Uma caldense especialista no restauro da pintura mural

0
1959

Filipa Quintela é conservadora e restauradora e do seu currículo fazem parte trabalhos em espaços marcantes como a Charola do Convento de Cristo, no Palácio da Bolsa no Porto, no Teatro S. Luís e actualmente no Palácio da Pena. É com paixão que a caldense fala sobre as obras que intervencionou, assim como da sua profissão. Mesmo a viver em Lisboa, mantém uma forte ligação à sua terra natal e volta às Caldas sempre que pode

Filipa Quintela percebeu cedo que iria dedicar-se à conservação e ao restauro. Tinha 12 anos e já estava focada na arqueologia. “Era obcecada pelo Indiana Jones”, contou à Gazeta das Caldas, acrescentando que esta inclinação era alimentada pelos pais, que a levavam constantemente a castelos, palácios, castros e museus.
Aos 13 anos, quando estavam a construir a A8, descobriu-se um fórum romano, pertencente a Eborobritium, em Óbidos. “Fiquei empolgadíssima e, com o meu pai fomos perguntar ao Dr. Beleza, o arqueólogo responsável pela escavação, se podia participar. E não é que deixaram!?”, contou a caldense, explicando que os seus Verões eram diferentes da maioria dos seus amigos,dado que a sua família corria a Europa de auto-caravana a sorver tudo. E na primeira vez que foi a Itália sentiu “uma revolução” e soube “o que queria fazer. Tinha 14 anos”, revelou a caldense que se formou no Instituto Politécnico de Tomar.
Enquanto estudou, lembra que “havia tanta rambóia quanto discussões acesas sobre a ética do conservador ou o melhor solvente para limpeza ou a relevância da reintegração cromática numa peça” e que desde o início do curso fez estágios que a levavam a sentir a realidade da vida de um conservador restaurador. Foi num deles que, ao subir a um andaime pela primeira vez, passou a ter uma certeza: “era o restauro de pintura mural que queria fazer!”
A partir daí, Filipa Quintela dirigiu o seu trajecto nesse sentido. “E finalmente fiz o meu estágio no MNAC (Museu Nacional de Arte da Catalunha) em Barcelona, em pintura mural, mais especificamente na pintura mural românica destacada”, contou. Mais tarde completou a formação em restauro da pintura mural em Florença, localidade que sempre apreciou. Seguiu-se um estágio em Barcelona e outro em Girona, onde trabalhou na obra de restauro das cantarias interiores e pintura mural, na Igreja de San Feliu. Trata-se de um monumento românico onde foram descobertas pinturas de cães e dragões nas nervuras das abóbadas. “Trabalhar a cerca de 16 metros de altura, junto à roseta e do seu tremendo vitral, faz todos os sacrifícios da profissão valerem a pena”, afirmou Filipa Quintela.
Já a trabalhar, a caldense conta que correu “o país de uma ponta à outra, de mochila para uma semana sempre pronta no carro”. O restauro da pintura mural tem que ser feita in situ, esteja ela numa ermida no Alentejo ou em termas em Trás-os-Montes.
Curiosamente, a sua primeira obra, “talvez uma das mais queridas”, foi mesmo em Tomar, cidade que a caldense tinha deixado há pouco tempo. Integrada num grupo de jovens restauradores, Filipa Quintela trabalhou no restauro da Charola do Convento de Cristo em 2007, “com uma equipa de luxo e uma direcção técnica que iria marcar todo o meu percurso”. Seguiram-se outros projectos – mais ou menos com a mesma equipa, como a Ermida da Herdade do Esporão (2009) em Reguengos de Monsaraz, o hall das termas das Pedras Salgadas (2010) e as seguintes fases de restauro da Charola do Convento de Cristo, em 2009 e em 2013. Mais tarde, trabalhou no restauro do  Salão Árabe do Palácio da Bolsa do Porto (2010). De novo a sul, seguiu-se o restauro dos frescos das Casas Pintadas em Évora (2011) e a oportunidade de restaurar a pintura do tecto da mística Farmácia Freitas, nas Caldas (2010). Esta foi a oportunidade de trabalhar na sua cidade e de poder “dar mais anos de vida” a uma pintura que tanto apreciou “desde miúda”.
A somar quilómetros e experiência, a partir do nascimento da sua primeira filha, em 2014, decidiu trabalhar mais perto de casa. A zona de Lisboa e Sintra têm sido o seu foco, tendo restaurado vários palácios e casas particulares no centro de Lisboa. No momento, a caldense coordena uma obra em Sintra para a empresa Officios e diz que restaurar a Sala Árabe no Palácio da Pena em Sintra é uma daquelas pérolas que gostaria de trabalhar. “Agora tenho imensa curiosidade em conhecer melhor a Igreja do Espírito Santo nas Caldas, quem sabe ainda volto a restaurar a minha cidade?..”, questionou a restauradora, que adora cada fase do seu trabalho, desde a limpeza da pintura, passando pela cura sem esquecer a sensação final de missão cumprida. Filipa Quintela vive no Estoril há seis anos, mas diz que as Caldas “será sempre um refúgio”, onde vivem pais e amigos. “Vamos às Caldas constantemente e é ponto de encontro de toda a família”, disse a restauradora. fã do parque que mantém o ritual  dos sábados de manhã, “de acordar antes de todos e levar os miúdos até à praça. A bica no Central e seguir caminho pela Rua das Montras, onde ainda seguro os pés para não saltar só na calçada preta! Mas o Parque ganha tudo”, rematou.
- publicidade -