Terminou nos dias 30 e 31 de Julho, no Cencal, a acção de formação “Árvores de Fogo – Diálogos entre a paisagem e a cerâmica contemporânea”, coordenada pelo ceramista indiano, Wali Hawes.
Este artista – que tem raízes familiares portuguesas – gostou da região e pondera passar por cá uma temporada para poder escrever um livro sobre a performance da cerâmica, uma nova área que foi dada a conhecer no Cencal e que implica trazer esta arte “para o lado do efémero e cuja experiência só pode ser partilhada por quem a faz e por quem assiste”.
Wali Hawes realiza workshops sobre o lado performativo da cerâmica em vários países do mundo. No Cencal construiu com os seus formandos uma grande escultura de ar livre que é em simultâneo obra e o seu próprio forno.
A peça de ar livre esteve a cozer desde as 11 horas do dia 30 de Julho até à madrugada do dia seguinte. No Domingo de manhã ainda não tinha arrefecido totalmente. Em volta da sua cozedura estiveram não só os formandos mas também outros ceramistas vindos de outras partes do país, interessados em perceber como se trabalha em cerâmica de grande formato.
No domingo Wali Hawes estava satisfeito com o resultado final do workshop apesar da peça ter sofrido um pouco durante o processo de cozedura que ao todo demorou 16 horas. “Rachou nalguns sítios mas é algo superficial que facilmente se arranja”, disse o coordenador da acção.
Quotidiano e inovação
Com “Árvores de Fogo” pretendeu-se permitir aos 15 formandos criar escultura pública. Walli Hawes não poderia estar mais satisfeito pois vários participantes comentaram que querem replicar a experiência em menor escala pois as obras podem ser em simultâneo um forno – para o churrasco ou pizzas.
“Aliar a arte a actividades do quotidiano é algo importante”, disse este autor. Com os formandos criaram o próprio barro tendo usado uma pasta refractária e materiais orgânicos.
O autor que teve uma educação inglesa e formação japonesa, é um especialista em arte pública e une os conceitos de cerâmica e de paisagem. Faz este tipo de workshop, cuja parte final é sempre surpreendente, em países como Espanha, Japão, França, Inglaterra e País de Gales embora, por vezes, encontre alguma incompreensão por causa do uso do fogo.
“Se virmos bem de um ponto de vista cientifico cozer a peça ainda polui menos do que guiar um carro”. Além do mais, as árvores absorvem o dióxido de carbono e ainda limpamos os ramos velhos das árvores para atear a fogueira. Para executar esta cozedura são estudadas as condições climatéricas e os bombeiros são avisados para evitar alguma ocorrência e nunca houve problemas com esta cozedura especial de ar livre.
Este tipo de cerâmica performance é algo que está sobretudo “ligado à cultura mediterrânica onde o fogo continua a ser um aspecto importante da cultura tradicional e ancestral”, disse o ceramista que é por isso que o seu trabalho tem mais sucesso nos países do sul da Europa pois os do Norte – onde há tradições puritanas – “desconfia-se de tudo o que é feito com paixão”.
Walli diz que está a tentar explorar uma nova área da cerâmica – performance art – “que não é muito feita neste sector”. Na sua opinião esta formação transporta a cerâmica “para o lado do efémero”, o que significa que “fazemos algo que só fica na memória”.
Considera que esta área da performance prova que a cerâmica poder ser explorada numa nova vertente criativa pois “nem tudo neste mundo de hoje tem que ser cyber”, disse o convidado.
“Quero voltar às Caldas para escrever o meu livro”
“Gostei de estar nas Caldas e estou a pensar em passar cá uma temporada de seis meses para me concentrar e escrever o meu livro sobre cerâmica experimental” – palavras de Walli Hawes que ainda salientou as boas condições e infra-estruturas do centro de formação caldense. Será sobre a vertente da cerâmica-performance e ainda sobre fornos que irá dedicar-se nesta obra.
Tem pena de ter uma agenda complicada pois gostaria de se começar a dedicar à escrita. Ainda terá que construir uma escultura de arte pública numa cidade francesa e como gostou do grupo de formandos com quem trabalhou no Cencal disse que tinha vontade de os levar para trabalhar consigo pois “têm muita experiência e talento”.
Vai também participar no Festival Internacional de Cerâmica e ainda dar continuidade a um projecto que tem com um Art Center em Inglaterra e só depois é que vai poder dedicar-se ao livro. Nele reúne a experiência que tem tido nos workshops que realiza nos diferentes países. “Para mim a cerâmica é um modo de vida e não apenas o meu trabalho”, disse.
Presente na Revolução dos Cravos
“A minha avó materna era de Goa e o seu sobrenome era Lira”, conta Walli Hawes, acrescentando que esta casou com o seu avô, de Damão e de sobrenome Santana. Vieram depois viver para Damão e Walli foi criado com eles, falando por isso português.
Ninguém via muito bem Portugal por terras indianas em especial por não querer sair. “Ninguém apoiou a atitude portuguesa no fim do colonialismo”, disse. Apesar de tudo gostou de crescer em Damão e também em Bombaim “pois desde sempre houve um sentimento especial, carinhoso e hospitaleiro na minha família e que reencontrei aqui durante o decorrer do workshop”.
