“Debaixo da Pele”, assim se designa o último livro de David Machado, autor que esteve nas Caldas no dia 13 de Outubro, na Biblioteca. Durante o dia participou em sessões para as escolas e à noite deu a conhecer uma obra cujas personagens foram vítimas de violência doméstica e da violência no namoro.
São 21h00 e o auditório da biblioteca tem as primeiras filas ocupadas. Há crianças entre os presentes. “São alunos das escolas que trabalharam com David Machado durante o dia e que pediram aos pais para regressar ao serão”, explicou a bibliotecária Aida Reis, acrescentando que vieram alunos do 1º ciclo das escolas EB de Sto Onofre e da Escola do Parque enquanto que, à tarde, foi a vez de EB1 do Bairro da Ponte. Todos tinham trabalhado livros deste autor.
No total uma vintena de pessoas, entre professores, bibliotecários e familiares de alunos que ouviram atentamente o escritor à medida que este respondia às questões colocadas pela anfitriã, a bibliotecária Aida Reis.
A violência doméstica e a violência no namoro deixaram marcas nas personagens de “Debaixo da Pele”. Júlia tem 19 anos e foi vítima de violência no namoro e Catarina, de cinco anos, assiste a várias situações de violência doméstica entre os seus pais. Júlia vê a criança que está à janela (tentando abstrair-se do que se está a passar) e decide resgatá-la daquela situação, raptando-a. “Quer salvá-la e ao mesmo tempo salvar-se a si própria”, disse David Machado a quem interessa a forma como cada uma vai recuperar da violência a que foi sujeita.
Há muito que o autor, de 39 anos, queria colocar-se nos sapatos de personagens femininas e consegue-o neste “Debaixo da Pele”. Para o escritor, o trauma é “uma memória do corpo que é recordada através de pesadelos, terrores nocturnos, choro ou tremuras que a pessoa não sabe porque surgem”. Já em relação às memórias acha que “há coisas que recordamos e que são uma forma de imaginação”. Na sua opinião, quando tentamos recordar situações que nos aconteceram “algumas esquecemos, outras nem gravámos à partida e outras, sem qualquer malícia, somos nós próprios que as inventamos”, acrescentou.
“Debaixo da Pele” divide-se em três partes. A segunda parte do livro passa-se vários anos após os acontecimentos descritos que envolveram Júlia e Catarina. O narrador vai ser um escritor, natural de Peniche, que vai alugar um quarto a Catarina, 15 anos depois desta ter sido raptada.
A terceira e última parte é narrada pelo filho de Júlia. Ele tem 11 anos e vive isolado com a mãe no Alentejo. O jovem encontrou um gravador e está a ditar a sua história para voltar a ouvir quando for adulto, sem se deixar contaminar pelas memórias que inevitavelmente “todos acabamos por criar”, disse o autor.
“Reconstruímo-nos a partir do outro”
David Machado ainda conversou com o público sobre o seu anterior livro, “Índice Médio de Felicidade” onde conta a história de Daniel, um homem em crise a quem a vida começa a correr mal e em catadupa fica sem emprego, sem casa, sem família e com os seus melhores amigos a viver situações de depressão e de prisão.
Ainda assim, Daniel “nunca perde a ligação ao outro” ao passo que o trauma de Júlia faz com que o seu mundo se desmorone e esta “perca a ligação às pessoas”, disse o autor, explicando que a personagem chega a sentir repulsa quando a sua mãe a tenta abraçar.
Daniel, o protagonista do romance anterior, mantém-se sempre em conexão com os outros, apesar de estar zangado com o mundo. “Ainda assim vai ajudando quem o rodeia”, disse David Machado, explicando que crê que “é através do outro que nos conseguimos reconstruir”. O “Índice Médio de Felicidade” valeu ao seu autor o Prémio da União Europeia para a Literatura 2015 e o realizador Joaquim Leitão decidiu adaptar esta sua obra ao cinema, que teve produção de Tino Navarro. O filme e o prémio deixam-no muito satisfeito pois deram-lhe grande visibilidade, o que lhe permite hoje viajar para vários países para apresentar as suas obras. O “Índice Médio de Felicidade” está hoje traduzido em 10 línguas.
David Machado pertence a uma nova geração de autores que consegue manter a sua profissão relacionada apenas com a escrita. Neste momento, o autor – que passa férias no Baleal desde criança, no que se reflecte nos seus livros que têm várias referências a Peniche – está a escrever um romance juvenil.































