no Oeste. “Estou a gostar muito da feira, que até aqui não conhecia”, disse a visitante que além de ter gostado das propostas da cerâmica contemporânea ainda gostou mais do facto dos seus filhos poderem experimentar moldar o barro.

 

Participantes

Elsa Gonçalves, Lisboa

“Gosto de trabalhar temas que são comuns a todas as culturas”

“Trago um trabalho relacionado com as orações. Estas, em todo o mundo, são lengalengas em volta de um eixo. Logo o que proponho é que cada pessoa construa a sua oração.

Fiz várias peças que podem ser colocadas ao gosto de cada um, fazendo cada um a sua própria composição.

Fiz uma animação com crianças para as sensibilizar e resultaram várias propostas. Gosto de trabalhar temas que são comuns para todas as culturas.

As orações podem custar entre os  37 e os 80 euros.

É a  primeira vez que faço parte deste evento, apesar de o conhecer bem. Creio que seria interessante se se pudesse realizar também uma outra exposição-venda quando as escolas ainda funcionam para poder ser visitado pelos alunos”.

Cláudia Canas – Caldas da Rainha

“Importante sobretudo pelo convívio entre ceramistas”

Esta é a primeira vez que venho participara na Feira de S. Martinho e trouxe peças em grés chamotado com três tons diferentes de pasta: preto, vermelho e creme. Trouxe peças que custam entre os 10 e os 70 euros.

O evento é muito interessante, já conhecia e é bom sobretudo pelo convívio entre os ceramistas. Creio que o resultado do evento está a ser positivo para toda a gente.

Sim, creio que este evento poderia realizar-se com regularidade nas Caldas, espero que haja vontade pois há vários espaços para o poder fazer.

José Ramos, Porto

 

“Depois de me aposentar estou a dedicar-me às artes”

 

“Tenho atelier em Celorico de Basto mas vivo em Gaia. Tenho várias vertentes no meu trabalho de cerâmica. Estou a apresentar peças com terras sigilatas (engobe) e com um acabamentos de sais metálicos.

Dedico-me à cerâmica há três anos. Aos 20 anos, frequentei a Escola de Belas Artes do Porto mas tive que seguir outro rumo.  Estive no ensino, fui funcionário do Ministério da Educação e depois de me aposentar  pensei em dedicar-me às áreas artísticas de que tanto gostava. É o que estou a fazer.

Acho o evento muito interessante e estou satisfeito de estar a participar pois sou o único a apresentar peças com terra sigilatta.

As minhas peças variam entre os 20 e os 50 euros, mas não tenho grande interesse em fazer negócio, não é o dinheiro que me move”.

Maria do Céu Nogueira

 

“Ensino outros a interessarem-se também pela cerâmica”

 

“Trabalho com grés e “paper clay”  e trouxe vários trabalhos sobretudo os da minha última pesquisa que são trabalhos rendilhados. Gosto de explorar todas as potencialidades do barro.

Tirei o curso no Ar.co, divido o espaço com mais duas autoras e também damos formação a crianças e adultos.  Sou voluntária numa universidade e estou a gostar de poder ensinar e a contribuir para que outros se interessem também pelo trabalho no cerâmica.

As minhas peças custam entre os 15 e os 100 euros.

Estou muito satisfeita de participar pois nesta iniciativa onde há muita qualidade e apresentamos todos trabalhos tão diferentes”.

Josiane Rodrigues

“É muito agradável ver bancadas completamente diferentes umas das outras”

“Trabalho com grés, com o “paper clay” e nas minhas peças uso  vidrados e ainda faço pesquisa com fumos.

Esta feira é óptima, estou a gostar muito de participar. A localização junto à baía é óptima e em termos de trabalho é muito agradável ver bancadas completamente diferentes uma das outras.

Comecei pela pintura e depois descobri que tinha vontade de trabalhar as três dimensões.  Continuo a trabalhar a meio tempo mas agora decidi dedicar-me ao que gostava: a cerâmica.

Trouxe peças com preços entre os 30 e os 80 euros”.

 

Rosário Paquete

“Ainda sou aprendiz de feiticeira”

“Trabalho numa oficina há 13 anos em Grândola com Amadeu Coto. Ele faz as peças maiores enquanto que as figuras femininas são minhas. Trabalhamos com alta temperatura, usando refractário, grés e também a porcelana. Usamos carvão, arame ou madeira que funcionam como adereços às peças. Amadeu já é ceramista há 30 anos e eu há 17, por isso ainda sou aprendiz de feiticeira.

É a primeira vez que venho e é um bom evento pois aposta muito na qualidade. Fiquei contente de conhecer os meus colegas pessoalmente e de com eles trocar ideias. O país está cheio de coisas interessantes e de gente a trabalhar bem.

Só vivemos da cerâmica e damos resposta a encomendas.

As minhas bonecas custam 95 euros e as obras do Amadeu, 220”.

 

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