A rubrica semanal que a Gazeta das Caldas iniciou no dia 13 de Maio terminou na semana passada. Foram sete as bandas filarmónicas que viram parte da sua história recontada numa página deste jornal sob um olhar que cruzou o passado e o presente destes grupos musicais.
Alternando entre os concelhos de Caldas e de Óbidos, a Banda Comércio e Indústria abriu a rubrica, seguindo-se a União Filarmónica de A-da-Gorda, a Sociedade Filarmónica de Alvorninha, a Sociedade Musical e Recreativa Obidense, a Sociedade Filarmónica Catarinense, a Sociedade Filarmónica e Recreativa Gaeirense e a Sociedade de Instrução Musical, Cultura e Recreio de A-dos-Francos.
Embora cada uma bandas tenha a sua particularidade, é possível identificar uma série de pontos comuns a todas elas. O facto das primeiras formações serem exclusivamente constituídas por homens e actualmente os repertórios serem muito diversificados são apenas dois exemplos.
Foi em Santa Catarina, A-dos-Francos, Alvorninha e nas Gaeiras que se formaram as primeiras bandas filarmónicas. A primeira soma 124 anos e ganha a taça da mais velha e as restantes têm 110, 95 e 90 anos respectivamente. Embora a de Óbidos comemore este mês o 64º aniversário oficial, há registos de actuações desde 1885
As filarmónicas surgiram numa época em que não existiam televisões nem Internet, nem estavam ainda formados a maioria dos grupos desportivos destas localidades. Havia pouca (ou nenhuma) animação e a banda funcionava como um escape ao trabalho no campo (grande parte dos músicos trabalhava de enxada na mão). Enquanto actualmente as actuações decorrem ao fim-de-semana, naquela altura era normal que fossem marcadas para meio da semana: afinal compensava aos camponeses faltar ao trabalho porque se ganhava mais a tocar.
Neste tempo as estradas eram de terra batida, os instrumentos prateados, ia-se a pé para os ensaios, levava-se farnel para os serviços e bebia-se muito vinho. Os veteranos contam que antigamente as bandas eram conhecidas como os “velhos bêbedos” porque era frequente tocar-se mais uma hora por um garrafão de vinho e a média de idades rondava os 50 ou mais anos.
Às vezes a bucha azedava, quando as festas duravam dois dias e o calor estragava a comida. Também era frequente que nestes serviços os músicos ficassem a dormir em palheiros, nos autocarros ou… nem sequer dormissem! E sempre de farda vestida (embora os primeiros instrumentistas se apresentassem à civil).
Nos anos 60 e 70 a Guerra Colonial “roubou” muitos rapazes às bandas. Outros emigraram clandestinamente para França em busca de sonhos maiores. Estes dois fenómenos causaram a paragem de quase todas as filarmónicas de Caldas e Óbidos, que só retomaram a sua actividade depois do 25 de Abril, altura em que as mulheres e os mais jovens também começaram a ter lugar entre os instrumentistas.
Os primeiros maestros vinham das bandas militares e eram conhecidos pelo seu feitio intolerante. Ai do músico que ousasse dar a sua opinião sobre uma peça ou se levantasse da cadeira sem lhe pedir autorização.
Faz pouco tempo que a formação musical está acessível nas escolas – através do ensino articulado – e nas academias e conservatórios locais. Durante muitos anos quem queria seguir carreira de músico ou tinha meios para frequentar o Conservatório de Lisboa ou entrava para o Exército. Daí que os primeiros maestros fossem maioritariamente ex-militares.
Para trás ficaram ainda as rivalidades entre bandas do mesmo concelho.
Bandas mais jovens e com repertório diversificado
Se antes os mais novos dificilmente tinham lugar na banda, hoje a maioria das bandas é jovem e os mais velhos reformam-se mais cedo. Para garantir que chega “sangue novo” às bandas é preciso apostar nas Escolas de Música, de onde saem os novos músicos.
