“Zé Povinho de hoje tem dois carros e aguarda pelo próximo iPhone”

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O segundo debate sobre a personagem incidiu sobretudo no desenho e na imagem que hoje tem o representante do povo

Cristina Sampaio e Nuno Saraiva vieram ao CCC falar sobre Zés Povinhos. Para o último, o Zé de hoje tem dois carros e quer o telemóvel mais moderno

A maioria dos cartoonistas portugueses usam o Zé Povinho nos seus trabalhos.

Nuno Saraiva e Cristina Sampaio são dois dos atuais ilustradores e cartoonistas que o fazem e que vieram às Caldas a 27 de setembro para conversar sobre a sobrevivência da personagem e para debater se esta ainda representa o que é ser português hoje.

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“Sempre desenhei Zés, primeiro no campo do erotismo, depois a partir de 2003 no projeto editorial do Inimigo Público”, disse Nuno Saraiva, autor premiado que começou na banda desenhada e que diz que tem uma relação difícil, de amor-ódio com esta personagem.

“Tenho-o no meu coração, vejo-o com toda a ternura mas considero-o um reacionário, que cai nas armadilhas mas que também elege. Na sua opinião, o próprio Bordalo Pinheiro – com quem não antipatiza – “não gostava do seu filho pois retratava-o um pouco chateado e com uma albarda, com uma postura de subserviência e que carrega os poderosos. “O Toma não é uma obra gráfica, mas surge sim da cerâmica”. Segundo Nuno Saraiva, o Zé Povinho a fazer o manguito surge já depois da morte do pai, Bordalo Pinheiro. Para este autor o Zé Povinho de hoje “tem dois automóveis e está muito preocupado com o próximo modelo iphone e, muito provavelmente, vota naquele partido que eu me recuso a dizer o nome”.

Por seu lado, Cristina Sampaio tomou contacto com Zé Povinho do Abel Manta quando tinha 14 anos e quando se deu o 25 de Abril. Os pais eram da oposição e “já me tinham passado ideias de contestação”. A figura do Zé Povinho foi imediatamente adotada por esta autora premiada que adotou também o Zé. “Quando comecei a ganhar dinheiro fazendo bonecos comecei a desenhar Zé Povinhos por necessidade”, contou. A autora acrescentou que “precisamos de símbolos e até de clichês para falar sobre o povo português, ou melhor, sobre o homem da rua e é por isso que recorremos ao Zé Povinho”. Para a autora, esta personagem é “aquilo que quisermos fazer dele”. E especificou: “já o retratei como vítima e também como um oportunista”. Para a artista “ele é bastante moldável e conseguimos usá-lo conforme o ar do tempo”.Quando o desenhou com as calças na mão e com Passos Coelho com um cinto mas que o usa para o estrangular “era assim que a maioria das pessoas se sentiam no seu governo”. Quando o coloca a dar biberão “aos poderosos da UE” e com uma roca com o símbolo do futebol, “é a representação do povo que ali está”.

A convidada referiu que maioria dos cartoonistas é de esquerda ma levantou a hipótese de como seria o Zé Povinho de um cartoonista de direita. “Na verdade ele um veículo e nós fazemos dele o que queremos. É uma simplificação, algo muito simbólico que acaba por ser um recurso como a Marianne dos franceses”, disse Cristina Sampaio. Há também num Zé um aspeto algo anacrónico pois já ninguém se veste daquela maneira ou usa aquele chapéu. “Há quem me pergunte se ele é um Amish”, disse. Cristina Sampaio que por norma se dedica mais ao Internacional considera ainda que há muitos tipos de Zés. O Toma! Queres fiado ? é algo que recordo das tascas e das tabernas enquanto que o Zé Povinho do Abel Manta “é para intelectuais”. A cartoonista deixou no ar a interrogação de porque é que é que nunca usamos a Maria Paciência. “É certo que não tem a mesma notoriedade mas em França usa-se a Marianne que é também uma figura feminina e é muito usada pelos cartoonistas franceses”.

O debate foi moderado pelo historiador Paulo Jorge Fernandes. O evento marcou também o fim da exposição e contou com palavras de agradecimento da vereadora da Cultura – ao curador, Jorge Silva e aos convidados que vieram “à província de Bordalo”. Nuno Saraiva e Cristina Sampaio sentem-se herdeiros de Bordalo pois este “acaba por ser pai de todos nós. Somos membros dessa grande família já que Zé Povinho foi continuado e desenhado pelos seus pares. A iniciativa terminou em festa com os presentes a cantar os parabéns a Cristina Sampaio que celebrou o seu 65º aniversário.

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