Três Cês quer retomar Feira de Cerâmica de S. Martinho do Porto

0
1885
O arquitecto francês Jean Ferrari comprometeu-se com a cerâmica portuguesa há 20 anos

Jean Ferrari é o presidente da Associação Três Cês, que se dedica à Cerâmica Contemporânea. Em entrevista à Gazeta das Caldas, fala sobre a falta de apoios do Estado destinados a esta área e também revela quais serão as próximas iniciativas daquele grupo que vão ter lugar em S. Martinho e em Alcobaça

Há mais de vinte anos que Jean Ferrari se enamorou pela região, sobretudo pela Serra dos Mangues, onde reside. “Estou comprometido com a cerâmica em Portugal desde então”, disse à Gazeta o arquitecto francês, que se divide entre terras gaulesas e a região Oeste, e que há décadas que também se dedica à cerâmica.
Jean Ferrari é o presidente da Associação Três Cês (Cerâmica Criativa Contemporânea), entidade criada em 2007 com o objectivo de divulgar obras de cerâmica de autor. Esta entidade pretende também valorizar o trabalho artístico, junto de entidades nacionais ou internacionais, sem esquecer a promoção de iniciativas pedagógicas e culturais. Desde que a Três Cês foi criada, o francês considera “que a situação não tem evoluído muito no sentido de divulgação da cerâmica contemporânea, no apoio à criatividade e na presença dos autores no espaço público”.
De momento, a associação Três Cês, que este autor representa, vai continuar a participar no Bom Dia Cerâmica em Alcobaça, pelo facto de a entidade ter sede naquele concelho.
Jean Ferrari dá a conhecer à Gazeta das Caldas que, nesta que será a 4ª edição do evento, a Três Cês pretende convidar 12 artistas que “vão não só expor, mas também animar workshops ou actuar ao vivo no centro histórico de Alcobaça”.
A associação quer também retomar a Mostra de Cerâmica Contemporânea de São Martinho do Porto, que se realizou durante vários anos no Largo do Turismo. O dirigente garantiu que o evento contará com o apoio logístico da Casa da Cultura José Bento da Silva, que está interessada em desenvolver o evento visto que “há poucos eventos relacionados com a cultura a decorrer em São Martinho”.
Segundo o presidente da associação, há vários ceramistas que gostariam de alargar ainiciativa e pretendem também animar a Avenida Marginal daquela localidade com instalações de cerâmica permanentes.
“Contamos com a presença na associação de uma arquitecta ceramista para ajudar a concretizar este projecto de arte urbana que será apresentado na Câmara de Alcobaça”, revelou o dirigente, responsável, há vários anos, pela organização de eventos relativos à cerâmica não só naquele concelho, mas também nas Caldas da Rainha.

SANGUE NOVO na associação

- publicidade -

A associação Três Cês, segundo o seu presidente, atravessa um bom momento. Nos últimos dois anos, a estrutura directiva passou a contar com a ceramista Liliana de Sousa (vice-presidente), e que gere, com a associação, o espaço João Santos em Alcobaça.
A Direcção também integra a artista plástica Paula Violante e o oleiro ceramista Miguel Neto.
Com este novo grupo e, em breve, da arquitecta ceramista portuguesa Stela Ivanova espra-se que “a associação possa subir a um novo patamar”.
“Um dos objectivos é o de libertar o contemporâneo de um passado que continua prepotente”, disse Jean Ferrari que faz questão de salientar que a Três Cês, além de contribuir para a divulgação da cerâmica contemporânea, “preocupa-se com o alertar sobre o aspecto humano habitualmente ausente nas avaliações desenvolvidas acerca da cerâmica em geral”.
O arquitetco-ceramista defende ainda que devem ser criadas condições para o aparecimento de mais artistas e de novos públicos para as artes.
“Nas escolas, os alunos deviam aprender a ler uma obra de arte plástica, seja ela conceptual ou não, tal como se aprende a comentar um poema”, defendeu o responsável, para que um dos objectivos das politicas culturais e educativas deveria ser o de desenvolver o espírito crítico dos mais jovens.
Só que, na maioria das vezes, “misturam-se preocupações comerciais, políticos ou actividades de entretenimento”. Jean Ferrari considera que ultimamente houve vários eventos relacionados com a cerâmica na região e que esse facto podia ser visto como um bom sinal. Todavia, para o líder da Três Cês, a maior parte das iniciativas “provêm de constrangimentos políticos e não de uma avaliação da realidade da cerâmica contemporânea que continua algo imperceptível e indefinida”.
O presidente da associação considera que, tal como os foguetes de um fogo-de-artifício, “os eventos pseudo-culturais iluminam durante alguns instantes o céu da cerâmica de autor permanecendo o restante do tempo na escuridão”.

REFLECTIR JUNTO AO MAR

Jean Ferrari continua a viver na Serra dos Mangues, ao pé do mar, afastado da agitação da vida citadina. Este artista procura naquele lugar um ritmo de vida que lhe dê espaço à reflexão filosófica. Para a sua produção cerâmica, recolhe barro junto ao mar, próximo da sua habitação.

UMA TIGELA CHAWAN

O arquitecto contou à Gazeta das Caldas que, ultimamente, mudou completamente de perspectiva no que diz respeito à sua actividade cerâmica, tendo deixado de se dedicar à multiplicidade de formas.
“Decidi prioritariamente limitar-me à uma só peça: a tigela”, afirmou o francês, que continua a usar, na maioria das vezes, barro da região e que agora passou a fazer taças de vários tamanhos e formas. Essa tigela multi-usos designa-se chawan em chinês e nelas tanto se pode servir chá como também comer uma sopa. Aquele tipo de objecto permite, também, conter uma salada ou uma porção de arroz.
O tal chawan é para o arquitecto “uma lição de humildade, de austeridade e de consciência do essencial, o que torna essa tigela um verdadeiro manifesto em termos de ética”. Além disso, este tipo de taça é para o artista uma obra de arte. “Os norte-americanos, por serem mais desinibidos do que nós, não hesitam expor uma tigela dessas junto a uma obra escultural abstracta”, acrescentou.
Jean Ferrari considera que em Portugal, tal como noutros países, o próprio conceito de cerâmica criativa “encontra-se imerso numa verdadeira nebulosidade e é cada vez mais exclusivamente associado a produção de obras escultóricas conceptuais”. Para ele falta juntar ao conceito os criativos que fazem taças, tigelas, potes com a sua própria assinatura e que na sua opinião, possuem “um significado, muito para além da utilidade”, rematou o arquitecto, adoptado pela região Oeste.

- publicidade -