Todas as filarmónicas de Caldas e Óbidos ensinam gratuitamente, mas só Santa Catarina e Gaeiras é que investem em professores externos. Nas restantes localidades as aulas são dadas pelos maestros e músicos mais experientes (alguns profissionais). De notar uma evolução, tendo em conta que antes os maestros ensinavam todos os músicos de instrumentos diferentes.
Como actualmente os jovens são muito mais ocupados que antigamente – a escola é conciliada com a música entre outras actividades extracurriculares – e já existe televisão, internet e telemóveis, o grande desafio é conseguir manter os mais novos nas bandas. Para os motivar aposta-se em repertórios mais complexos e diversificados: já não se toca apenas a típica música das procissões e festas populares, mas também temas de filmes e arranjos de canções pop, rock e até heavy-metal. A música é menos pesada e mais ligeira.
Comuns são também as dificuldades financeiras. O preço elevado dos instrumentos (e respectivas reparações) assim como das fardas e a manutenção das sedes são as principais despesas, sendo que tanto os municípios de Caldas como Óbidos subsidiam as suas filarmónicas. Contudo, enquanto as obidenses recebem por igual (e contam com um espaço gratuito no Mercado Medieval, a sua maior fonte de receita), as quatro bandas caldenses recebem quantias diferentes. A Banda Comércio e Indústria é a mais apoiada financeiramente e Santa Catarina e Alvorninha as que ganham menos.
Em todas as bandas é comum encontrarem-se várias gerações familiares e namoros que muitas vezes acabam em casamentos. O convívio entre miúdos de 10 anos e veteranos de 70 é uma característica rara de encontrar hoje em dia noutro local senão nas filarmónicas.
Há mais bandas filarmónicas na região
O Círculo de Cultura Musical Bombarralense tem cerca de 10 valências e aposta nos intercâmbios
O Círculo de Cultura Musical Bombarralense (CCMB) foi fundado em 1979 e conta com cerca de 500 sócios e 10 valências (oito delas musicais). A sua origem esteve na banda “Música Velha”, mais conhecida por “Os Roufenhos”, formada em 1893 no Bombarral.
Curiosamente, a banda filarmónica foi o primeiro agrupamento do Círculo, que também inclui uma Orquestra clássica, o Grupo Coral Adulto e o Grupo Coral Infanto-Juvenil, o grupo Cottas Club Jazz Band, a West Europe Orchestra (que já acompanhou em concerto cantores como Luís Represas e Jorge Palma, preparando-se em Agosto para actuar com os Deolinda) e o Grupo de Cantares Populares “Os Mal Vestidos”. Frequentam a Escola de Música (que tem professores contratados) 40 alunos e a banda conta com 45 elementos (dos 12 aos 48 anos).
Dirigida pelo maestro Vitor Feitor, a filarmónica realiza 15 serviços anuais e regista no seu currículo vários intercâmbios.
O CCMB tem sede própria e funciona ainda como polo local do Conservatório das Caldas da Rainha, recebendo 120 alunos. Tal como a Sociedade Filarmónica Carvalhense também não recebe subsídios camarários.
A especialidade da Associação Filarmónica da Nazaré são os espectáculos tauromáquicos
A Associação Filarmónica da Nazaré (AFN) é das colectividades musicais mais recentes da região, contando apenas com 10 anos de existência (celebrados no passado dia 1 de Junho) e 115 sócios. O seu maestro é Jorge Roque que dirige 30 músicos (o mais velho com 10 anos, o mais novo com 79). Dos 25 serviços da banda cerca de 15 são espectáculos de tauromaquia: o ano passado a filarmónica actuou nas três corridas de touros que foram televisionadas (Póvoa de Varzim, Abiul e Albufeira). A Escola de Música é frequentada gratuitamente por seis alunos.
A AFN é também a única da região a recriar num auditório (neste caso do Teatro Chaby Pinheiro) um concerto tauromáquico, avançando este ano com a quarta edição do espectáculo onde são utilizados adereços das corridas e inclusive são convidados cavaleiros profissionais que assistem ao concerto ao lado do público. Só não entram os touros e os cavalos.