Além do mais, o ceramista tem duas tias – do lado materno – que casaram com soldados portugueses e vivem em Portugal e é por isso que de vez em quando visita terras lusas. A primeira vez que veio foi em 1966 para visitar familiares.
Da vez seguinte foi mês de Abril de 1974 coincidiu com o Golpe militar permitindo a Hawes estar com as tropas na Praça do Comércio em Lisboa e “ cantar a Liberdade, Liberdade com os soldados. Foi um grande momento”.
Quando os seus pais se reformaram vieram viver para Odivelas e por isso durante os anos 80, Walli Hawes veio várias vezes visitá-los. Depois de uma passagem pelo Porto e por Lisboa, este autor fez uma exposição e um workshop no Ar.Co e uma iniciativa sobre o chá com o British Council.
“As Caldas tem um enorme potencial pois aqui ainda se encontra autenticidade”
Walli Hawes apreciou as Caldas da Rainha e salientou a sua louça naturalista “que não tem sido suficientemente explorada nem promovida”. Considera que é um verdadeiro prazer passear pela cidade e ver “as suas ruas decoradas com cerâmica”. Não só com os azulejos mas também destacou as suas placas toponímicas em cerâmica pois muitas até contam com alguns aspectos escultóricos.
Gostou do que viu nos museus caldenses e, no geral, considera que a cidade tem um grande potencial que merecia ser conhecido até internacionalmente. E isto porque além da cerâmica ainda “tem as termas e a gastronomia num local onde é possível encontrar autenticidade. Não é como, por exemplo, se vive na Costa Brava com milhares de turistas”. Por outro lado, o ceramista acha que é um local onde ainda se consegue descansar e usufruir por isso, e a sorrir, prefere “que continue assim”.
Testemunhos
Paula Violante, Caldas da Rainha
“Sou das Caldas e a formação está a correr lindamente. É fantástico trabalhar com o Wally, pois ele coloca-nos à vontade. Acho algo verdadeiramente fora do vulgar uma peça ser também o seu próprio forno. É maravilhoso.
Tirei o curso de Design de Cerâmica e aproveito sempre estas oportunidades para aprender mais já que não trabalho na minha área. É óptimo para me poder actualizar. Neste momento já aprendi várias novas técnicas de cozedura e também a produzir novas pastas”.
Roland Filarski, Nazaré
“É a segunda vez que venho a uma acção de formação ao Cencal. Está a ser divertido mas há uma parte do trabalho que é um pouco cansativa.
Sou artista plástico e troquei a Holanda por Portugal. Há três anos que moro próximo da Nazaré e dantes trabalhava com madeira e metal mas agora que vim para Portugal prefiro trabalhar a pedra. Há cá pedras maravilhosas.
Já fiz azulejos e aprendi como se faziam os vidrados antigos.
Em Setembro vou regressar para uma acção sobre raku”.
Isabel Braga, Lisboa
“Estou a gostar imenso deste workshop pois nunca trabalhado numa peça de tão grande dimensão nem com esta dupla função de obra e forno em simultâneo.
Trabalho em cerâmica há vários anos e habitualmente venho cá para cursos de formação. Aprende-se sempre muito e o convívio também é muito agradável. Faz-nos muito bem vir a este centro de formação, não só a nível técnico, de aquisição de conhecimentos e também de convívio”.
Elsa Gama, Cascais
“É a primeira vez que venho aqui e gostei imenso pois aprendi muito. Sou educadora de infância de formação mas trabalho há 20 anos com a cerâmica e vou fazendo as minhas experiências, depois de ter frequentado algumas aulas com ceramistas e escultores.
Esta acção foi espectacular pois nunca tinha feito uma peça que é também o seu próprio forno, o que nos dá uma perspectiva completamente diferente do trabalho com o barro.
Como trabalho com adolescentes vou repetir a experiência a uma escala mais pequena. Foi um prazer aprender e partilhar experiências com Wally Hawes e também com os restantes colegas, designers, ceramistas e até engenheiros”.
Filipe Belo, 44 anos, Lisboa
“Está a ser fantástico! É a primeira vez que estou a trabalhar numa peça que é também o seu forno. Costumo vir cá fazer mais cursos de formação e tenho a intenção de regressar.
Trabalho em Psicoterapia e também na área das Artes.
Vim para esta formação porque queria aprender estas técnicas relacionadas com a escultura de grande dimensão e de ar livre. Pretendo aprender a fazer a pasta correcta para desenvolver este tipo de trabalho”.
Maria da Nazaré França, Samora Correia
“Faço cerâmica, tenho o meu atelier há 10 anos em Samora Correia e aprendi muito nesta formação. Creio que vou passar a ser mais atrevida nos meus trabalhos.
O facto de a própria peça ser forno é interessante e a própria cozedura tem um lado apelativo para quem faz e para quem vê. Pode ser que este lado performativo consiga fazer com que as pessoas se interessem para esta área.
Tirei um curso de cerâmica no Cencal em 2007-08 e além do meu trabalho que faço no atelier, organizo actividades com crianças e adolescente, que têm tido muita receptividade.
Sim, vou repetir fazendo as minhas próprias experiências com a escultura de ar livre. Aqui aprendemos o bê-a-bá com o Walli que é um formador muito interessante, que nos transmitiu o que sabe e que interagiu connosco”.






























