Cristina Rodrigues ao lado de José Aurélio agradeceu-lhe tudo o que fez pela vila enquanto artista e enquanto autarca | Natacha Narciso
No dia 11 de Janeiro, decorreu em Óbidos uma homenagem ao escultor José Aurélio. A iniciativa teve lugar na Casa da Música e foi promovida pela Sociedade Musical e Recreativa Obidense. Reuniram-se muitos amigos e conhecidos deste artista alcobacense que, além de ser um dos protagonistas da escultura portuguesa do século XX, foi também um autarca e um agente cultural em Óbidos, no período que se seguiu à Revolução dos Cravos. Na homenagem foi passado um documentário sobre o artista, intitulado “José Au(vento)”, de Rita Pimenta e Gonçalo Traquínio, que venceu o prémio internacional Books&Movies de 2016.
“Em nome dos obidenses (que aqui vivem ou estão na diáspora) um imenso obrigado a José Aurélio!”. Palavras de Cristina Rodrigues, uma obidense que falou em nome da comunidade local para agradecer ao escultor José Aurélio por tudo o que fez em Óbidos, local onde viveu desde os anos 60 até ao final da década de 70. O autor teve uma importante passagem pela Comissão Administrativa, que guiou os destinos do concelho obidense a partir de Outubro de 1974 até às primeiras eleições autárquicas. Vivia-se um período “quente” da vida colectiva “onde acreditávamos que íamos fazer um mundo melhor”, disse Cristina Rodrigues, reportando-se aos primeiros passos da democratização portuguesa e que “foram protagonizadas, em Óbidos, por José Aurélio”. Cristina Rodrigues recordou iniciativas do escultor na vila, como o facto de ter proporcionado a crianças e jovens um primeiro contacto com as artes plásticas e deixou um repto à autarquia para que esta proceda ao inventário das suas obras em Óbidos. “A inventariação e o conhecimento desse património será a melhor forma de o homenagearmos”, rematou.
O presidente da União de Freguesia de São Pedro, Santa Maria e Sobral da Lagoa, João Rodrigues, congratulou a iniciativa e agradeceu ao mestre José Aurélio o esforço e a dedicação que teve por Óbidos. A vereadora da Cultura da Câmara local, Celeste Afonso, afirmou que no “dia do Obrigado, esta vila está grata àquele artista, que é uma referência nacional, que possui trabalhos escultóricos de norte a sul”. A autarca salientou as famosas gárgulas, patentes na Torre do Tombo e o facto do artista, também medalhista, ser o autor de uma das moedas de dois euros. Mostrou ainda receptividade ao desafio proposto por Cristina Rodrigues no que diz respeito à inventariação da presença do escultor no concelho obidense.
Todos os intervenientes deram destaque à Galeria Ogiva, espaço criado por Aurélio e que representou um passo inovador naqueles anos. Aquela galeria permitiu trazer a Óbidos figuras de relevo no mundo artístico. A Galeria Ogiva era então um local de liberdade de expressão com palestras, discussões, exposições, encontros em torno da arte.
Um filme em que “Sou eu”
A Mão é a obra mais emblemática de José Aurélio em Óbidos |Natacha Narciso
Emocionado pela reunião de muitos amigos, José Aurélio referiu algumas notas sobre o documentário “José Au(vento)” . Da autoria de Rita Pimenta e Gonçalo Tarquínio, este é um filme de meia hora que ganhou o Prémio Internacional do evento Books & Moveis, evento que é organizado em Alcobaça. O documentário biográfico acaba por revelar várias questões sobre o autor. Em José Au (vento) o artista abriu o seu coração. “O que ali está sou eu, na minha verdade e simplicidade”, disse, acrescentando que neste registo testemunha sobre as mais diversas áreas, deixando gravadas as memórias de tempos de mudança, vividos e levados a cabo pelo próprio.
No final da apresentação foram colocadas algumas questões ao escultor. Uma delas, foi como reagiu o então presidente da Câmara Albino Castro e Sousa quando, em 1966, o escultor apresentou a Mão/Pomba (que se encontra junto à entrada de Óbidos) para monumento de homenagem aos soldados da guerra colonial. José Aurélio explicou que havia sido chamado pelo autarca, que lhe pediu uma proposta e que apresentou, em alternativa, uma escultura que homenageava, não só os que estavam em África, mas todos os que em Portugal sofriam com as perdas e as saudades daquela e de outras batalhas. Deste episódio da história de Óbidos ficou a Mão/Pomba que se encontra à entrada da vila e que tem inscrita a frase: “E aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”, da autoria de Luís de Camões e que mostra como, mesmo sob o Estado Novo, se podiam homenagear os portugueses através da arte.
Aquela escultura, segundo o seu autor, foi o primeiro trabalho onde utilizou betão modelado através de uma estrutura externa, construída em metal e que lhe deu forma. “A experiência que obtive com esta peça foi-me útil para a construção da grande obra ao Humberto Delgado, na Cela”, afirmou o artista.
O escultor estava satisfeito no final da sessão. Sobretudo por poder reencontrar-se com pessoas que não via há vários anos e que o fizeram “recordar os bons momentos que vivi nesta terra”. Há, no entanto, uma situação que o incomoda: apesar do carinho dos obidenses, há vários meses que este autor pediu uma audiência ao presidente da Câmara, Humberto Marques, e “não há meio de ser recebido”, contou à Gazeta das Caldas, acrescentando que há um cineasta português que quer fazer um filme sobre a sua obra e pretende filmar na vila. “Não percebo a dificuldade em marcar uma reunião com um antigo autarca e pai da Ogiva…”, referiu o escultor que tem pena que Óbidos não possa fazer parte da futura longa metragem sobre a sua vida e obra.