Banda Sinfónica de Alcobaça é a estrela da Academia
Com origem na Fanfarra Alcobacense (agrupamento composto apenas por metais que se extinguiu em 1912), a Banda de Alcobaça foi fundada em 1920 e actuou por 40 anos. Após uma paragem de 15 anos, a banda retoma a sua actividade em 1985 com uma vertente estilística mais próxima da banda sinfónica do que da filarmónica tradicional.
Do seu currículo fazem parte vários CD’s gravados (em 2000 e 2010), concursos de bandas (Ateneu Artístico Vilafranquense, onde obteve o 1º lugar em 2010 e 2º lugar em 2012 e o Concurso Internacional de Bandas de Música de Valência) e ainda actuações com grupos como os The Gift. A participações nas edições do Festival Cistermúsica têm sido outra constante.
Actualmente a banda é composta por 50 a 70 elementos (dependendo do repertório do concerto), dos 12 aos 45 anos, e é alimentada pelos alunos da Academia de Alcobaça, realizando cerca de 10 espectáculos por ano. Desde 2002 que o seu maestro é Rui Correia.
Associação Filarmónica e Cultural do Cadaval é uma verdadeira Escola de Música
Com 119 anos, a Associação Filarmónica e Cultural do Cadaval designava-se inicialmente Philarmónica Cadavalense Recreio Musical Dramático. A falta de apoios financeiros e o impacto das duas guerras mundiais fizeram parar a banda em 1922 e 1944. A actividade é retomada em 1981 graças à ajuda da Casa do Povo do Cadaval, passando a colectividade a chamar-se Banda da Casa do Povo do Cadaval. Contudo, quatro anos depois, os instrumentos são novamente arrumados e só em 1989 é que a banda reinicia os ensaios e em 1993 é criada a actual associação.
Hoje a banda é composta por 20 elementos (dos 22 aos 71 anos) e dirigida pelo maestro Marco Silvestre. Soma cerca de 10 serviços por ano e conta com actuações fora do país (em Troyes, França e Hamburgo, Alemanha).
A funcionar desde 1989 está a Escola de Música que alargou o seu ensino a mais instrumentos do que aqueles que integram a filarmónica: também existem aulas de canto, violino, piano, guitarra acústica, guitarra eléctrica, baixo eléctrica e bateria de jazz. Este ano a Escola encerrou o ano lectivo com 25 alunos. As aulas tanto são dadas por professores contratados como pelos músicos mais experientes da banda e o próprio maestro.
Sociedade Filarmónica Carvalhense não recebe subsídio da Câmara do Bombarral há seis anos
À semelhança do Circulo de Cultura Musical Bombarralense, a Sociedade Filarmónica Carvalhense (SFC) também não recebe apoio monetário da autarquia do Bombarral. Na região estas são as únicas bandas a não contar com subsídios camarários.
Conta a história que a SFC surgiu graças a uma banda formada numa festa do Santíssimo Sacramento do Carvalhal, sendo depois fundada em 1859. Com 156 anos, a filarmónica do Carvalhal é a mais antiga do Oeste, contando actualmente com 36 elementos (dos 14 aos 70 anos) e com uma Escola de Música frequentada por 14 alunos. À frente da banda está o maestro José Carlos Reis.
Esta colectividade tem cerca de 300 sócios e regista uma média de 30 serviços por ano, na sua maioria romarias e procissões. O bar da associação encontra-se fechado pois dá mais prejuízo que lucro, embora em tempos abrisse as portas todos os dias.
A sede da SFC é cedida pela Junta de Freguesia (que cobra uma renda simbólica) e durante as gravações da série Beirais serviu de camarins às equipas de produção e a sua fachada de cenário à novela.
A maioria dos músicos não mora no Carvalhal, por isso a direcção encarrega-se de os ir buscar às respectivas localidades.



































