“O terrorismo explora a confiança que há nas sociedades”, diz Filipe Pathé Duarte

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Felipe Pathé Duarte diz que o terrorismo põe em causa a Europa dos valores |Natacha Narciso

A forma como o terrorismo está a condicionar o modo de vida nas sociedades ocidentais esteve em debate a 27 de Outubro, nos Capristanos, com Felipe Pathé Duarte, doutorado em Ciência Política e Relações Internacionais. O orador afirmou que as acções terroristas “exploram a confiança que existe nas sociedades abertas, que é a nossa maior benesse e, ao mesmo tempo, a nossa maior vulnerabilidade”. Portugal, apesar de não ser um alvo preferencial do terrorismo, não está livre de uma acção de um lobo solitário, tal como aconteceu noutros países europeus.

“O que é que vos garante que eu não tenho uma 9 mm, uma Kalashnikov ou uma bomba e que inicie aqui mesmo um processo de violência?”. Foi desta forma que Felipe Pathé Duarte, autor do livro “Jihadismo Global: Das palavras aos actos” iniciou a sua conferência nas Caldas, a convite da Associação Património Histórico (PH).
O também professor no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna relembrou que as sociedades abertas e democráticas possuem “uma dimensão ética que nos leva a confiar nas pessoas pois julgamos por boa fé que os outros não farão algo que não nos passa pela cabeça fazer”.

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Soma-se a isso o efeito dissuasor do Estado, ou seja, se praticarmos um acto errado sabemos que seremos punidos.E quanto mais aberta for uma sociedade, mais confiança há, ao contrário do que acontece num regime autocrático onde a confiança não existe. Em sociedades fechadas, os indivíduos regem-se sobretudo pelo medo. O orador deu como exemplo Angola, onde o Presidente José Eduardo dos Santos “fecha o país com medo que lhe tomem o Estado”. O activista luso-angolano Luaty Beirão “foi preso por isso, por causa desse medo”, acrescentou.
Para Felipe Duarte, quem pratica actos terroristas tem, por norma, “uma perspectiva salvífica” pois considera que “a comunidade muçulmana está sob ameaça do Ocidente”, logo “pode-se pegar em armas para defender o Islão”. A religião serve por isso como narrativa justificadora e onde se vão buscar os conceitos e o enquadramento para estes actos. E quando estas acções atingem civis no seu quotidiano, passam a existir condicionamentos ao modus vivendi e é o que se pretende visto que este é posto em causa.
Filipe Duarte considera que “qualquer lobo solitário sem qualquer tipo de preparação militar pode cometer um acto desses”. Basta munir-se de uma faca, uma arma ou um machado (tal como aconteceu em Agosto, na Alemanha). E se agir contra um soft target (civis), a mediatização é grande. Segundo o orador, são os próprios actos terroristas que dão existência aos próprios grupos. No dia 11 de Setembro de 2001 “ninguém sabia o que era a Al Qaeda ou quem era Bin Laden”. No dia seguinte, estes passaram a fazer parte do quotidiano das sociedades ocidentais.
O ataque às Torres Gémeas “era algo que se pretendia fazer desde os anos 90 e que, tragicamente, teve lugar em 2001″, disse o comentador. Por norma, os actos terroristas não têm um grande nível de sofisticação e, contudo, “exploram a confiança que existe nas sociedades que é a nossa maior benesse ao mesmo tempo que é a nossa maior vulnerabilidade”, disse Filipe Duarte.
Disseminar o medo e alterar poder político

Relativamente ao Daesh, ou Estado Islâmico, o convidado explicou que se trata de “uma organização complexa, de um proto-Estado, com uma dimensão territorial definida e com uma capacidade bélica bastante avançada”. Esta leva a cabo uma guerra regular em vários territórios e em relação à Europa tem realizado acções terroristas.
“Pretendem disseminar o medo, a violência e ainda querem alterar as dinâmicas de poder político actuais”, disse o orador, acrescentando que esta alteração é algo que já está a acontecer.
“A Europa dos valores está a ser posta em causa”, disse Filipe Duarte, chamando a atenção para o facto de ascenderem ao poder partidos de anti-establishment ou de extrema-direita que crescem no Leste Europeu, na Holanda, Alemanha, França ou Escandinávia.
Em relação a Portugal, o convidado acha que não é um país alvo preferencial dos terroristas. No entanto, como pertence à NATO, à UE e possui uma posição geoestratégica favorável, pode ser alvo dos ataques dos chamados “lobos solitários”, isto é, indivíduos que levam a cabo acções sem o apoio de um grupo.
O ciclo de conferências do PH terá continuação no final de Novembro, com a presença de Luísa Arroz que vai promover um debate em volta das políticas culturais.

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